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[Opinião] A produtividade estagnada da cana não é apenas um problema técnico: é um risco à sustentabilidade do negócio

Para produtores de cana safra 2020/21 foi melhor do que o esperado
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Por José Cristóvão Momesso

A cana-de-açúcar ocupa um papel central na matriz energética e agroindustrial brasileira. Porém, mesmo com todo seu protagonismo, o setor sucroenergético convive com um problema crônico e silencioso: a estagnação da produtividade. Esse não é apenas um desafio técnico ou agronômico — é um sinal de alerta sobre a viabilidade econômica, ambiental e reputacional de toda a cadeia produtiva.

Produtividade abaixo do potencial: o retrato do setor

A produtividade média da cana no Brasil oscila entre 65 e 75 toneladas por hectare, segundo dados da Conab e do IBGE. No entanto, em áreas bem manejadas, o potencial técnico pode superar 100 t/ha, considerando uma média de cinco safras ou mais.

Para entender o tamanho do problema, basta comparar o desempenho da cana com outras grandes commodities agrícolas nas últimas duas décadas:

  • Cana-de-açúcar: crescimento médio de 0,6% ao ano
  • Soja: crescimento médio de 2,8% ao ano
  • Milho: crescimento médio de 4,0% ao ano

Enquanto soja e milho caminham com evolução sustentada, a cana patina. As causas são múltiplas e conhecidas:

  • Baixa renovação de áreas improdutivas
  • Compactação do solo
  • Falhas no plantio mecanizado
  • Ação crescente de pragas e doenças como Sphenophorus, broca, cigarrinha, ferrugens, raquitismo e a temida Síndrome da Murcha
  • Déficit hídrico sem gestão das causas estruturais
  • Baixa adoção de tecnologias modernas por hectare cultivado
  • As ameaças à sustentabilidade: mais do que produtividade

1. Econômica
A queda de produtividade implica diretamente no aumento do custo por tonelada e na redução das margens operacionais. Com menor ATR por hectare, o mix de produção entre açúcar e etanol se torna desequilibrado, forçando decisões comerciais difíceis. Além disso, canaviais antigos e sem renovação têm eficiência reduzida e demandam custos mais altos de manejo.

2. Ambiental
Produzir menos por hectare leva à necessidade de expandir áreas agrícolas, o que pressiona ecossistemas naturais e incentiva o avanço sobre novas fronteiras agrícolas, potencializando o desmatamento. Soma-se a isso o aumento do consumo de insumos por tonelada (fertilizantes, defensivos, diesel), comprometendo os avanços ambientais do setor.

3. Social e reputacional
Empresas que operam abaixo do benchmarking de produtividade enfrentam maior dificuldade para acessar crédito verde, atrair fundos ESG e fechar contratos de longo prazo. Isso afeta diretamente sua imagem institucional perante investidores, compradores e consumidores, num mercado cada vez mais exigente em eficiência e sustentabilidade.

Caminhos para a virada: produtividade com sustentabilidade

A boa notícia é que o setor não precisa inventar soluções — elas já existem e estão disponíveis. O desafio é adotar com coragem e disciplina práticas consolidadas de gestão agrícola de alta performance. Veja os principais caminhos:

1. Renovação estratégica de áreas
Reformar áreas abaixo de 60 t/ha, utilizando tecnologias adaptadas ao ambiente de produção, com planejamento de recursos voltado para eliminação de pragas, correção de solo e redução de falhas de plantio.

2. Zoneamento e manejo por ambiente de produção
Otimize o uso de insumos com base em zoneamento agrícola, aplicando estratégias diferenciadas para adubação, escolha de variedades, corretivos, épocas de plantio e colheita.
Ferramentas de agricultura de precisão, como NDVI, mapas de vigor, histórico de produtividade e déficit hídrico, devem ser incorporadas às decisões operacionais.

3. Intensificação do controle biológico e manejo integrado de pragas
O controle biológico, quando bem manejado, reduz perdas invisíveis e prolonga a longevidade dos canaviais, colaborando diretamente para uma agricultura mais limpa e eficiente.

4. Controle de compactação e mecanização eficiente
Implantar práticas como a Agricultura de Tráfego Controlado (CTF) e garantir plantio mecanizado de alta qualidade são medidas cruciais para reverter compactações prejudiciais ao desenvolvimento radicular.

5. Gestão do plantio e colheita com protocolos e janelas ideais
O sucesso produtivo depende de calendarizar o plantio com base em previsões climáticas, integrando rotação de culturas com espécies que protejam o solo e os recursos hídricos, evitando erosões e degradação.

6. Qualificação de lideranças e equipes técnicas
Alcançar alta performance exige decisões técnicas no tempo certo, com autonomia operacional, dados confiáveis e visão estratégica. Times bem formados são essenciais para aplicar e manter protocolos de alta eficiência.

Mais do que limpa, a cana precisa ser eficiente

O setor já fez avanços importantes no campo da sustentabilidade ambiental. O uso crescente de defensivos biológicos, por exemplo, é um avanço inegável. No entanto, eficiência técnica e aumento de produtividade por hectare ainda são desafios urgentes.

“Estamos transformando a cana em uma cultura mais limpa, mas ainda não em uma cultura mais produtiva. O uso de biológicos é um avanço inegável, mas ele não substitui o desafio da eficiência técnica que precisa buscar fazer ‘mais com menos’, por hectare.”

Se o setor quiser atrair capital verde, consolidar competitividade internacional e garantir legitimidade ambiental, é fundamental provar que é sustentável — e também eficiente.

“No agro do futuro, produtividade não é mais só uma meta agrícola: é pré-requisito para viabilidade financeira, reputação de mercado e acesso ao capital.” A cana-de-açúcar precisa virar essa chave — ou corre o risco de ser ultrapassada por outras culturas que já fizeram isso.

 

*José Cristóvão Momesso é engenheiro agrônomo pela Universidade Federal de Lavras (UFLA), mestre em Agronomia pela UNESP e possui MBA em Gestão do Agronegócio pela FEA-USP. Especialista em Administração Agroindustrial (UNAERP), é também Engenheiro de Segurança do Trabalho e Conselheiro certificado pela Board Academy.

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