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Edição 207

Tecnologia Industrial – Fermentação: desafios ainda precisam ser ultrapassados para que maior eficiência seja alcançada

Publicado

em

Alisson Henrique

Como o processo de fabricação do etanol começa no campo com a produção da cana-de-açúcar, que representa hoje 70% do custo total do biocombustível, todas as operações agrícolas são importantes não só pelo custo em si, mas também pela qualidade da cana que entra na indústria e afeta, e muito, os processos industriais, principalmente a fermentação alcoolica.

A contaminação bacteriana por leveduras contaminantes (ou selvagens) ou floculação (aglomeração) – causada por leveduras, bactérias, condições do processo/mosto ou pela sinergia desses fatores – são os problemas mais recorrentes no processo da fermentação alcoolica, trazendo como consequências o aumento no tempo de fermentação e a produção excessiva de espuma.

De acordo com Mário Lúcio Lopes, diretor Científico da Fermentec, as causas destas contaminações variam, podendo ser por conta da própria matéria-prima (mosto de baixa qualidade seja por aspectos químicos ou microbiológicos), por ineficiência no sistema de assepsia do processo ou ainda por conta do uso de leveduras de panificação no início da safra.

Warriman Feitosa, gerente Industrial da Santa Vitória Açúcar e Álcool, afirma que os problemas mais recorrentes do processo de fermentação são de temperatura e de contaminação, que acontecem por conta de falhas no tratamento da água de resfriamento (torre), assepsia ineficiente e falta de tratamento do caldo.

Os problemas mais recorrentes do processo de fermentação são a temperatura e a contaminação, que acontecem por conta de falhas no tratamento da água de resfriamento, assepsia ineficiente e falta de tratamento do caldo

Luciano Zamberlan, gerente de Processos Industriais da Raízen, chama atenção para um problema que pode ser não muito citado, mas que tem impactado bastante o processo de fermentação: a presença da broca da cana.

“A presença da broca, além de reduzir a pureza e o pH da cana, interfere diretamente no rendimento industrial, aumentando a contaminação por microrganismos e formação de subprodutos como ácidos orgânicos que inibem a fermentação, o que aumenta o consumo de insumos no processo e reduz a eficiência geral da destilaria”, afirma.

A Raízen, segundo ele, tem atuado na excelência operacional de todas as etapas do processo, simplificando e agindo no que é mais importante, aplicando treinamentos operacionais e buscando novos acompanhamentos analíticos de questões que podem interferir no processo.

Hoje, a eficiência da fermentação nas usinas varia e depende da estrutura de cada unidade. Enquanto existem usinas com 84% de eficiência, outras, com melhores controles de processo fermentativo, atingem 92%.

Segundo Henrique Berbert de Amorim Neto, presidente da Fermentec, há uma série de desafios que o setor tem de enfrentar para que este processo atinja eficiência plena como:

– Atingir estabilidade/homogeneidade na constituição da matéria-prima (mosto);

– A instabilidade no processo, em geral decorrentes de paradas inesperadas;

– Um melhor controle da contaminação, em 105 bastonetes/mL;

– A permanência de leveduras com qualidades fermentativas adequadas, ou seja, a busca por leveduras personalizadas que apresentam elevada dominância e persistência no processo fermentativo durante a safra;

– Maior investimento em automação;

– A cultura tradicionalista do setor, que tem resistência à novas tecnologias.

“Isso explica porque 50% das usinas do Brasil ainda usam levedura de panificação, sendo que hoje temos tecnologia e ferramentas de identificação e seleção de leveduras, além de já existir no mercado pelo menos seis leveduras industriais com excelentes características e de fácil acesso às usinas. Para que essas dificuldades possam ser solucionadas é necessário que hajam pesquisas focadas na otimização da fermentação”, adiciona Amorim Neto.

Para Carlos Calmanovici, responsável pela área de Processos e Inovação da Atvos, na parte operacional os desafios podem ser superados através de uma maior seletividade da reação de fermentação. “Além disso, há grande esforço das unidades produtoras de etanol no sentido de buscar uma produção mais sustentável, com o mínimo consumo de energia, água e com custos mais competitivos, otimizando o uso dos ativos industriais”, adiciona.   

TECNOLOGIAS APLICADAS

Segundo Henrique Amorim, além de reduzir até 50% do volume de vinhaça, o alto teor alcoólico tem sinergia com o uso de concentradores

O plano decenal de expansão de energia (2013-2023) do Ministério de Minas e Energia, publicado em dezembro de 2014, afirma que o principal ganho na eficiência industrial virá da fermentação, por meio da disseminação de tecnologias para elevação do teor alcoólico. A tecnologia para se trabalhar com alta eficiência e menor custo já existe e está sendo constantemente aperfeiçoada por empresas que estão correndo atrás de inovação.

A Raízen produz anualmente cerca de 2 bilhões de l de etanol de primeira geração, 4,1 milhões de t de açúcar e fechou 2018 com a produção de 20 milhões de l de etanol de segunda geração. A planta de E2G tem potencial para aumentar a produtividade da planta em um percentual de até 50% com a mesma área plantada de acordo com a expectativa da empresa, que poderá dobrar a produção na safra 2019/20, chegando a 40 milhões de l.

Segundo o gerente de Processos Industriais da Raízen, diversas tecnologias têm colaborado para o aumento de eficiência da produção de açúcar, etanol e bioenergia. Entre elas, a que mais se destaca hoje é a biotecnologia, que permite estudar e promover novas oportunidades para o melhor e mais eficiente aproveitamento da cana-de-açúcar.

“A Raízen acredita no uso de biotecnologias para otimizar os resultados de produção, bem como para produção de novos produtos. Essa tecnologia inclusive está em fase de teste em quatro unidades da empresa operando na capacidade máxima de produção de etanol”, revela.

Na área operacional, a Raízen utiliza o Pentágono Agroindustrial, que na indústria é responsável pela análise online das principais variáveis de processo, buscando a estabilidade e análise estatística dos indicadores. “A inovação se dá principalmente pela integração de todos os sistemas e uma visão online de todos os processos industriais, com informações fornecidas dadas em tempo real, o que gera uma melhora na atuação, possibilitando rapidez e principalmente antecipação”, adiciona Zamberlan.

Para a Raízen uma das maiores revoluções para a indústria tem sido o uso de biotecnologia para otimização dos produtos já existentes como o etanol, bem como para a produção de novos produtos a partir da cana-de-açúcar. Além da utilização de leveduras especiais para produção de etanol 2G, a companhia tem investido na tecnologia para aumento da produção do combustível de primeira geração.

“Temos avaliado diversas opções de leveduras otimizadas nos últimos anos e já pilotamos quatro unidades produtoras para validação e consolidação dos ganhos de produtividade”, destaca.

De acordo com Lopes, o uso de automação para assepsia, controle de espuma e operação do processo (alimentação, monitoramento, centrifugação até a destilação) são as principais tecnologias do mercado para a fermentação. “A Fermentec tem um trabalho recente que avalia o impacto do nível de automação (manual, semiautomático e automático) sobre indicadores industriais e a eficiência do processo fermentativo”, ressalva.

Hoje, muito se fala em leveduras selecionadas e/ou personalizadas. São leveduras que possuem as características do processo industrial em que atuam. Elas são adaptadas ao processo daquela determinada unidade, com elevadas taxas de dominância e persistência na fermentação ao longo da safra e são elencadas por especialistas como o grande diferencial do processo.

“Por se tratar de uma levedura com comportamento conhecido, traz grandes vantagens para as unidades que possuem sua própria levedura. Este é um novo conceito e acreditamos ser o futuro para esta finalidade”, afirma Amorim.

Para o gerente Industrial da Santa Vitória Açúcar e Álcool, a automação é extremamente importante não só para fermentação como para todo o processo.

“Temos um amplo mercado de tecnologia dentro do setor sucroalcooleiro com leveduras de alto rendimento e baixo consumo de insumos, antibióticos e bactericidas com maior rendimento e menor custo. Na parte de controle de processos via insumos químicos, as tecnologias mais modernas usadas para controle dos processos fermentativos são automação, instrumentos bem calibrados e qualificação operacional”, relata.

OTIMIZAÇÃO COM ANÁLISE

Especialistas relatam que uma fermentação bem projetada reduz o uso de insumos (antibióticos e antiespumantes) por litro de etanol produzido e consequentemente reduz o custo de produção. Sendo assim, é muito importante fazer análises dos parâmetros industriais. Eles são a base da gestão de operação industrial e orientam o planejamento estratégico. Porque é através das perdas e das eficiências é que serão tomadas todas as decisões.

“Os parâmetros também determinam o pagamento da cana ao fornecedor, sendo assim, é de fundamental importância. Deve ser justo! Não prejudicar o fornecedor, nem o comprador. Por outro lado, eles direcionam todo o balanço industrial (açúcar entrado em relação aos produtos produzidos: açúcar e etanol), orientam os pontos de atuação no processo, bem como onde deve ser priorizado maior investimento”, ressalta Amorim.

O teor alcoólico de uma fermentação com reciclos celulares pode chegar a 16% e a principal razão para se adotar o uso da tecnologia é a redução do volume de vinhaça, visto que os custos com distribuição são elevados. De acordo com Amorim, além de reduzir até 50% do volume de vinhaça, o uso dessa tecnologia tem sinergia com o uso de concentradores, visto que o aumento do teor alcoólico pode otimizar o investimento no concentrador, reduzindo o tamanho e otimizando o gasto energético dessa última tecnologia.

Além disso, com o teor alcoólico mais elevado tem-se um menor gasto de energia para destilação, sobrando mais para cogeração. O aumento do teor alcoólico é dependente da quantidade de açúcar no mosto, porém, quanto mais elevado o teor alcoólico, maiores os cuidados operacionais que se deve ter, e o investimento em automação é essencial. “Assim como na maioria dos processos industriais, é essencial que sejam respeitados os cronogramas e sequências exatas, para que no final,a produção consiga atingir níveis de eficiência acima da média”, acrescenta Amorim.

Para especialistas, o primeiro passo é fazer a medição de maneira adequada. Essa é base da gestão de qualquer usina para saber onde atuar. “A medição contempla uma sistemática de amostragem do processo adequada, conservação das amostras, qualidade analítica e uso de equipamentos de medição em linha”, explica Amorim, que acrescenta que deve-se contemplar um bom projeto (com visão de engenharia e processo) seja para plantas novas ou para adequação de uma planta já existente, de forma a considerar os pontos mortos e os conceitos físicos/estruturais mais adequados. Posteriormente, os cuidados devem ser concentrados em toda a parte de automação, finalizando com o estudo na formulação do mosto a ser utilizado, bem como a escolha de leveduras adequadas para o processo.

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