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Ministério da Agricultura e as perspectivas para o setor sucroenergético

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A primeira ação tomada pelo novo governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva, com a assinatura do decreto que prolonga a isenção de impostos sobre a gasolina, atinge diretamente o segmento sucroenergético, que se manifestou esta semana a respeito do assunto e afirmou que “ao manter a isenção de tributos federais sobre a gasolina, inaugurada pelo governo Bolsonaro, o governo Lula se torna cúmplice de um atentado econômico, ambiental, social e jurídico, especialmente depois de ter se comprometido com um novo padrão de combate às mudanças climáticas há poucas semanas na COP27”, disse a Unica e o Fórum Sucroenergético em nota divulgada pela imprensa.

Apesar da medida, parece que a escolha de Carlos Fávaro como Ministro da Agricultura e Pecuária não desagrada o setor. Em entrevista exclusiva para a RPAnews, Roberto Rodrigues, que foi Ministro da Agricultura durante o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva e hoje é presidente da Academia Brasileira de Ciências Agronômicas e professor emérito da FGV, falou um pouco sobra suas perspectivas para o novo governo, ministério da Agricultura e para o setor sucroenergético. CONFIRA!

RPAnews: Qual é a sua opinião sobre a escolha de Carlos Fávaro para o comando do Ministério da Agricultura e Pecuária?

Roberto Rodrigues: Vou começar com a escolha do ministério da Agricultura, do senador Calos Fávaro. Conheço há muitos anos e acredito que ele tem todas as condições de ser um bom ministro da agricultura pelas seguintes razões. Primeira, ele é produtor rural, ele conhece a atividade, sabe as dificuldades do setor, sobretudo sendo produtor no Mato Grosso, que tem questões ligadas a logística, tributação, então ele conhece os problemas do setor. Já e uma coisa fundamental.

Segundo, ele exerceu o papel de liderança rural durante muito tempo, então ele sabe a interlocução com o Governo como funciona e dentro das cadeias produtivas como esse relacionamento existe, então ele tem uma capacidade de diálogo diferenciada. Terceiro, ele foi vice-governador do estado agrícola mais importante do Brasil, ele sabe do Meio Ambiente daquele estado, então ele conhece como funciona o executivo estadual e as suas relações com o Federal, o que é muito relevante. Quarto, é senador da república, então conhece o parlamento por dentro, o que hoje é essencial. As relações entre os poderes, sobretudo em executivo e legislativo são relações muito profundas e sem as quais nada funciona no país. Quinto, ele foi o coordenador do programa de transição do ponto de vista da agricultura, então ele conhece os problemas que foram levantados com o diagnóstico e prognóstico. Portanto, ele tem características muito boas e até mesmo fundamentais para ser um bom ministro. Além disso, como personalidade, ele é uma pessoa afável, de relacionamento fácil e uma visão muito democrática dos processos. Por isso, ele tem condições de ser um bom ministro.

Qual é a sua visão geral sobre o novo governo, que já está montado com seus ministérios?

RR: O governo do presidente Lula realmente criou uma certa “proliferação” de ministérios, são 37 ministérios, sem falar em agências e instituições correlatas ao governo. E o Ministério da Agricultura sofreu uma espécie de desmanche. Hoje vamos ter três ministérios cuidando da agricultura. O Ministério da Agricultura, propriamente dito, perdeu a área de Abastecimento, que passou para o Ministério de Desenvolvimento Agrário e o Ministério da Pesca. Isso é ruim? Pode ser ruim. Porque você tem ter diferentes ministros, com diferentes ideologias ou ideias com relação a agricultura, o que pode trazer um desencontro de políticas públicas para a agricultura.  Por que não tem ministério da pequena indústria e ministério grande indústria? Porque tudo é indústria, assim como na agricultura. Então, acho algo pouco construtivo, dividir agricultura entre médio, grande ou pequeno. Todos são agricultores e todos trabalham na mesma direção, de produzir energia, fibra e alimentos de maneira sustentável para que o Brasil seja cada vez mais competitivo nesta área. 

Poderá haver disputa por orçamento, prioridades políticas, por espaço na mídia e isso é negativo. Normalmente, o ministério da Agricultura depende muito da integração do governo como um todo, porque agricultura depende do comércio internacional que é tratado pelo Itamaraty. Criei o comitê dos adidos agrícolas exatamente para uma aproximação maior entre o Itamaraty e o Ministério da Agricultura, também criei a área internacional da Agricultura. Depende, obviamente, de orçamento, então a relação com o Ministério do Planejamento e da Fazenda, que libera os recursos, é essencial. Sem isso nada funcionará. Depende de estrutura logística, o Ministério de Infraestrutura, Transporte, são ministérios que tem tudo a ver com a competitividade do Agro. Temos o ministérios do Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia também, ou seja, o Ministério da Agricultura depende de todos estes e precisa de ter uma boa interlocução com o governo como um todo, não só com o executivo, como também com o parlamento e judiciário.

Embora nosso ministro Carlos Fávaro tenha todas as características fundamentais para ser um bom ministro, é preciso que o governo como um todo veja na agricultura uma atividade relevante para o país, como de fato é. O Agronegócio representou 27% do PIB no ano passado. Gerou 20% dos empregos, fundamental na área social e é sustentável, tanto que os números provam isso na exaustão. É um setor fundamental para a área social e política e tem que ser tratada como tal. A simples divisão do ministério não mostra muita clareza dessa visão. Esperamos que com o tempo se consolide e que a posição do ministro Fávaro seja hegemônica em relação a agricultura de maneira geral.

O que esperar do Ministério do Meio Ambiente, principalmente considerando o segmento produtor de etanol?

RR: A Agricultura brasileira é sustentável. Indiscutivelmente sustentável. Falando em grãos, a produção de grãos de 1990 até hoje cresceu 370% e a área plantada cresceu 95%, ou seja, a produção cresceu quatro vezes mais do que a área plantada. Isso é tecnologia, que levou a sustentabilidade do setor. Em 1990, tínhamos uma área plantada que cresceu até agora, chegando a 73 milhões de hectares. Se tivéssemos a mesma produtividade de 1990, seriam necessários mais 104 milhões de hectares para colher a safra deste ano, ou seja, nós preservamos 104 milhões de hectares. A tecnologia brasileira na agricultura brasileira é tropical e sustentável de fato, mas essa sustentabilidade, essa competitividade que daí deriva, tem sido questionada por questões que transcendem a agricultura, como invasão de terra, incêndios criminosos, desmatamento ilegal, garimpos clandestinos são crimes que não tem sido punidos adequadamente pelos governos que sucederam ultimamente. Sendo assim,  fortalecer o Ministério do Meio Ambiente, exigindo que as coisas ilegais sejam punidas e que a lei seja cumprida é muito importante.

O próprio Código Florestal, o mais rigoroso do mundo, tem sido descumprido. O CAR até hoje não foi implementado por falta de interesse de governos estaduais e Federal. O Ministério do Meio Ambiente, preocupado com a legalidade é muito relevante porque isso interfere na imagem do Brasil lá fora. Muitas vezes vemos países, como a própria União Europeia, criando dificuldade legislativa  dizendo que não importarão nada de áreas desmatadas depois de dezembro de 2020 e, obviamente, isso tem a ver com o Brasil. O Brasil exporta para a Europa, para o mundo inteiro e muito da produção vem de áreas desmatadas há muito mais tempo, desmatamentos do século 17,18, 19.Não tem nada a ver com o processo, mas essa proibição que tem uma função teoricamente voltada ao meio ambiente, não vai mexer em nada no meio ambiente, mas vai fazer com que o produtor tenha que provar que a floresta dele foi desmatada muito antes de 2020, tendo risco de não conseguirem exportar. Muito mais que isso, vai criar custos, que podem inviabilizar a competitividade. É preciso que essa imagem de sustentabilidade do agro seja resgatada para que o comércio e a competitividade não sejam afetadas por um falso dilema. Somos sustentáveis, o produtor não desmata ilegalmente e aventureiros que desmatam tem que ser punidos para que haja uma verdade da imagem.

O governo de transição envolveu alguns entes do setor sucroenergético, como Unica, Fórum Sucroenergético. O que você espera para este segmento. Haverá uma boa interlocução entre setor e Governo?

RR: Eu espero que haja. Na questão da transição vis a vis a execução do que foi diagnosticado e prognosticado na transição nem sempre é uma relação direta. Quando o ministro ou secretario  assume seu cargo, ele vai conhecer a realidade dos fatos e nem sempre a realidade do que uma discussão teórica ou mais profunda identificou. A realidade dos fatos muda todos os dias, então muitas vezes um ministro, tendo participado do processo das discussões da transição ele acaba tendo que tomar decisões a margem do que foi discutido lá atrás. Agora, o ministro Fávaro é líder rural e sabe como é fundamental o relacionamento entre público e privado.

As câmaras setoriais, que criei como ministro, por exemplo, são fórum para isso. Em cada câmera setorial tem 27 câmaras setoriais do Ministério da agricultura. Então a câmara setorial tem gente de todas as áreas da cadeia produtiva, desde a produção rural, dos insumos, comércio, financiamento, ou seja, tudo que envolve a cadeia produtiva esta tratada na câmara setorial e ali tem um instrumento de relacionamento público e privado. Mas, além disso, as instituições de representação, que têm esse papel, participam e defendem o seu setor.

No entanto, o que estamos observando não é um começo favorável. Houve uma decisão do governo anterior, de Bolsonaro, de tirar a tributação da gasolina para impedir a inflação e, ao mesmo tempo, satisfazer o consumidor de gasolina com produtos mais baratos, o que obviamente tinha uma função, embora ligada a economia, de caráter eleitoral. Terminada a eleição, tinha que voltar ao que é real, até porque o governo vai precisar de recursos tributários para tocar os seus projetos. A escolha do governo de prorrogar é uma decisão populista.

Fico com a sensação de que as medidas econômicas não estão sendo colocados no interesse nacional maior, mas sempre pensando na popularidade do governo. Essa situação sobre os impostos afeta duramente o setor sucroenergético porque tira competitividade do etanol na lógica do processo. O etanol é, de longe, uma atividade sustentável comprovada. Todo mundo sabe que o etanol da cana-de-açúcar emite só 11% do Co2 que a gasolina emite, portanto, é de interesse nacional que o etanol e o biodiesel sejam consumidos com muito mais ênfase dos que os produtos de origem fóssil. Enquanto a matriz energética brasileira é 44% renovável, a do mundo é 14%. A matriz energética brasileira é renovável por causa do agro, etanol, biodiesel, da cogeração de energia elétrica gerada pela agricultura, então proteger a agricultura, a agroenergia, proteger os combustíveis de origem agrícola é um dever do Estado porque é m beneficio para a sociedade brasileira. É fundamental que o novo governo veja isso.

No primeiro governo do presidente Lula, em que fui ministro, o presidente tinha um grande apreço pelo etanol e pelo biodiesel que foi criado lá. E viajamos pelo mundo vendendo o etanol na Índia, na China, no Japão, na Europa, Estados Unidos. Falamos sobre o etanol brasileiro como um fator relevante para a descarbonização da atividade produtiva e, portanto, para o beneficio social da nação e do mundo.  Acredito que o presidente tenha essa visão e espero que ele acabe impondo essa visão, porque essa de não tributar a gasolina foi decisão da presidente Dilma que acabou levando-a ao desastre.

O que as entidades de classe do setor sucroenergético devem fazer para que o setor volte a ser visto como relevante?

RR: Realmente continuar um trabalho de esclarecimento não só para  governo, mas também no parlamento, que tem a frente parlamentar do setor sucroenergético, que é muito operacional e trabalha muito bem, e para a sociedade. Em uma democracia as politicas públicas tendem a ser implementadas quando a sociedade entender que elas são positivas. Acredito que neste momento, mais do que nunca, que as entidades de classe do setor sucroenergético, produtores de cana, produtores de biodiesel, se juntem numa grande ação de comunicação social, mostrando ao povo brasileiro e ao mundo como é relevante a substituição do combustível fóssil pela a energia renovável. É bom para o mundo, faz bem para a saúde pública e é bom para a sociedade. Espero que o governo, compreendendo isso, como já fez no passado, tome as atitudes necessárias para que o setor tenha prevalência na questão energética brasileira.

E o ano para o produtor/fornecedor de cana. Quais são as perspetivas?

RR: Olho com preocupação por várias razões. A primeira razão é que nós temos uma produção ainda baixa de cana-de-açúcar. E como a cana é uma cutura semi-permanente, a geadas e a seca que afetaram o setor nos últimos dois anos, tem relefxos para os próximos quatro a cinco anos, então teremos uma produtividade agrícola abaixo da média histórica do setor. Ou seja, a produção por hectare será menor. Por outro lado, o custo foi maior, tivemos a pandamia e a guerra entre Russsia e Ucrânia. Esses dois fatores somados quebraram cadeias produtivas, fazendo com que o aumento de preço de insumos, como fertilizantes, defensivos, máquinas agrícolas fosse muito grande. Os custos de produção subiram astronomicamente, chegando a uma média superior de 35%, então, você tem um setor com dois fatores negativos, produção menor e custo maior. Isso se soma ao preço final do produto, do açúcar, do etanol, que tem a ver com a questão tributária. Então se tivermos uma produção menor do que a média histórica, com custos maiores do que os custos históricos e preços menores é uma tempestade perfeita.

Vejo com preocupação o ano de 2023. O que tem de vantajoso é que o preço do açúcar ainda está melhor do que nos últimos anos. Isso pode permitir uma safra mais açucareira para quem consegue fazer isso, mas as destilarias autônomas não podem fazer isso. Então, eu vejo uma certa preocupação com a renda do setor em 2023 e a minha recomendação é barba de molho, cortar custos no limite do possível, procurar fazer tudo evitando aumento de custos maiores ainda, embora os custos de fertilizntes já estejm caindo, ainda estão muito altos em relação a média historica. É um tempo de cuidado com o custo de produção.

Uma discussão no grupo de transição levantada foi uma possível tributação sobre as exportações agrícolas. O que pensa sobre isso?

RR: Tributar exportações agrícolas é um erro enorme. Exportar imposto tira a competitividade e acaba diminuindo a produção. O açúcar é muito exportado, assim como a soja, milho, algodão, suco de laranja, café. Então, se o governo tributar as exportações vai haver outro adicional negativo para a atividade da cana-de-açúcar. Vamos torcer para que isso não aconteça. Vamos torcer para que continue chovendo bem como está, pois isso vai ajudar a cana a crescer e a melhorar um pouco a produtividade. Vamos torcer para que o preço do açúcar continue bom, a tributação sobre a gasolina aconteça rapidamente e que a produtividade da cana melhore como efeito das chuvas.

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