Os dias em que os agrônomos andavam quilômetros e quilômetros percorrendo linhas de canaviais para identificar ervas daninhas a olho ficaram para trás na Tereos. Nos 300 mil hectares de lavoura que a companhia francesa opera no Brasil – próprias e em parceria com terceiros -, a identificação de plantas que concorrem com a cana pelos recursos do solo agora é feita por inteligência artificial, a partir de imagens de satélite.
O uso dessa e de outras tecnologias tornou-se viável com a adoção do sistema de computação em nuvem (cloud) da Amazon, o Amazon Web Services (AWS), que está sendo implementado em várias frentes de operação da companhia e pelo qual trafegam atualmente 70 terabytes (TB) de dados.
A Tereos começou a utilizar o serviço da Amazon em 2017, quando decidiu ingressar na era das transformações digitais sem precisar recorrer a servidores grandes e custosos, e sim à nuvem. Mas foi só neste ano que a companhia passou a empregar o sistema de cloud para todos os dados gerados na área agrícola.
“A decisão de começar o processo com os dados em nuvem veio da necessidade de dar escala, de poder crescer rápido, e de flexibilidade, caso quiséssemos decrescer por algum ajuste. Foram os dois grandes drivers para escolher a nuvem no nosso processo de transformação digital e uso de dados”, diz Carlos Simões, diretor de TI, Supply Chain e Negócios Agrícolas da Tereos.
A transformação digital avança hoje em quatro áreas na estrutura da empresa no Brasil: cadeia de suprimento, produção agrícola, operação industrial e decisões comerciais. Para tal, a companhia montou uma equipe própria de profissionais de ciência de dados que analisa a infindável quantidade de dados que chegam das operações.
A primeira frente de inovação se deu na cadeia de suprimentos, com o levantamento e análise de dados para realizar o planejamento de vendas e de operações. “Analisamos inúmeras variáveis comerciais, logísticas e industriais para tomar a melhor decisão, como o que produzir, quando e em que mercado”, afirma Simões. Ele diz que a utilização de dados para esse tipo de decisão se mostrou crucial, já que setor tem alta flexibilidade para decidir entre produzir etanol ou açúcar – ou, ainda, vender no mercado interno ou exportar.
A área agrícola foi o segundo alvo. Foi onde foi desenvolvido, por exemplo, o algoritmo que aprendeu a identificar ervas daninhas. Para isso, o programa leu cerca de 30 mil imagens de uma área de 100 hectares, nas quais foram identificadas diferenças nas linhas de cana, no posicionamento e na cor das plantas que indicam a presença das “invasoras”.
A partir de 70 estações meteorológicas próprias e dados de institutos que atuam na área, a empresa também desenvolveu um sistema de estimativa de safra bem mais apurado, afirma Simões. “Esta safra testou todos os modelos, mas tivemos uma visão dos impactos da seca no canavial muito antes do que a maioria das empresas que trabalham com estimativa. Vimos mais cedo que seria um ano difícil”.
Nesta etapa, ainda há um importante obstáculo a ser superado. Embora a Tereos já tenha potencial de captar dados em tempo real de todos os seus equipamentos em campo, ela ainda enfrenta a falta de conectividade nas áreas rurais. “O maior gargalo para o uso massivo da tecnologia de dados na agricultura, é a dificuldade de sinal de telefonia. E não é de 5G, mas de 3G, que já seria suficiente para a gente fazer o que precisa”, observa Simões.
Para driblar o problema de imediato, os 2,5 mil tablets que estão na mão dos funcionários fazem o upload das informações na nuvem assim que conseguem uma conexão. Mas a empresa vem conversando com operadoras e provedores de tecnologia para mensurar a viabilidade econômica de instalar uma rede própria de internet. Já foram contatadas desde multinacionais, como a americana SpaceX, de Elon Musk, até a startups locais que oferecem sinal com o uso de balões.
Atualmente, a Tereos possui sensores da Solinftec em seus equipamentos agrícolas que rastreiam e transmitem informações de eficiência operacional a uma central de controle. Desde o ano passado, passaram a ser informados digitalmente todos os processos agrícolas, como a aplicação de fertilizante ou a realização de plantio, o que permitiu digitalizar também os processos de pagamento a prestadores de serviço.
Para Simões, a entrada do componente de análise de dados nas diferentes frentes de trabalho da companhia não deve substituir por completo o trabalho realizado, por exemplo, pelos agrônomos que antes percorriam os canaviais em busca das ervas daninhas. “O desafio é fazer a conexão entre o conhecimento acadêmico, empírico, e o que os dados nos dizem”.