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Opinião: No açúcar, o mercado prende a respiração

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Na semana em que o açúcar tomou conta de São Paulo — eventos, encontros, conversas de corredor e muito burburinho — Nova York serviu o contraponto amargo. Refletiu, dia após dia, as nuvens pesadas formadas a partir das narrativas sombrias que circularam pelos salões. E, como costuma acontecer, o temporal desabou sobre o mercado futuro sem dó nem piedade: queda de 56 pontos (ou 12,35 dólares por tonelada) no acumulado da semana, com o março/26 encerrando a sexta-feira a 14.97 centavos de dólar por libra-peso — praticamente metade do valor visto no Jantar do Açúcar de 2023. Quem poderia imaginar? O clima azedou mais rápido que caldo de cana no sol.

O humor do mercado, como se esperava, é de velório sem café. As usinas lamentam o que deixaram de fazer — a perda da oportunidade de fixar bons preços — e o sentimento geral é de que, agora, “algo precisa ser feito”. Sim, precisa. Mas fazer política de risco nesse momento é como abrir o manual de natação quando o barco já está afundando. Gestão de risco exige preparo, comprometimento, disciplina, consenso e execução. Agora, resta juntar os cacos espalhados pelo chão, tentar aprender com o tombo e seguir em frente — porque o açúcar não espera ninguém.

Como disse, a tal “semana do açúcar” em São Paulo veio com um perfume inconfundível de pessimismo. As conversas e apresentações trouxeram um viés fortemente baixista — nas estimativas de safra de cana para o próximo ano e no volume de açúcar a ser produzido. Números ao vento. Podem anotar: não vai ser nada disso. Por quê? Porque quem tenta cravar, com tanta antecedência, o tamanho da safra ou a produção de açúcar, está brincando de adivinho em dia de neblina. O mercado é um organismo vivo, cheio de variáveis, e não gosta de seguir roteiro.

Querem um exemplo fresco? Voltem a janeiro de 2023 e vejam o que diziam as previsões para a safra 23/24. Segundo levantamento da Novacana, as estimativas variavam entre 565 e 600 milhões de toneladas de cana. A Archer Consulting projetava 575 milhões — número razoável, dentro das premissas de então. Até que uma trading asiática “ousou” publicar 617 milhões de toneladas. Foi quase linchada em praça pública. E o que aconteceu? Fechamos o ano com 654 milhões de toneladas! Assim é, e assim continuará sendo. O mercado de açúcar adora desmentir os próprios profetas. Há muita água — e muita cana — para passar por debaixo da ponte.

Um experiente trader comentou comigo que ainda pode haver, no mínimo, 3 milhões de toneladas de açúcar a serem fixadas — parte das rolagens que as usinas vêm empurrando desde maio/25. São cerca de 59 mil contratos em aberto, todos esperando um lampejo de alta nos preços. Preocupante? Seria — se não fosse o detalhe de que os fundos estão vendidos em algo perto de 200 mil contratos (segundo nossa estimativa). Agora imagine o estrago — ou o alívio — se resolverem recomprar essa posição.

Nossa avaliação é que os fundos raramente carregam uma posição vendida desse tamanho em um mercado invertido, como o de março/26 contra maio/26. Historicamente, eles preferem zerar ou reduzir antes do fechamento do ano, para mostrar um P&L mais bonito aos investidores — o Natal chega mais cedo em Wall Street.

Temos, portanto, dois cenários quando o shutdown americano finalmente for resolvido. Se o CFTC (Commodity Futures Trading Commission) agência americana reguladora dos mercados de commodities publicar uma posição vendida próxima a 200 mil lotes, é bem possível que vejamos uma recuperação nos preços, resultado direto da recompra. Mas, se o número vier abaixo de 150 mil, o sinal será péssimo: significa que, mesmo recomprando parte das posições, o mercado não reagiu. E quando o impasse será resolvido? Boa pergunta — só Trump sabe, e talvez nem ele.

Os mercados têm um talento especial — quase uma vocação divina — para fazer seus participantes pensarem na direção errada. Ficam baixistas na baixa e altistas na alta, como se o gráfico fosse um espelho da emoção. Amplificam o pessimismo quando tudo já caiu e ignoram qualquer fator que possa dar suporte aos preços. É o velho comportamento de manada, travestido de análise.

No entanto, há uma lei não escrita — e infalível — que o mercado insiste em esquecer: preços baixos são o melhor remédio para preços baixos. Se o atual patamar se mantiver ao longo do próximo ano, veremos um corte drástico nos tratos culturais, no uso de defensivos e de fertilizantes, o que pode comprometer seriamente a safra seguinte. Já vimos esse filme: em 1999/2000, com o açúcar despencando para 4 centavos de dólar por libra-peso, a produção do ano seguinte encolheu 17%.

E aqui vai o detalhe que muda tudo: naquela época, o Brasil respondia por 35% a 40% do trading flow mundial. Hoje, essa fatia supera 60%. Traduzindo: uma queda relevante na safra 27/28 seria o equivalente a tirar o alicerce do mercado global.

Há outros fantasmas rondando o setor. Apontam-se culpados — etanol de milho, juros extorsivos, e todo o elenco coadjuvante que já atuava no ano passado. Mas a verdade é que boa parte dos sustos vem de dentro de casa. As empresas precisam modernizar seus processos de decisão, parar de reagir ao mercado e começar a planejar o risco. Urgentemente. Uma política de risco robusta não é luxo; é estratégia de sobrevivência. Ela deve priorizar o retorno ao acionista, sim — mas sem abrir mão de oportunidades de remuneração que, muitas vezes, significariam um EBIT acima de 40%, desperdiçadas por decisões tomadas na euforia de quem achava que o céu era o limite. O problema é que o mercado sempre lembra que o céu também tem teto.

E o que pode acontecer agora? O déjà vu de sempre. Em tempos de preços baixos, algumas usinas vão cair na tentação dos acumuladores, acreditando garantir margens melhores. Aí os fundamentos mudam, os preços sobem… e o hedge vira armadilha. A história se repete como farsa matemática: fazem as mesmas coisas esperando resultados diferentes. Spoiler: não funciona — e nunca funcionou.

E, para completar a semana, senti no ar um leve cheiro de dança das cadeiras. Nada confirmado, claro — mas o perfume está forte demais pra ser coincidência.  A conferir.

Nosso colaborador Marcelo Moreira Açúcar dá sua visão: o vencimento março-26, como indicado na semana passada, rompeu os 15 centavos de dólar por libra-peso e encerrou a 14.97 centavos de dólar por libra-peso! O último “suspiro do morto” ocorreu na terça-feira quando o março-26 negociou na máxima da semana a 15.82 centavos de dólar por libra-peso. Nos 3 dias seguintes novas mínimas foram sendo testadas (15.10/15.03 e 14.93 centavos de dólar por libra-peso) e o sentimento do mercado – após a semana do sugar Dinner – continua pessimista com analistas estimando um superavit no curto prazo entre 3-5 milhões de toneladas e para a próxima safra 26/27 uma produção ao entre 610-630 milhões de toneladas de cana e com NY podendo buscar os 13 centavos de dólar por libra-peso em breve.

 

*Arnaldo Luiz Correâ, analista de Mercado da Archer Consulting

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