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Incêndios deste ano em São Paulo são risco também para safras futuras de cana

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Fogo já afetou pelo menos 181 mil hectares no estado, segundo a Orplana

As cenas de labaredas de fogo consumindo longas faixas de canaviais representam não só uma ameaça à saúde pública, ao equilíbrio ecossistêmico e climático, como também para a oferta de açúcar, etanol e energia no próximo ano. Mas, além de os incêndios já terem comprometido parte da produção derivada da cana desta safra, o fogo também queima pés de cana que estavam rebrotando para a produção da próxima temporada.

“A preocupação maior não é com a cana em pé que foi queimada. Nesse caso, se a usina colhe em uma semana, resolve. O problema é a cana que já tinha sido colhida antes da queimada, que estava rebrotando e veio o fogo. Esse fogo afeta a cana para o ano que vem”, afirma o sócio da consultoria RPA, Ricardo Pinto.

Apenas o estado de São Paulo teve 181 mil hectares de cana queimados entre 23 de agosto e 10 de setembro. Dessa área, 95 mil hectares foram de lavouras já colhidas e que estavam rebrotando. Os dados são da Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana), a partir de imagens de 13 satélites e visitas a campo. Segundo a organização, os prejuízos aos produtores já chegam a R$ 1,2 bilhão.

Esses números, infelizmente, estão em constante atualização, já que os incêndios continuam ocorrendo e a seca deve se prolongar ao menos até o fim de setembro. “Nós estamos contando os cacos”, lamenta o presidente da Orplana, José Guilherme Nogueira.

A queima de pés que estavam em rebrota pode ter diferentes efeitos de acordo com a intensidade do fogo. Os impactos podem ir do atraso da colheita da próxima safra, passando pela necessidade de mais investimentos em tratos culturais e até em replantio, reduzindo a área de colheita da safra seguinte.

“Quando o fogo atinge pés novos, provoca a desidratação das células da cana e chega a matar a parte da planta acima do solo. O que pode ser feito, quando a planta tem dois a três meses, é esperar voltar a rebrotar e a produzir novas folhas. Se estiver com quatro a cinco meses, a alternativa é eliminar a parte aérea com roçadeira e estimular nova brotação”, explica o professor de fisiologia vegetal e cana-de-açúcar Paulo Figueiredo, da Unesp.

Porém, a Orplana relata que as rebrotas de cana que estavam com até quatro meses “viraram pó”, provocando um acúmulo de cinzas, que inclusive precisará de manejo para ser removido.

O problema maior é quando os incêndios saem do controle e queimam as lavouras por muito tempo – que é o que se tem visto com frequência –, o que compromete a raiz. “A raiz está muito protegida. Mas o que acontece é que as lavouras colhidas têm material remanescente da colheita no solo, a palhada, que acaba sendo um material combustível. O fogo persistente nesse palhiço por horas aumenta a temperatura do solo a ponto de promover a morte de gemas abaixo do solo”, diz Figueiredo.

Se o comprometimento das gemas – estrutura a partir da qual brota a cana e que fica no solo – for pontual, o produtor pode até deixar o canavial com falhas. Mas, se os danos são amplos, é preciso replantar tudo. E as áreas replantadas agora não deverão estar maduras para colheita no ano que vem, já que muitas variedades se desenvolvem em 18 meses.

“A área de reforma [de canavial] vai ser maior por causa desse efeito. Mas depende do produtor, porque precisa de dinheiro. O custo de replantio está em R$ 13,5 mil por hectare e os juros para financiar plantio estão entre 13% e 14%”, afirma Nogueira, da Orplana. “O produtor vai fazer a conta para ver se vale a pena, ou se migra para grãos, como soja e amendoim”.

Nas lavouras que terão capacidade de rebrotar, os impactos ainda são incertos. “Em um passado pouco distante, há dez anos, tínhamos setembro como mês de chuva e a cana retomava o crescimento. Não é o que acontece agora”, alerta Figueiredo. O ritmo de rebrota dessas plantas dependerá do retorno das chuvas de forma consistente. Quanto mais tardarem, maior será o atraso da colheita na próxima safra.

“Quando a cana queima, vai levar um ano para estar pronta para colher. Então vai ter uma concentração de colheita nesse período [em 2025], e não temos tantas máquinas disponíveis. O produtor deve ter que atrasar ou adiantar algumas colheitas”, avalia Nogueira. A depender das chuvas do verão, pode afetar a produtividade.

Ninguém ainda arrisca uma estimativa para o impacto na produção da próxima safra, já que os incêndios continuam acontecendo. Além de afetar a produção de açúcar e etanol de cana, também deverá haver uma redução de palha necessária para cogeração das usinas, uma vez que essa biomassa está sendo consumida pelo fogo.

E há ainda efeitos que só serão vistos daqui alguns anos. “Com o fogo, tem a eliminação de microorganismos”, lembra Figueiredo, da Unesp. A microbiota do solo é a responsável pela ciclagem de matéria orgânica, pela solubilidade do fósforo, pelo controle de doenças e outras interações que mantêm a terra saudável.

Além disso, sem a palhada no solo, a terra fica suscetível a processos erosivos, o que pode ser mais perigoso para lavouras com algum grau de declividade. Segundo o professor, esses efeitos aparecerão no médio prazo.

Com informações do Globo Rural/Camila Souza Ramos e Luciana Franco

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