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Açúcar: o Gato subiu o telhado?

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O mercado global de commodities experienciou uma vigorosa mudança de atitude que rapidamente transformou o clima sombrio sob o qual se encontrava para um ambiente radiante e animador, contaminando positivamente todas as soft commodities. E entre elas, naturalmente, o açúcar. A questão principal é a eterna dificuldade que temos de observar no meio da neblina o objeto que se desenha à frente.

A subida de preços do açúcar na semana, com NY encerrando cotado a 16.64 centavos de dólar por libra-peso para o contrato com vencimento em maio/21- mais de 100 pontos de variação positiva – se contrapõe às perspectivas econômicas, principalmente as do Brasil.

O cenário político e econômico do País se agrava com a abertura de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que objetiva mormente investigar a atuação do Governo Federal diante da pandemia da Covid-19.

Até as pedras sabem do negacionismo do presidente ao longo da pandemia além de tripudiar sobre as famílias enlutadas. E, ninguém mais do ele, oferece tanta munição para seus opositores cada vez que abre a boca ou faz aquelas lives de gosto duvidoso afrontando a ciência e os bons costumes.

O mercado trabalha com um crescimento do PIB cada vez menor a cada semana que passa. No Boletim Focus, a previsão do PIB para este ano, em janeiro, era de 3,50%; hoje, está em 3,08%. A MB Associados acredita em um PIB menor: 2,60%.

A parte mais austera do empresariado brasileiro busca avidamente por alternativas para as eleições de 2022, principalmente agora que Lula está livre para concorrer novamente à presidência e transformar o Brasil numa cleptocracia.

Estamos metidos num buraco sem muita esperança de sair. Uma analista sênior observa que Lula só entra para ganhar, ou seja, se não tiver absoluta certeza que leva, deixa a corrida.

Quando todas essas peças são colocadas sobre a mesa, fica difícil ser positivo no açúcar em centavos de dólar por libra-peso. Novas instabilidades que serão provocadas pela CPI a ser instalada a partir da próxima semana e um orçamento fiscal de difícil exequibilidade e aprovação pelo Congresso, vão dar espaço para um maior enfraquecimento da moeda brasileira frente ao dólar. O impacto disso nas commodities (café e açúcar, principalmente) será instantâneo.

O consumo interno de combustíveis e alimentos depende de vacina e a consequente – e tão esperada – retomada da economia. O real desvalorizado coloca um suporte no preço da gasolina importada e, portanto, ajuda o etanol. Mas, ainda faltam outras peças na engrenagem.

O fato é que o mercado futuro do açúcar em NY subiu e seus participantes precisam buscar uma narrativa fundamentalista que justifique tal subida. Pode começar afirmando que mais e mais pessoas acreditam que a safra do Centro-Sul pode despencar para 550 milhões de toneladas de cana em virtude do déficit hídrico do canavial.

Também, que as usinas estão bem fixadas e o mercado não vai encontrar liquidez numa eventual alta, pois quem poderia vender já está vendido. Pode-se adicionar a essa visão explosiva dois elementos que seriam ainda mais catalisadores: a chamada de margem que provocaria uma realimentação da alta (falamos isso aqui há alguns meses) e a recompra dos açúcares fixados devido a uma produção menor do que o esperado.

Do outro lado do globo, temos a Índia que sofre um novo lockdown pelo aumento expressivo de casos de covid-19 na semana (atingiram 200,000 em apenas um dia) ao mesmo tempo em que os registros de exportação se aceleram rapidamente. Ou seja, o açúcar indiano continua se movendo para o mercado internacional.

Além disso, a Tailândia deve produzir 3 milhões de toneladas de açúcar a mais na safra 2021/22. Não parece, no momento, que haja falta de açúcar no sistema.

O CFTC (Commodity Futures Trading Commission), agência independente do governo dos Estados Unidos, que regula os mercados de futuros e opções das commodities, divulgou que os fundos não-indexados compraram na semana (de terça a terça) 22.400 lotes. Ou seja, o mercado subiu fortemente por influência dos algoritmos, compras de sistemas, robôs, entre outros. Nada mudou nos fundamentos na última semana que pudesse validar toda essa movimentação altista.

Na dúvida, é sempre bom fixar preços. Aliás, o número apurado pelo nosso modelo para as fixações da safra 2022/23 foram surpreendentemente baixos. Obviamente, modelos erram, mas se observarmos o crescimento na posição em aberto nos meses de negociação que compreendem a safra citada (de maio/22 até março/23), nossa estimativa parece bem consistente.

Assim, as usinas estão fixadas apenas 12%, que representa pouco mais de 3 milhões de toneladas de açúcar. O preço médio apurado acumulado no período (desde setembro/20, embora essa seja a primeira divulgação) registra 13.34 centavos de dólar por libra-peso, sem considerar o prêmio de polarização.

O valor médio da fixação é de R$ 1,696 por tonelada FOB Santos, equivalentes a R$ 0,7383 por libra-peso, ambas já incluindo o prêmio de polarização. Quem fixou preços e comprou calls (opções de compra) out-of-the-money (fora-do-dinheiro) fez muito bem.

Um renomado executivo do setor, criticando nosso comentário da semana passada, em que dizíamos que a recuperação do mercado mais parecia o ricocheteio do gato morto, argumenta: “o gato não só não está morto, como também subiu no telhado e vai dar uma patada nos vendidos”. Vamos ver até quando esse gato vai miar.

Morreu nesta semana o mega-trambiqueiro Bernard Madoff, o homem que conseguiu enganar instituições financeiras (com gestores de risco, inteligência de mercado, compliance entre outras atividades essenciais) e grupos de investimento de peso provocando um rombo estimado em mais de 65 bilhões de dólares.

A fraude foi descoberta na crise de 2008. Madoff foi condenado a 150 anos de prisão onde acabou falecendo aos 82 anos. Deixou-nos uma grande lição: não acreditar em gurus.

As pessoas faziam fila para investir com ele. O ticket mínimo para comprar uma cota no fundo de Madoff era de 5 milhões de dólares. Como esse pilantra conseguiu enganar tanta gente durante tanto tempo?

Harry Markopolos, um ex-gestor de fundos americano foi quem primeiro alertou que os retornos apregoados por Madoff eram “matematicamente impossíveis”. Nas informações vagas que dava aos cotistas – todos felizes com seus ganhos fictícios – Markopolos concluiu que mesmo que Madoff conseguisse suavizar as grandes oscilações dos índices das bolsas americanas, para obter em 96% das vezes rendimentos de 1-2% todos os meses, ele teria que dispor de múltiplos de bilhões de dólares em opções, volume muito maior do que o próprio mercado poderia oferecer. Estava na cara.

Como sabemos, gurus, mitos, salvadores da pátria, encantadores de serpentes, entre outros oportunistas são personagens com os quais vez por outra nos deparamos em todas as atividades humanas. Muitas vezes, quando finalmente os reconhecemos, já é tarde demais.

 

*Arnaldo Luiz Corrêa é consultor e diretor da Archer Consulting

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