Por Natália Cherubin
O cenário otimista esperado para a safra 2020/21 virou de ponta cabeça diante de duas crises que se somaram ao longo do primeiro trimestre de 2020 – guerra do preço do petróleo entre Rússia e Arábia Saudita e a pandemia do Coronavírus. A reação dos mercados tem sido tão intensa que tem refletido em uma piora nas projeções de crescimento e recuperação do setor sucroenergético, em especial ante ao etanol.
De acordo com última análise realizada por Haroldo José Torres, economista e gestor de Projetos do Pecege, no caso do COVID-19, as restrições e o isolamento social derrubaram a demanda pelo petróleo, levando à maior desvalorização da sua história, mesmo com um grande corte de produção pela OPEP+.
Apesar do setor sucroenergético ter o poder de fazer a mudança de mix de produção para mais açúcar, reduzindo a oferta de etanol, a crise econômica e a queda na renda da população poderão impactar também na demanda pelo adoçante.
Conforme se estende o período de isolamento por conta do coronavírus sem a previsão de volta a normalidade, ficam cada vez mais imprecisas as projeções para 2020. Mas o pesquisador pintou um cenário com todos os fatores que atingem o setor sucroenergético brasileiro.
Câmbio: insumos, diesel e ATR
Um dos fatores é o overshooting do câmbio no curto prazo. A taxa de câmbio vinha se elevando desde agosto de 2019, o que propiciou um novo equilíbrio com baixas taxas de juros e câmbio desvalorizado, um fator que seria positivo para o segmento canavieiro.
No entanto, a partir de janeiro de 2020, o câmbio passou a responder à piora do cenário mundial, ou seja, ao elevado nível de incerteza na economia global, com redução do apetite por risco, desaceleração chinesa, dispersão do Coronavírus e crise do petróleo.
“A expectativa é de que o câmbio se reduza à medida em que pandemia perca força no mundo e a demanda se recupere, ainda que uma recessão global histórica é considerada como dada em 2020”, afirmou o gestor de Projetos do Pecege.
O câmbio pode afetar o custo-caixa agrícola das usinas sucroenergéticas através de três grandes vetores:
1) Preço dos insumos agrícolas (fertilizantes, corretivos e defensivos);
2) Preço do diesel;
3) Preço do ATR, conforme apurado pelo Consecana, afetado diretamente pelos preços do açúcar para o mercado externo e, indiretamente, pelo preço do etanol carburante – dada a política de precificação da Gasolina adotada pela Petrobrás.
“Em condições ceteris paribus, um choque de 10% na taxa de câmbio refletiria em 2,05% no custo-caixa agrícola das usinas: 0,77% corresponderia à atuação do preço Consecana (arrendamento, cana de fornecedores e custo de oportunidade da muda); 0,42% do diesel e 0,82% no custo dos insumos”, afirmou Torres.
Petróleo: efeito negativo no etanol
O preço do Petróleo Brent (US$/barril) apresentou uma queda de 61% desde o início de 2020 em função da redução na demanda acentuada pelo isolamento exigido para conter a pandemia do Coronavírus e o guerra de preços ocasionada pela Arábia Saudita e a Rússia.
Apesar do posterior acordo no âmbito da OPEP+, o corte não se mostrou suficiente. O preço do contrato de maio chegou a ficar negativo em 20 de abril, o menor nível de preço de importação do petróleo (PPI) dos últimos quatro anos.
Segundo Torres, o preço da gasolina nos postos de combustíveis também tem recuado, ainda que em menor intensidade do que a redução concedida pela Petrobrás nas refinarias. Adicionalmente, ainda há uma defasagem entre os preços externos e internos na ordem de 20%.
“Essa redução tem um efeito negativo sobre os preços do etanol no mercado doméstico. Os preços mais baixos da gasolina levarão a um aumento de seu consumo em detrimento do etanol”, afirmou o pesquisador do Pecege.
Estima-se uma redução da produção de etanol para 25 bilhões de litros, uma redução de 25% do biocombustível em relação à safra 2019/20, quando o setor produziu quase 33,3 bilhões de l.
Historicamente, no mercado doméstico, o consumo de combustíveis para o ciclo Otto tende a acompanhar o crescimento econômico. O arrefecimento da economia brasileira esperado para 2020 implicará numa uma redução na demanda do Ciclo Otto.
“Diferentemente de 2019, quando a participação do etanol nas vendas de combustíveis do ciclo Otto foi recorde, alcançando 45,5% na média nacional, espera-se que o etanol caia para 37%”, destacou Torres.
Com o cenário até então desenhado para os combustíveis, espera-se que o patamar médio do preço do etanol recebido pelas usinas seja inferior ao observado na safra 2019/20.
No segundo semestre, de acordo com ele, a sazonalidade dos preços do etanol deve ser reforçada por alguma recuperação do preço do petróleo e da gasolina diante do aperto do lado da oferta de petróleo e da recuperação da demanda por commodities energéticas com o controle da pandemia. “Não obstante, tem-se observado uma demanda aquecida de etanol para outros fins (produção de bebidas, produtos farmacêuticos, etc).”
Além disso, ele destaca que os projetos de etanol de milho permanecerão em stand-by pela conjunção dos fatores que inviabilizam a sua produção como a redução do preço do petróleo e o aumento do preço do milho.
Açúcar: menor demanda mundial
Em 2019, os preços do açúcar no mercado internacional começaram a se recuperar em função de dois vetores: o Brasil direcionou a maior parte do ATR para a produção de etanol em detrimento do açúcar; Índia e Tailândia, outros grandes produtores/exportadores, apresentaram uma redução na produção, em função de adversidades climáticas.
Segundo o gestor de Projetos do Pecege, estes dois vetores apontavam para um déficit mais acentuado no mercado global de açúcar, o que vinha pressionando positivamente a cotação da commodity até a eclosão da COVID-19.
O açúcar desfrutou de uma recuperação de preços até meados de fevereiro, com o déficit global dando suporte às cotações. Somando-se a recuperação do preço internacional da commodity com a desvalorização cambial, algumas usinas aproveitaram essa janela para fixar os preços do açúcar para a safra 2020/21 e, em alguns casos, até mesmo para a safra 2021/22.
“A conjunção destes fatores proporcionou, por exemplo, no final de fevereiro, um preço FOB do açúcar acima R$ 1.500 por t, valor que assegura boas margens econômicas para o adoçante frente às safras anteriores”, afirma.
Após a disseminação do COVID-19, o preço do açúcar sofreu uma forte baixa em NY em março de 2020. Essa queda dos preços são derivados de: i) impactos do Coronavírus nos fluxos comerciais; ii) expectativa de redução do consumo de açúcar, dada as restrições de movimentação das pessoas que implicará em redução da alimentação fora do domicílio; e iii) baixos níveis de preço do petróleo, levando à mudança de mix de produção das usinas brasileiras.
“O Brasil produzirá mais açúcar justamente num momento em que se estima que menos açúcar será consumido no mundo em consequência da desaceleração econômica global trazida pelo Coronavírus”, afirmou Torres.
Ademais, ainda há dois riscos potenciais em relação ao escoamento do açúcar para exportação: o restrições de embarques por conta de medidas para evitar a disseminação do Coronavírus; e o excesso de fluxo para exportação de açúcar, combinado com o escoamento de uma safra recorde de grãos, o que pode gerar atraso nos embarques nos portos.
“Ambas as situações podem impactar a velocidade de embarques e, consequentemente, prejudicar o fluxo de caixa das usinas. Além disso, a queda do consumo tenderá a reduzir déficit global de açúcar em 2020/21, o que poderá pressionar negativamente a cotação da commodity para a próxima temporada.”
Preço do ATR derrete mais de 19%
A projeção para o preço do ATR, realizada em janeiro de 2020 apontava para um valor de R$ 0,7196/Kg de ATR, refletindo boas perspectivas para o setor sucroenergético brasileiro.
No entanto, a pandemia e o enfraquecimento do mercado do petróleo modificaram substancialmente esse cenário. A nova projeção para o preço do ATR, realizada agora em abril, aponta para um valor de R$ 0,6021/Kg de ATR.
“Em menos de três meses, as expectativas (em termos de projeções) para o preço do ATR derreteram mais de 19,5%. Sob este novo cenário, o fornecedor de cana-de-açúcar terá uma remuneração menor na safra 2020/21 comparativamente à anterior”, afirmou.
Além da queda da remuneração dos fornecedores, tanto destilarias autônomas (e usinas com baixa capacidade de produção de açúcar) quanto fornecedores de cana terão uma geração de caixa menor. Isso, de acordo com o pesquisador, pode vir a comprometer os investimentos no ativo biológico, sob pena de deterioração dos canaviais e redução dos ganhos nas safras seguintes.
RENOVABIO: Como fica diante deste cenário?
Os preços mais baixos do petróleo impactam substancialmente a capacidade das usinas sucroenergéticas de gerar valor. Na sua essência, o RenovaBio proveria o impulso de longo prazo necessário para o etanol e a demanda de energia renovável, caso os preços do petróleo permaneçam em patamares reduzidos.
Neste cenário, de acordo com Torres, o CBIO deveria funcionar como o gradiente indutor de equilíbrio competitivo entre os combustíveis fósseis e renováveis. O valor do CBIO seria o necessário para igualar o custo de produção do biocombustível, sendo o seu valor determinado, dentre outras variáveis, pelo preço do petróleo, pois ele altera a dinâmica de oferta e competitividade no mercado de combustíveis.
O valor do CBIO poderá cair em momentos de etanol mais competitivo (preços elevados do petróleo). Por outro lado, os preços do CBIO deverão apresentar os maiores valores em momentos de preços do petróleo baixo, de forma a garantir a competitividade dos biocombustíveis e estimular a sua produção, mesmo em cenários de preços deprimidos do combustível fóssil, tal como vem
“No entanto, no momento, existem diversos entraves à efetivação do programa como a possibilidade de redefinição de metas, incerteza regulatória e insegurança jurídica gerada. Assim, deve entrar em vigor, efetivamente, a partir de 2021, o que forçará as usinas sucroenergéticas a grandes desafios na safra 2020/21”, salienta o pesquisador.
Recursos para capital de giro
Com o maior direcionamento do ATR para a produção do açúcar, as agroindústrias precisarão de maior volume de recursos para capital de giro, segundo o economista.
Além disso, com a queda no preço do petróleo, reduz-se a margem de lucro com a produção de etanol, o que compromete a geração de caixa das usinas sucroenergéticas.
“Usinas que não conseguiram travar antecipadamente o preço do açúcar para a safra 2020/21, bem como aquelas que não possuem cogeração de energia, enfrentarão dificuldades para honrar compromissos financeiros e manter os níveis de investimento no campo e na indústria”, observa.
O que resta ao setor é aguardar por medidas do governo que poderão vir como a suspensão temporária de PIS e Cofins sobre o etanol hidratado;
a criação de uma linha de financiamento para estocar etanol, o que seguraria a oferta disponível no mercado;
e o aumento da Cide que incide sobre a gasolina A vendida nas refinarias dos atuais R$ 0,10 por litro para R$ 0,50 por litro.
“Muitas usinas poderão não ter caixa para prosseguir suficiente nos próximos meses, de forma a garantir a continuidade das operações da safra”, disse Torres em análise realizada ontem, dia 21.