Conecte-se conosco
 

Opinião

Por que a união de pesquisadores, empreendedores e investidores irá revolucionar o mercado de Agtechs no Brasil?

Publicado

em

*Por Francisco Jardim

Em 1972 os pesquisadores Stanley Cohen, na ocasião professor de medicina da Universidade de Stanford, e Herbert Boyer, na época bioquímico e engenheiro genético na Universidade da Califórnia, se conheceram em uma conferência no Havaí e rapidamente notaram a sinergia entre os trabalhos científicos que vinham se debruçando. Cohen havia desenvolvido um método para introduzir plasmídeos em certas bactérias resistentes a antibióticos e outro para isolar e clonar genes transportados pelos plasmídeos. Plasmídeos são fitas duplas de DNA normalmente encontradas em bactérias e que se replicam independentemente do DNA cromossômico. Eles podem ser utilizados para inserir genes em outras células sem integração no DNA cromossômico.

Já Boyer havia isolado uma enzima que corta a fita de DNA em locais específicos, hoje chamada de enzima de restrição. Cohen e Boyer juntaram esforços e, com uma enzima de restrição, conseguiram cortar um plasmídeo em um local específico e, assim, pela primeira vez, foram capazes de inserir e ligar um gene que conferiu resistência ao antibiótico no local do corte.

Como Cohen tinha previamente concebido um método no qual as bactérias poderiam ser induzidas a pegar um plasmídeo, com a junção das duas tecnologias foi possível criar a primeira bactéria transgênica. Esta bactéria era resistente ao antibiótico canamicina devido ao gene clonado no plasmídeo e nela inserido. A tecnologia inovadora criou o primeiro organismo geneticamente modificado. Eles repetiram o processo inserindo outros genes na bactéria, incluindo um gene de sapo. A nova técnica foi batizada de DNA recombinante.

Este foi só o começo da história. A grande sacada veio da visão de negócios de Niels Reimers, fundador e diretor do escritório de transferência de tecnologia (Office of Tech Licensing – OTL) de Stanford, que convenceu os dois cientistas a patentearem a descoberta, algo até então inédito no campo da biotecnologia. A patente, que vigorou de 1980, quando foi concedida, até 1997, foi licenciada para 468 empresas, a maioria da área de biotecnologia, que viabilizaram grandes avanços na medicina, como o desenvolvimento de medicamentos para doenças do coração, anemia, câncer, AIDS e diabetes, entre outras. O licenciamento, que foi válido até 2001, gerou em 25 anos uma fortuna de 241 milhões de euros para as universidades de Stanford e Califórnia.

Mas essa inovação serviu para criar uma outra revolução que muitas vezes tem sua origem desconhecida. Trata-se do casamento entre o venture capital, a Academia e o empreendedorismo no segmento de ciências da vida (life sciences). Boyer co-fundou em 1976, em sociedade com o investidor Robert Swanson, a Genentech, e como não tinham recursos suficientes para alavancar o negócio, procuraram o investidor Tom Perkins, co-fundador da Kleiner Perkins Caufield & Byers, que investiu US$ 100 mil por 50% do negócio.

Em 1980, a Genentech fez seu IPO com um valuation de US$ 300 milhões e em 2009 foi comprada pela Roche por US$ 46,3 bilhões. O portfólio de produtos da empresa inclui os principais medicamentos para tratamento oncológico, como Avastin, Rituxan e Herceptin. Entre as companhias que nasceram a partir da patente estão nomes como Amgen, Lilly e Merck.

Há quase 50 anos os Estados Unidos criaram as condições ideais para germinar negócios exponenciais no ramo da biotecnologia a partir de alianças com o mundo acadêmico. Ao invés de simplesmente publicar estudos científicos que nunca saem das universidades, pesquisadores, empresários e investidores passaram a se unir na estruturação de empresas inovadoras que transformam conhecimento em patentes e produtos revolucionários, um modelo que somente agora começa a ganhar musculatura aqui no agronegócio brasileiro e deverá alcançar finalmente uma maior dimensão com a entrada em vigor no próximo ano do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação.

O decreto no 9.283/18 vem simplificar a assinatura de convênios para incentivar a pesquisa pública, facilitar a internacionalização de instituições científicas e tecnológicas e, o que é mais do que bem-vindo, estimular a aproximação das instituições com a iniciativa privada. “O Marco Legal e o decreto de regulamentação irão possibilitar um salto da inovação científica no Brasil. Agora temos uma ferramenta para viabilizar esse desafio com segurança jurídica”, assinalou em comunicado o presidente da Embrapa, Mauricio Lopes. “Para que o conhecimento vire inovação e se transforme em novos produtos é preciso fluir para o ambiente privado e o setor produtivo, já que é nas empresas que este processo acontece. A integração público-privada é fundamental para o que país reforce sua presença e o seu protagonismo no mundo da inovação. Esse é o grande ganho da regulamentação do Marco Legal”, acrescentou.

É exatamente isso que a iniciativa privada, e mais particularmente o ecossistema de startups, precisava e esperava ansiosamente. A aproximação de empresas com as Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs), como é o caso da Embrapa, permitirá associar pesquisa e desenvolvimento de negócios, viabilizando que empreendedores e pesquisadores somem esforços para criação de novas organizações inovadoras e disruptivas.
É o que já vem acontecendo, aliás, com a própria Embrapa, especialmente no setor de agritech. Foi por conta do envolvimento da Embrapa Solos com a Speclab na criação da tecnologia Specsolo, que faz análise de fertilidade de solos a partir do uso de Espectroscopia, Quimiometria, Big Data e Inteligência Artificial, que nós, da SP Ventures, decidimos aportar R$ 4,5 milhões na empresa. Numa situação muito parecida com o nascimento da Genentech, aliamos uma tecnologia patenteada e na vanguarda mundial, com empreendedores obstinados e um venture capital. Todos com pedigree 100% brasileiro engajados em transformar a forma como a agricultura mundial executa suas análises de solo – insumo indispensável para a adoção da agricultura de precisão.

Entendemos que a participação da Embrapa irá trazer uma enorme vantagem competitiva para a Speclab. O sucesso do negócio reverterá em royalties que poderão garantir autonomia orçamentária e mais investimentos em P&D pela Embrapa. Estamos replicando o modelo de sucesso do Vale do Silício aqui em prol do nosso agronegócio.

O Marco Legal irá colocar ainda mais fertilizantes neste tipo de parceria na medida em que permitirá às ICTs públicas, às agências de fomento, às empresas públicas e às sociedades de economia mista ter uma participação minoritária no capital social de empresas privadas. Uma excelente notícia para um país que tem urgência em investir na produção de conhecimento e no empreendedorismo inovador como forma de estimular e fortalecer sua economia.

A Embrapa é um exemplo a ser seguido e já vem realizando diversas iniciativas focadas na aproximação com a iniciativa privada, como o Camp de Ecoinovação Agrotech, que premiou soluções capazes de minimizar o impacto ambiental na cadeia de grãos; o Ideas for Milk, desafio de startups voltado ao desenvolvimento de soluções digitais para cadeia do leite; e a criação de um modelo de parceria que permitirá aos fundos de investimentos aportar capital em empresas que utilizem as tecnologias da estatal, sendo a primeira delas já fechada com a Cedro Capital para apoiar startups com até R$ 5 milhões cada nas áreas de agricultura de precisão, automação, drones e biorreatores.

Como bem pontua Daniel Trento, gerente de inovação da Embrapa, com quem tive a oportunidade de conversar sobre esta “nova Embrapa”, “a identificação e associação com parceiros com potencial tecnológico irá ajudar as startups do agronegócio a vencerem o chamado ‘vale da morte’. Ao adotar nossa tecnologia, uma startup reduz muito o ‘time to market’ e nos ajuda a efetivamente transformar pesquisa em negócio. Com a aliança com a Embrapa, uma startup aumenta muito suas chances de atrair capital. Seremos uma ponte para inovação”.

Já estava mais do que na hora do Brasil dar maior flexibilidade e motivar a integração entre as ICTs e empresas. Não é racional que fique cada uma em um lado da fronteira. Pesquisadores precisam criar valor com suas invenções e empreendedores só poderão se tornar competitivos se tiverem acesso à tecnologia de ponta em conjunto com injeções de venture capital. Somente assim conseguiremos incubar unicórnios e, quem sabe um dia, ver nascer nossas ‘Genentechs’ do agro.

*Francisco Jardim é sócio da gestora de investimentos SP Ventures, referência na condução de investimentos em Venture Capital no Brasil.

 

Cadastre-se e receba nossa newsletter
Continue Reading