A praga exige um manejo altamente estratégico, combinando muito bem ações físicas, químicas e biológicas. Novas tecnologias vem sendo grandes ferramentas a favor do seu controle
Secas prolongadas, geadas intensas, incêndios inesperados. Nenhum desses eventos extremos das últimas safras foi capaz de frear o avanço de uma das pragas mais destrutivas da cana-de-açúcar: o Sphenophorus levis. Discreto, resistente e persistente, esse inseto tem se consolidado como a segunda praga mais relevante da cultura, exigindo uma abordagem de controle que vá muito além das práticas convencionais.
Segundo o engenheiro agrônomo e entomologista José Francisco Garcia, da Global Cana, o desafio está na resiliência do inseto adulto, que sobrevive até mesmo ao fogo — e conta com o excesso de palha no solo como aliada para proteger seus ovos e larvas. “A palha cria um microambiente ideal: preserva a umidade e a temperatura, garantindo a viabilidade dos ovos mesmo na seca. Quer queira, quer não, o toco da cana se torna uma caixinha de isopor para manter a temperatura e a umidade adequada. É por isso que o sphenophorus tem um potencial biótico grande”, adiciona.
Diferentemente de pragas como broca e cigarrinha, que permitem certa recuperação na safra seguinte em caso de falha no manejo, o Sphenophorus exige planejamento cirúrgico e ações precisas desde a renovação do canavial. Uma infestação não controlada impacta diretamente na produtividade, na qualidade da matéria-prima e até na longevidade da lavoura — obrigando reformas antecipadas e elevando o custo de produção. “É uma praga que leva um ciclo de cana para voltar ao equilíbrio. Então vai ter um manejo muito mais complexo, porque eu tenho que trabalhar principalmente na reforma do canavial”, destaca Garcia.
Os impactos da praga são especialmente na produtividade e na qualidade, pois a praga é uma porta de entrada para outros microrganismos, como fungos e bactérias, afetando a touceira. “Ela afeta drasticamente o perfilhamento da cana, afetando a produtividade pela abertura que a larva ocasiona, propiciando os fungos, por exemplo, causando ainda um problema na qualidade da matéria-prima”, explica o especialista da Global Cana.

Muito além da produtividade e qualidade, o ataque da praga impacta na longevidade. “Temos um investimento muito alto no plantio, considerando o mínimo de cinco cortes. Então, além da produtividade, da qualidade, o sphenophorus mexe na longevidade do carnaval. Vemos canaviais tendo que ser reformados no primeiro ano de produção devido a altas infestações”, salienta Garcia, que destaca que as falhas nos canaviais são o principal indicativo de que a praga está estabelecida.
Trabalhos da Global Cana mostram que a cada 1% de tocos atacados refletem em 1,6 toneladas por hectare, ou seja, se uma usina tem 5% de tocos atacados, são 8 toneladas de cana por hectare a menos. “Isso é fato, se nós pegarmos aqui a nossa região, de Ribeirão Preto, SP, vemos uma média de 6,5%-7% de tocos atacados. Só que como estamos numa região com solos extremamente férteis, isso pode mascarar, ou seja, eu estou produzindo bem, mas eu não poderia estar produzindo mais?”, indaga, Garcia.
Os 10 mandamentos do manejo do sphenophorus
Um dos primeiros passos para realização do controle adequado da praga tem a ver com o monitoramento da infestação. De acordo com Rodrigo Naime, engenheiro agrônomo de Desenvolvimento de Mercado da Ihara, esse monitoramento é essencial para o sucesso do controle e precisa ser feito com mão de obra especializada.
“Hoje, nós não temos uma ferramenta que nos ajude a fazer esse levantamento. Esse é um fator importante para desenvolvimento de inovação no futuro. Quer dizer, uma forma de detectar a presença da praga sem precisar de tantas pessoas no campo”, diz.
Monitoramento é base de tudo. Para Garcia, antes de tudo é preciso identificar o nível de infestação para decidir sobre uma possível renovação. “O melhor manejo começa na reforma. Após a amostragem, podemos fazer o destruidor mecânico de soqueira, que embora seja uma operação cara, traz já uma redução de até 83% da praga”, afirma Garcia.
Para isso, o produtor precisa usar um trator de alta potência, fazendo a operação a uma velocidade controlada para trabalhar de 0,5 a 0,6 hectare por hora. “O equipamento não mata praga fisicamente. Sua função é tirar a touceira erguê-la e deixar a praga exposta ao sol, que é quem vai fazer a sua desidratação. É a desidratação que vai dar o impactar sobretudo as larvas do sphenophorus. Feita essa operação, lá na frente, após 10 a 15 dias eu entro com uma operação que nós chamamos de barra total, aí eu saio da operação física e já vou para uma operação química, trabalhando um produto principalmente de choque para que eu consiga pegar os insetos adultos. E por que pulei 10 a 15 dias? Porque é o tempo que a pupa vai demorar para virar adulto e caminhar no solo, porque eu preciso ter esse caminhamento para que eles se contaminem. Feito isso, depois de mais 10 a 15 dias, eu entro com preparo de solo”, explica.
Para o controle do sphenophorus, Garcia defende que o plantio direto de outras plantas como soja, amendoim ou outras leguminosas diretamente sobre a cana não seria ideal. “A rotação de culturas é muito importante desde que eu faça o preparo de solo”, adiciona Garcia.
Na fase de plantio, existem moléculas específicas para aplicar no sulco e moléculas que serão aplicadas no plantio, aproveitando operações como a aplicação de herbicidas, quando é possível conjugar ao inseticida, indo para uma terceira “pancada química”, conforme explica Garcia.
“São seis importantes passos até o plantio. Queremos que o setor tenha uma colheita de cana planta com índices abaixo de 2% de toco a atacado. Na cana soca vamos fazer apenas a manutenção química da praga. Se começarmos com altos índices de toco atacado, já não consigo mais reverter, amargando pouca longevidade.”
Na cana soca, para a manutenção química, podem ser usadas duas importantes técnicas que vão ajudar a manter a praga em níveis aceitáveis. Aplicação dos químicos no corte de soqueira ou na aplicação de vinhaça localizada. No entanto, é preciso se atentar ao desenleiramento de palha da linha da cana-de-açúcar.
“O corte de soqueira é um mal necessário. Abro uma condição para patógenos, doenças, então, naturalmente essa operação vai trazer uma redução de 2 a 4 t/ha, mas não podemos deixar de usá-la em virtude disso. Estou trabalhando com uma praga preocupante. Outra opção é fazer a vinhaça localizada conjugada com o inseticidas, que deve ser feito com bastante atenção e com uso de boas tecnologias”, destaca.
Para o controle do sphenophorus Garcia criou 10 mandamentos:
- Amostragem é fundamental;
- Destruidor de soqueira
- Aplicação de químicos com barra total
- Rotação de culturas
- Plantio pós preparo de solo
- Desenleiramento de palha
- Cortador de soqueira ou vinhaça localizada para a manutenção química
- Uso de biológicos no melhor momento – época das águas
- Trabalhar as zonas de manejo para que eu não se leve a praga para outras áreas.
- Lavagem de equipamentos, transbordos, pranchas, evitando pegar mudas de lugares que contenham a praga.
- Pessoas: ter uma equipe treinada de pragas, mas também capacitar os operadores de trator, por exemplo, para que tenham a consciência sobre a praga.
Zeus: tratamento de choque com sistemicidade
Pensando nos dez mandamentos de manejo desta praga, a Ihara desenvolveu o Zeus, uma molécula inovadora que vem sendo estudada desde 2017, composta por dois ingredientes ativos: dinotefurão e lambda-cialotrina. De acordo com Naime, o grande diferencial está na sua forma de ação sistêmica, por ingestão e contato, que elimina a praga de forma eficiente. De ação translaminar e sistêmica, atingindo a planta por completo, o inseticida possui um efeito único de choque e residual, capaz de proporcionar resultados positivos nas lavouras. A sua aplicação é feita diretamente no solo, na região radicular da planta, o que garante alta eficácia e reduz significativamente os danos causados pela praga.
“O Zeus é o produto mais sistêmico hoje do mercado. Há uma grande diferença em relação a outras pragas como o Broca e Cigarinha, que ocorrem principalmente no período úmido, porque o sphenophorus vai estar presente o ano todo. Então, quando eu faço a colheita, o Zeus vai entrar na manutenção das soqueiras depois de ter sido feito toda aquela preparação. A cana soca, cerca de 70% dos nossos canaviais, vai ser colhida entre maio até setembro, que é um período mais seco, com baixa umidade, então, eu preciso de um produto que seja adequado para esse ambiente climático. Ele precisa se translocar bem mesmo tendo baixa humidade, sendo absorvido facilmente pela cana. Essa é uma característica fundamental”, adiciona Naime.
A eficiência de Zeus foi comprovada no campo pelo Instituto Agronômico (IAC), que verificou um aumento de duas toneladas de cana por ha após o controle químico com o produto.
O retorno depende muito da região, do tipo de solo, mas de acordo com Garcia é possível chegar a ter de 8 a 12 t de cana a mais devido ao controle eficiente do sphenophorus. “Mas não podemos depender apenas dos produtos químicos. Posso pegar uma molécula química, aplicar de qualquer jeito e ele não vai me retornar 86% de controle, como é o caso do Zeus. Se eu fiz de qualquer jeito, vai me dar 25%, 28%, 30% de controle, o que quer dizer que o meu ganho de produtividade não vai ocorrer”, afirma Garcia.
Segundo o entomologista, o papel do Zeus, como todas as moléculas voltadas para o sphenophorus é atuar no pior momento, de seca, condição de um solo um pouco mais argiloso, com maior dificuldade de penetração. “Vamos lançar mão dessas moléculas nos piores momentos. Como é que eu vou trazer um biológico para esse momento? Durante a safra é mais difícil.”
O uso de biológicos e químicos serão bem-vindos como extensores de residual. Após a cana ser colhida, a partir dos meses de setembro a outubro, é possível entrar com um pulverizador Uniporte com um pingente direcionado ao pé da cana – com a palha desenleirada – e fazer aplicação de produtos químicos ou biológicos.
“Que biológico podemos trabalhar? Temos recomendação de fungo Bauveria, ou de nematoides entomopatogênicos, desde que aplique na dose correta. No entanto, é preciso destacar que esses biológicos devem ser direcionados a ambientes favoráveis a eles. Isso é um ponto importante que muitas vezes nos deparamos com produtores e usinas fazendo o manejo biológico de forma inadequado. Por exemplo, usando biológico com a minha vinhaça, que tem de 42 a 45°C. Como vou adicionar um fungo, com esporos ou um nematoide, extremamente delicado junto em uma calda nessa temperatura? Vou perder tudo esse material”, detalha Garcia, que adiciona que nas épocas mais úmidas é possível optar pelo biológico juntamente com químicos, desde que na dosagem correta.
“Para o desenvolvimento de novas moléculas, como foi caso do Zeus, fizemos diversos testes de compatibilidade com produtos biológicos para garantir um manejo integrado e garantindo maior sustentabilidade”, conclui Naime.
O sucesso no combate à praga depende de decisões técnicas bem fundamentadas, manejo integrado e o uso inteligente de tecnologias — como o Zeus, aliado a práticas físicas e biológicas. Como alerta José Francisco Garcia, “não se trata apenas de eliminar um inseto, mas de preservar a sustentabilidade e a rentabilidade de um dos setores mais importantes do agronegócio brasileiro”.
Natália Cherubi para RPAnews