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Edição 186

Acordos que Trump não deveria cancelar

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O Brasil tem muito a perder se Donald Trump não entender que governo é governo e implodir o Acordo de Paris e outros tratados multilaterais

*João Guilherme Sabino Ometto

 O grande Didi, criador da indefensável Folha Seca e armador da Seleção Brasileira de Futebol no bicampeonato mundial de 1958 e 1962, cunhou frase de rara sabedoria: “Treino é treino, jogo é jogo”. É muito provável que o vencedor da disputa presidencial dos Estados Unidos, Donald Trump, não saiba quem foi o antológico atleta e talvez até desconheça os feitos do Time Canarinho, pois seu universo esportivo não deve ir muito além do Madison Square Garden, casa do New York Nicks, e do MetLife Stadium, em New Jersey, arena do New York Jets e do New York Giants. Porém, é de se esperar que o magnata norte-americano tenha o mesmo senso lógico de nosso jogador, entendendo com clareza que “eleição é eleição, governo é governo”.

É muito importante para o mundo que Trump relegue ao plano meramente retórico das campanhas eleitorais propostas como a expulsão compulsória de imigrantes, construção de muro para conter seu ingresso, endurecimento da política contra estrangeiros e descumprimento dos acordos multilaterais de meio ambiente. Agora, no mês de janeiro, ao iniciar sua trajetória na Casa Branca, é fundamental que o candidato seja substituído pelo estadista. Para nós brasileiros, o discurso xenofóbico choca-se frontalmente contra o pluralismo, espírito tolerante e diversidade étnico-cultural de nosso povo. Ao mesmo tempo, um eventual rompimento com tratados multilaterais voltados a conter o aquecimento global acarretaria graves consequências de caráter ecológico e econômico para o País, sem falar dos ônus para toda a Terra.

Nesse sentido, é crucial que se mantenha o histórico Acordo de Paris, que entrou em vigor dia 4 de novembro do ano passado. Trata-se de um grande avanço no combate aos gases de efeito estufa e às mudanças climáticas. Nesse processo decisivo para a humanidade, o agronegócio brasileiro é protagonista. Consta de nosso compromisso no âmbito do tratado que as fontes renováveis, além da geração hidráulica, deverão aumentar de 28% para 45% até 2030, exigindo que a pauta seja incrementada pelos biocombustíveis e pela energia gerada a partir da biomassa (bagaço e palha de cana, eucalipto e outras fontes), solar e eólica, reduzindo a demanda por térmicas a diesel e carvão. A economia intensiva em carbono dará lugar, aos poucos, à de baixo carbono e instigará o aprimoramento nos modelos produtivos (o candidato Trump disse que reativaria a produção energética do carvão, do xisto e do petróleo).

A transição ao novo modelo requererá transferência tecnológica e linhas de financiamento, para que a indústria de transformação seja cada vez menos intensiva em carbono e mais competitiva. Para isso, é desejável o aporte de recursos financeiros internacionais oriundos do Fundo Verde (Green Climate Fund) e de outras fontes, internas e externas.

O Brasil terá agenda intensa a partir de agora no âmbito do Acordo de Paris. Precisa zerar o desmatamento ilegal, priorizar o uso sustentável da agricultura e da pecuária, restaurar 12 milhões de hectares de florestas e implementar de modo efetivo o Código Florestal, com foco na erradicação da fome. Esses são compromissos que assumimos nas chamadas Metas Nacionais (INDC, na sigla em inglês). Também é importante reformular a Política Nacional de Mudança do Clima, incentivar mudanças tecnológicas, promover a substituição de fontes de energias fósseis por renováveis, fomentar reduções de emissão custo-eficientes e estimular a adoção em larga escala de ações de baixo carbono na agricultura.

Entendemos que o novo acordo climático global apresente oportunidades especiais ao nosso país, principalmente se considerarmos nossa imensa capacidade quanto à produção de energias renováveis, biodiversidade, reservas hídricas e recursos naturais. O Brasil tem muito a perder se Donald Trump não entender que governo é governo e implodir o Acordo de Paris e outros tratados multilaterais. De um candidato, tolera-se a verborragia; de um estadista, não se admite insensatez. Didi não corria nos treinos, mas dificilmente desperdiçava oportunidades nos jogos oficiais.

*João Guilherme Sabino Ometto, é engenheiro, presidente do Conselho de Administração do Grupo São Martinho, vice-presidente da FIESP e Membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).

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