O ex-presidente da Odebrecht e agora delator, Marcelo Odebrecht, em depoimento ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) afirma ter sido ‘usado’ pelo setor de etanol para ‘alinhar’ o Ministério da Fazenda e a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).
Em meio a doações oficiais, formação de Caixa 2 e pagamentos de propinas, o presidente afastado da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, acabou criando uma relação de contrapartidas com o governo federal. Entre os tópicos de sua “agenda ampla”, um termo citado em seu depoimento ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), estão demandas do setor de etanol, envolvendo inclusive a Unica em seu depoimento.
Preso desde 2015 no âmbito das investigações da Operação Lava Jato, o executivo afirmou que era frequentemente contatado por várias grandes empresas com atuação no exterior, que sabiam de sua relação com o até então ministro da fazenda Guido Mantega.
“O setor do etanol também me usava para a relação com Guido. Eu conversava com o Guido e ele colocava os técnicos da Fazenda em alinhamento com a Unica”, confessou ao TSE, referindo-se à União da Indústria de Cana-de-Açúcar, entidade com mais de 120 companhias associadas.
Essa ‘relação’ com o Ministro da Fazenda e, também, com a então presidente Dilma Rousseff fez com que o corregedor-geral eleitoral Herman Benjamin questionasse o papel de Odebrecht como “uma espécie de embaixador do meio empresarial”: “O senhor não se achava meio dono do governo, do poder?”.
Para se defender da provocação, o executivo reagiu alegando que se sentia usado pelo governo, chegando a se referir a si mesmo como “pedinte”, “mendigo” e “otário”. Como exemplo, ele cita os investimentos da Odebrecht em usinas de etanol. “A pedido do governo Lula, nós fazemos um investimento de bilhões no setor de etanol. Aí o governo vai e tira a Cide. Eu passo horas e horas de minha agenda, pedindo, implorando para esse assunto voltar”, afirma.
De acordo com o depoimento, a Odebrecht teria investido R$ 10 bilhões no setor de etanol porque o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria ‘convencido’ Emílio Odebrecht, pai de Marcelo. Com a retirada da cobrança da Cide, em 2013, o executivo alega que a empresa teria sido ‘destruída’ pelo governo. “Eu passo horas e horas de reunião com Guido e falo: ‘Pô, Guido, vocês têm que voltar com a Cide’. Aí, ele vai e diz o seguinte: ‘Ah, mas se voltar tem inflação’”, complementa o executivo.
"A gente investiu 10 bilhões de reais no setor de etanol. (…) Aí o governo vai e tira a Cide!? Destruiu a gente! (…) Aí, eu contrato estudos da FGV, junto com a Unica. Quer dizer, na verdade, é só pegar minha agenda, minha agenda é de pedinte! Eu, no fundo, não era o dono do governo, eu era o otário do governo"
Além das reuniões com o ministro, Odebrecht também menciona a contratação de um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em conjunto com a Unica. Em setembro de 2013, a entidade representante do setor sucroalcooleiro realmente acabou apresentando um estudo produzido pela FGV em que defendia a retomada de uma tributação diferenciada entre etanol e gasolina. Entre os argumentos adotados estavam ganhos de ordem econômica, social, ambiental e de saúde pública. “O estudo da FGV mostra que uma tributação adicional sobre a gasolina pode reduzir a inflação, desde que os recursos arrecadados sejam utilizados para subsidiar as tarifas de transporte público”, resumia a Unica em nota da época.
Em dezembro de 2013, Guido Mantega chegou a declarar que a cobrança do imposto sobre a gasolina retornaria em 2014, quando a gasolina estivesse em um “patamar mais confortável”. A Cide, no entanto, voltou a ser cobrada apenas em janeiro de 2015.
Procurada pelo novaCana, a Unica alegou que “faz um trabalho legítimo de defesa dos interesses do setor sucroenergético em diversos níveis do governo”. A entidade confirmou que contratou o estudo da FGV com o objetivo de avaliar os impactos da Cide sobre a inflação. “Esse levantamento seria apresentado posteriormente a técnicos do Ministério da Fazenda. O estudo foi pago pela entidade”, completou a Unica.
Já a FGV disse desconhecer o teor do depoimento de Marcelo Odebrecht, apesar do novaCana ter enviado as informações do TSE para a fundação.
Usinas sucroenergéticas
Um dos pontos que Marcelo Odebrecht tem dificuldades em esclarecer durante seu depoimento é o nome das empresas do grupo que estariam envolvidas no financiamento de campanhas eleitorais, seja para Caixa 1 ou Caixa 2. Ele, contudo, explica que era determinado um ‘limite global’ que, depois, seria dividido entre as diversas empresas.
“O problema é o seguinte: cada usina de etanol é uma empresa. Aí, você distribui. Porque você vai usando os limites que cada um tem”, afirma. Odebrecht ainda explica que muitas empresas não podem ser oficialmente doadoras para campanhas por serem concessionárias, de modo que outras companhias precisam ser utilizadas. “Como era criminalizado, a gente evitava de algumas empresas aparecerem doando”, completa.
O depoimento, entretanto, não detalha quantas e quais empresas ligadas à Odebrecht Agro participaram do esquema de financiamento eleitoral e em quais campanhas. Nas eleições presidenciais de 2014, Brenco, Destilaria Alcídia, Agroenergia Santa Luzia, Usina Conquista do Pontal e Usina Eldorado, todas da Odebrecht Agroindustrial, fizeram doações oficiais para as campanhas de diversos candidatos, somando R$ 4,5 milhões. Desse total, o PT recebeu R$ 2,7 milhões e o PSB recebeu R$ 500 mil.
O depoimento de Marcelo Odebrecht ao TSE está em:
(NovaCana e Site da Única)