Alisson Henrique
O processo de fabricação do etanol começa no campo com a produção de cana-de-açúcar, que representa hoje 70% do custo total do biocombustível. Todas as operações agrícolas são importantes não só pelo custo, mas também pela qualidade de cana, que afeta muito a produção. Ao chegar na usina, a cana será moída para extração do caldo, que é tratado e clarificado. Este caldo é enviado à destilaria, misturado com o melaço e fermentado. Após a fermentação, o fermento é separado em centrífugas, diluído e tratado com ácido para então ser reciclado e enfrentar mais um ciclo deste processo.
Atualmente, a principal via para produção de etanol é o processo microbiológico, também nomeada como fermentação alcoólica ou etanólica. A fermentação é conhecida há milhares de anos e, nos séculos XIX e XX, foi elucidada por cientistas franceses, alemães e britânicos, impulsionando as indústrias de vinho, cerveja e destilados, principalmente. Neste processo, explica Henrique Berbert de Amorim Neto, presidente da Fermentec, os açúcares são convertidos pelas leveduras (fungos unicelulares) em etanol, energia, biomassa celular, gás carbônico e outros produtos. Esses açúcares podem vir de diferentes matérias-primas, mas no Brasil a principal é a cana-de-açúcar e, mais recentemente, o milho.
“No processo brasileiro, a cana-de-açúcar é processada nas plantas industriais via moendas ou difusores e o caldo é direcionado para o tratamento térmico, que visa eliminar contaminantes e remover impurezas. Nas usinas que produzem açúcar, a planta dispõe do melaço, que pode ser diluído em água ou misturado ao caldo de cana para então ser enviado a destilaria. Esse material a ser fermentado é chamado de mosto. Nas plantas que produzem somente etanol, denominadas destilarias, é o próprio caldo que irá compor o mosto a ser fermentado”, explica Amorim Neto.
Na fermentação, além do mosto, leveduras são adicionadas para que o processo de fermentação ocorra. Nesta etapa, após a mistura das leveduras, a solução passa se chamar vinho. “Vale frisar que o processo de fermentação brasileiro é o Melle-Boinot, patenteado pelo francês Firmino Boinot, em 1937. Nesse processo, o vinho fermentado passa por centrífugas, reciclando as leveduras do processo para a próxima fermentação enquanto o vinho delevedurado será direcionado aos aparelhos de destilação para remoção do etanol. No processo de destilação, após a remoção do etanol, temos um subproduto muito importante, a vinhaça, que por ter um alto teor de potássio é um importante fertilizante a ser utilizado no campo”, explica.
O processo brasileiro difere do processo dos Estados Unidos, pois lá não há reciclo de leveduras. Isso confere, segundo especialistas, uma vantagem competitiva, pois não há uma grande quantidade de açúcares desviado para produção de biomassa celular uma vez que as leveduras são recicladas, e também permite que se trabalhe com maiores concentrações de células (8-12% em relação ao volume final dos tanques) nas fermentações, otimizando o tempo do processo fermentativo. Na etapa de reciclo as leveduras, antes de iniciarem um novo ciclo fermentativo, passam pela etapa de tratamento ácido (pH 2.0–2.5 por 1–2 h), cujo intuito principal é promover o controle bacteriano e auxiliar na separação das células das leveduras.
BIOTECNOLOGIA E SOFTWARES DE GESTÃO
Jaime Finguerut conta que tem visto um interesse em inovação por parte das usinas. No entanto, explica que a grande maioria tem poucos recursos para investimentos e por isso, não se nota muita aplicação de novas tecnologias, apenas as mais baratas e mais rápidas |
A Raízen produz anualmente cerca de 2 bilhões de l de etanol de primeira geração, 4,2 milhões de t de açúcar e fechou 2017 com a produção de 12 milhões de l de etanol de segunda geração. A planta de E2G tem potencial para aumentar a produtividade da planta em um percentual de até 50% com a mesma área plantada, além de abrir um novo caminho para química verde utilizando a biomassa do próprio negócio. Segundo Luciano Zamberlan, gerente de Processos Industriais da Raízen, diversas tecnologias têm colaborado para o aumento de eficiência da produção de açúcar, etanol e bioenergia. Entre elas, a que mais se destaca hoje é a biotecnologia, que permite estudar e promover novas oportunidades para melhor e mais eficiente aproveitamento da cana-de-açúcar.
“A Raízen acredita no uso de biotecnologias para otimizar os resultados de produção, bem como para produção de novos produtos. Essa tecnologia inclusive está em fase de teste em quatro unidades da empresa operando na capacidade máxima de produção de etanol. Do ponto de vista operacional, temos o Pentágono Agroindustrial, que especificamente na indústria é responsável pela análise online das principais variáveis de processo, buscando a estabilidade e análise estatística dos indicadores. A inovação se dá principalmente pela integração de todos os sistemas e uma visão online de todos os processos industriais, com informações fornecidas dadas em tempo real, o que gera uma melhora na atuação, possibilitando rapidez e principalmente, antecipação”, explica.
Jaime Finguerut, engenheiro químico e diretor do ITC (Instituto de Tecnologia Canavieira), explica que hoje há tecnologias gerenciais e de fermentação propriamente ditas. Entre as tecnologias gerenciais há softwares de captura online ou offline e tratamento de informações sobre o processo que auxiliam nas tomadas de decisões para prevenir ou corrigir problemas, bem como para otimizar o processo buscando redução de custos. “Entre as tecnologias de fermentação propriamente dita sdestacam-se as leveduras, que fazem mais etanol por unidade de açúcar consumido, por exemplo, reduzindo a síntese de outros subprodutos.”
“A Raízen acredita que atualmente uma das maiores revoluções do setor para a indústria é o uso de biotecnologia para otimização da produção de produtos já existentes como o etanol, bem como para a produção de novos produtos a partir da cana-de-açúcar. Além da utilização de leveduras especiais para produção de etanol 2G, a Raízen tem investido na tecnologia para aumento da produção do combustível de primeira geração. Temos avaliado diversas opções de leveduras otimizadas nos últimos anos e já pilotamos quatro unidades produtoras para validação e consolidação dos ganhos de produtividade.”
Dentre as frentes da indústria 4.0, a Raízen tem apostado nos controles avançados das operações críticas em todo o processo industrial de etanol, açúcar e bioenergia, além de projetos específicos de Big Data para apoiar as operações industriais, e desenvolvimento de robôs autônomos para algumas etapas da cadeia produtiva, tais como chapisco de moenda e limpeza operativa.
TEOR ALCOÓLICO
Outros métodos de aumento de rendimento estão começando a ter aplicação em escala real. Há grande interesse em aumentar o teor alcoólico da fermentação e com isso viabilizar outros usos da vinhaça, que terá um volume menor para ser gerenciado”, conta o engenheiro químico e diretor do ITC, que acrescenta dizendo que hoje uma das tecnologias aplicadas à vinhaça e outros resíduos é a biodigestão com a geração de biogás ou biometano, que tem potencial para aplicação imediata.
O plano decenal de expansão de energia (2013-2023) do Ministério de Minas e Energia, publicado em dezembro de 2014, afirma que o principal ganho na eficiência industrial virá da fermentação, pela disseminação de tecnologias para elevação do teor alcoólico. A tecnologia para se trabalhar com alta eficiência e menor custo existe e está sendo constantemente aperfeiçoada, revela Amorim Neto. Segundo ele, nos últimos dez anos, foi desenvolvido o processo de fermentação para trabalhar com alto teor alcoólico, hoje denominado Altferm. “O Altferm trabalha com até 12% de teor alcoólico com ajustes operacionais e de processos, mas chega até 16% de teor alcoólico, o que requer a aquisição de chillers para controle das temperaturas na fermentação.”
Mas quais, afinal, são vantagens de se trabalhar com alto teor alcoólico? Amorim Neto explica que na indústria se economiza vapor na destilação e se tem uma fermentação com menor contaminação e menor gasto com insumos. “Na lavoura é a redução do volume de vinhaça que vai representar a diminuição do custo em sua distribuição. O uso da vinhaça para fertirrigação da cana-de-açúcar é reconhecidamente uma boa prática agrícola do ponto de vista ambiental e produtivo, pois permite a reciclagem de minerais, economia com fertilizantes à base de potássio, aumento da fertilidade do solo e redução da captação de água para irrigação. ”
Entretanto, ele adiciona que devido ao acúmulo de íons por conta da aplicação contínua deste líquido nas mesmas áreas por diversos anos, assim como dos riscos de lixiviação e contaminação de lençol freático, fizeram com que as legislações atuais restrinjam o uso da vinhaça em solos onde a concentração de K (camada 0-80 cm) é superior a 5% da CTC (Capacidade de Troca de Cátions). “Isso levou à necessidade de distribuir a vinhaça em áreas mais distantes, elevando os custos de transporte e aplicação. A construção de canais que cortam áreas férteis por dentro do canavial, a impermeabilização de reservatórios, o uso de caminhões, a aquisição e o dimensionamento de bombas e de tubulações para atender a vazões elevadas, a manutenção e os prejuízos causados pela corrosão da vinhaça acabaram aumentando os custos das usinas, os quais estão diretamente relacionados com o volume de vinhaça, o raio médio do canavial e as formas utilizadas para armazenamento, transporte e sua aplicação no campo”, salienta.
Por sua vez, o volume de vinhaça produzido pela indústria está diretamente relacionado ao teor alcoólico do vinho. A média nacional de teor alcoólico está ao redor de 8,5%, o que representa em média 12 l de vinhaça por litro de etanol produzido. “Se elevarmos essa concentração de etanol da fermentação para até 16% esses valores podem cair para 5 l de vinhaça por litro de etanol ou até menos. Ou seja, um pequeno aumento no teor alcoólico das fermentações pode gerar uma economia significativa com a vinhaça. Além disso, para as unidades industriais que estão planejando adquirir o concentrador de vinhaça para reduzir para até 2 l de vinhaça por litro de etanol produzido, a elevação do teor alcoólico é complementar a esses equipamentos”, conta.
Com a implantação da tecnologia, por exemplo, se aumenta, segundo a Fermentec, a capacidade instalada do equipamento de concentração deste líquido, reduzindo a quantidade de vapor gasto para a concentração de vinhaça desejada. “Tecnologia o Brasil tem e até exporta, mas é necessária a conscientização da maior parte dos produtores sobre as ferramentas que já existem para aumentar a eficiência e diminuir o custo do etanol. No atual momento, as unidades industriais não estão investindo em tecnologias com payback acima de dois anos, porém, existem hoje tecnologias de redução do custo de produção com payback de quatro a seis meses. É questão de fazer as contas para cada unidade e tomar a decisão certa”, conclui o presidente da Fermentec.
De acordo com Amorim Neto, o investimento em leveduras personalizadas é 24 vezes menor do que o investimento em antiespumante mais dispersante |
Responsável pela área de Processos e Inovação da Atvos, Carlos Calmanovici, afirma que atualmente o foco dos produtores de etanol consiste na otimização do processo nas condições em que a cana se apresenta. “Além disso, tem havido um foco muito grande no acompanhamento de processo microbiológico da fermentação. Com a mecanização do canavial, observa-se impacto mais acentuado e diferenciado de impurezas como inibidores e bactérias na fermentação”, relata.
FALTA DE RECURSOS DIFICULTA
Jaime Finguerut afirma que apesar do visível interesse por parte das usinas em usar novas tecnologias, a grande maioria tem poucos recursos para investimentos e por isso, não tem conseguido aplicar as inovações, apenas as mais baratas e mais rápidas, chamadas gerenciais, que visam a redução de custos. Amorim Neto diz que, aos poucos, a profissionalização e o amadurecimento da gestão do negócio está transformando as usinas e a aceitação de tecnologias inovadoras estão aumentando a cada ano. Segundo ele, 20 usinas/destilarias clientes Fermentec já utilizam leveduras personalizadas.
“Isso demonstra a aceitação da tecnologia, fruto do trabalho realizado nos últimos dez anos. E, com relação ao alto teor alcoólico, temos um cliente no exterior com a tecnologia implementada e mais um com o projeto em andamento. Nos demais clientes, a busca pelo aumento do teor alcoólico é recorrente dentro do nosso escopo de serviço, e tem ganhado importância nesta safra, que se transformou em alcooleira e tem exigido aumento de eficiência e de produtividade para que as unidades industriais aproveitem ao máximo esse momento”, revela.
Nem metade das destilarias do Brasil utilizam leveduras selecionadas para etanol. Essas unidades usam leveduras ou fermento de panificação que, embora produzam etanol, em algumas semanas são substituídas por leveduras contaminantes, das quais 95% trazem problemas para a fermentação, pois floculam ou deixam açúcar sem fermentar ou ainda produzem muita espuma, aumentando assim o custo do etanol produzido por conta da menor eficiência. “O investimento em leveduras selecionadas e personalizadas tem o payback de menos de 1 mês. O investimento em leveduras personalizadas é 24 vezes menor do que o investimento em antiespumante + dispersante, conforme demonstra a Figura 1 – comparativo de custos de insumos. Portanto, no Brasil há muito espaço para o aumento da eficiência e redução de custos”, destaca Amorim Neto.
Fazer etanol é fácil, mas em escala industrial e com alta eficiência é tarefa que poucos conseguem. Se considerarmos um rendimento máximo possível ao redor de 92-93% nas condições industriais, entre os clientes Fermentec – cerca de 50 unidades industriais –, 67% têm eficiência acima de 90% e 30% acima dos 91%. Todas utilizam leveduras selecionadas para etanol e 20 unidades trabalham com leveduras personalizadas. “As inovações podem contribuir para que as eficiências industriais se aproximem dos rendimentos máximos teóricos de 92-93%”, adiciona.
Finguerut opina que o rendimento em etanol da produção brasileira é bom, em vista da boa tecnologia que utilizamos. No entanto, acredita que ainda temos exceções e, portanto, a média do Brasil pode melhorar com a implantação das novas tecnologias disponíveis no mercado.
DESAFIOS A FRENTE
O gerente de Processos Industriais da Raízen chama atenção para a broca da cana, que há muito tempo vem dando dores de cabeça a usinas e produtores, impactando na qualidade da matéria-prima que entra na indústria. “Um dos desafios que o setor enfrenta é a presença de broca na cana, que além de reduzir a pureza e o pH da cana, interfere diretamente no rendimento industrial, aumentando a contaminação por microrganismos e formação de subprodutos como ácidos orgânicos que inibem a fermentação, o que aumenta o consumo de insumos no processo e reduz a eficiência geral da destilaria. A Raízen tem atuado na excelência operacional de todas as etapas do processo, simplificando e agindo no que é mais importante, aplicando treinamentos operacionais e buscando novos acompanhamentos analíticos de questões que podem interferir no processo”, revela.
Para Calmanovici, da Atvos, na parte operacional os desafios podem ser superados através de uma maior seletividade da reação de fermentação. “Além disso, observa-se grande esforço das unidades produtoras de etanol no sentido de buscar uma produção mais sustentável, com o mínimo consumo de energia, água e com custos mais competitivos, otimizando o uso dos ativos industriais”, adiciona.
Segundo especialistas, um fato que tem penalizado muito o setor sucroalcooleiro é a falta de incentivo a medidas públicas. De acordo com eles, este é um fator importante para as usinas poderem, de forma mais assertiva, investir mais em tecnologia. “O desafio maior são as margens muito apertadas na comercialização do etanol. O RenovaBio irá melhorar um pouco esta situação, porém não de imediato, mesmo porque os outros produtos do processamento de cana (como o açúcar) também não estão muito atrativos. Outro desafio é a qualidade da cana, que tem piorado nos últimos anos, aumentando significativamente os custos de processamento”, observa Finguerut. A expectativa é que o conjunto de ações do programa ajude a alavancar a produção de etanol e de biodiesel e, como consequência, contribua para que o Brasil cumpra as metas que assumiu no Acordo de Paris.
“O tamanho do mercado de biocombustíveis estará relacionado à ambição e à velocidade do atingimento das metas de redução de emissão de Carbono. Desta forma, não vejo outra saída para as unidades produtoras de etanol a não ser investirem fortemente em tecnologia para que ganhem duplamente. Primeiro pela própria redução da emissão de carbono na atmosfera. Segundo pelo CBios, que a unidade poderá vender. Quanto menos emitir, mais CBios poderá vender. Um exemplo claro é implantação para se trabalhar com teores alcoólicos mais elevados. O resultado é ter um volume de vinhaça menor por litro de etanol produzido, reduzindo o custo de distribuição desta vinhaça. Como está economizando diesel, está também gerando menos emissão de carbono na atmosfera, tendo mais CBios para vender”, relata Amorim Neto.
Finguerut acrescenta que o RenovaBio irá estabilizar a produção de etanol e com isso permitirá programar investimentos em aumento de produção. “Esta política premiará as usinas mais eficientes, que terão mais incentivos para adoção das novas tecnologias. Os resultados desta política, no entanto, demorarão mais de dois a três anos para serem obtidos”, avalia Finguerut.