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“Agricultores que estão alegres hoje vão chorar amanhã”, afirma senadora
A ex-ministra da Agricultura e uma das líderes da bancada ruralista no Senado, Katia Abreu (PDT-TO) afirmou, em entrevista concedida ao jornal O Estado de S.Paulo, que a política do presidente Jair Bolsonaro para o meio ambiente pode fechar o acesso de produtos brasileiros no exterior e causar prejuízos ao agronegócio.
Ex-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e ex-ministra da Agricultura, a senadora, que era símbolo da retórica antiambiental, afirmou que evoluiu.
LEIA A ENTREVISTA:
Estadão: Na semana passada, seu discurso no Senado surpreendeu a internet por ser pró-meio ambiente. A senhora mudou?
Eu tinha um discurso radical, para o lado dos meus. Tenho muito orgulho de ter evoluído. Meu pensamento estava dentro de uma caixinha: ‘isso é ambientalista que quer destruir a agricultura brasileira, que já destruiu suas matas’.
Aquela coisa decorada. E não tem nada a ver. Abri meus olhos e aprendi o quanto a Amazônia era importante para garantir as chuvas no sul e centro do Brasil. Aprendi sobre a importância das Áreas de Preservação Permanente (APPs), que são vitais para manter as nascentes dos rios.
Como é que você vai cobrar de uma Europa, que é milenar, que passou por duas guerras, fome e tudo mais e dizer que destruíram o meio ambiente? É um pouco forte demais. Isso é passado. Esse povo alimentou inclusive o Brasil.
Até a década de 1970, nós éramos grandes importadores de comida, e comida cara. Comprávamos leite, arroz, carne. O Brasil só produzia café, que até a década de 1970, sustentava nossa balança comercial.
Quando veio a crise do petróleo, ela foi monstruosa, o café envergou, não deu conta. E o governo militar, na época, resolveu ter uma atitude política muito centrada e inteligente: vamos produzir comida.
Criou a Embrapa, mandou dois mil pesquisadores para as universidades dos Estados Unidos e colocou o Banco do Brasil para financiar. Nunca imaginávamos ser um gigante nas exportações.
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O discurso do governo pode prejudicar o agronegócioe os agricultores?
Bolsonaro está se comportando como antimercado. Hoje, as empresas mais valorizadas na bolsa têm um componente fortíssimo tecnológico e de sustentabilidade. Todo mundo já incorporou isso como necessidade, e não como uma coisa de politicamente correto.
Quem é que não está vendo, mais do que nós, agricultores, que as chuvas mudaram, a temperatura mudou, rios que não secavam antes, que eram perenes, e hoje secam? Quem nega isso está fora da realidade.
O presidente precisa entender que meio ambiente e agronegócio não são uma questão gastrointestinal. Agora, dizer que não há exageros, principalmente de alguns membros do Ministério Público Federal ligados à área ambiental? Tem sim, preconceitos, ideologias.
ONGs mal intencionadas que fazem do assunto um negócio, uma corporação, são empresas, com milhares de empregos, não são anjos da natureza. Mas dizer que todas as ONGs são empresas e corporações? Não, tem muita gente fazendo trabalho sério. Não dá para dizer que todos os produtores são iguais, todas as ONGs são iguais, todos os parlamentares são iguais.
Os produtores estão enganados. Os produtores estão alegres hoje e poderão chorar amanhã.
Por que o agronegócio apoia esse discurso?
Os produtores estão enganados. Os produtores estão alegres hoje e poderão chorar amanhã. Temos o agro que produz na roça, que apoia o Bolsonaro. Mas o agro tem outras cadeias: a produção de insumos (adubos, fertilizantes e agroquímicos), o processamento (frigoríficos, esmagadores de soja) e industrialização e os transportadores.
Esses três últimos estão desesperados, porque quem vai bater na porta com a cara e a coragem para vender são eles. Isso tudo é agronegócio também. Bolsonaro está transferindo toda a sua visão reacionária para o agro.
Não está preocupado com o agro, mas com os eleitores do agro. Se ele estivesse preocupado com o agro, ele diria: ‘meus amigos, vamos ter cautela’. Isso seria a postura de um presidente da República que se preocupa com o setor, com a economia.
Essa retórica pode fechar mercados aos produtos brasileiros?
Eu tenho muito medo de que percamos mercado. Estamos no auge de um acordo delicado, que é União Europeia e Mercosul.
Os agricultores na Europa são fortíssimos e altamente subsidiados, não conseguem competir conosco. Então, qualquer coisa vai ser desculpa para atrasar a implementação desse acordo por três, quatro, cinco anos.
É do que precisam para arrumarem barreiras técnicas aos nossos produtos. Imaginem os comerciais que essas associações poderosas da Europa, podem fazer contra nós lá, na TV e internet? E farão: ‘o Brasil aumenta o desmatamento e acaba com a Amazônia’.
Qual é o papel do Congresso nesse contexto?
Quando uma fazenda pega fogo, em vez de tentar apagar o fogo, ele te queima, você vai lá na frente, faz um aceiro (raspagem do chão com trator) para o fogo parar ali. Aí você pega e rapidamente controla o fogo, queima aquele pedaço e acabou.
Então, nós precisamos fazer o contra-fogo. Temos a legislação mais rigorosa do mundo, muito boa para seus objetivos. No Senado, garanto que não há ambiente para flexibilizá-la, para cometer loucuras contra o País. Nessa hora, o que vai valer para os senadores são os interesses nacionais.
O Senado sabe que o agro está na pauta nacional e internacional. A oposição mesmo está ajudando a governar o País. Em algum outro governo aprovou-se R$ 242 bilhões em crédito suplementar com 450 votos no Congresso? Eu fui uma das que defendi, e sou oposição. Era necessário, era fazer ou morrer. Não quero ser oposição empresa de demolição, mas oposição crítica.
O que a sra achou da reação à decisão da Alemanha a respeito do corte de recursos ao Brasil?
Poderíamos dizer: nós sabemos cuidar da Amazônia. Precisamos da ajuda e apoio de todos os países do mundo, porque nos custa caro manter a Amazônia. Toda a ajuda é bem-vinda, mas a direção dos trabalhos é nossa.
De certa forma essa cooperação da Noruega e da Alemanha não deixa de ser uma compensação. Agora, dão US$ 1 bilhão e não vão exigir nada? O ministro de Meio Ambiente, por seu conhecimento, de trazer moderação ao debate.
Entrevista concedida ao jornal O Estado de S.Paulo
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