De resíduo a fonte estratégica de energia renovável, o bagaço pode elevar a eficiência das usinas e reduzir desperdícios na matriz energética brasileira.
Por Sergio Ferreira*
Bagaço, resto. Coloquialmente: coisa tornada imprestável, coisa inútil. Assim diz o dicionário.
O bagaço, um resíduo do processo de produção de açúcar e etanol de cana que durante muito tempo foi tratado como “resto”, ou mesmo como um “problema”. A partir do processamento de 1 tonelada de cana, temos a geração de uma quantidade de bagaço que oferece tipicamente 2.000 MJ de energia.
Uma central térmica de cogeração de energia com o bagaço de cana, no ciclo a vapor, atende às demandas de calor e energia mecânica de uma usina canavieira, consumindo na faixa entre 900 e 1300 MJ por tonelada de cana processada, conforme seu mix de produção e perfil tecnológico. Dado as características do bagaço excedente, especialmente a baixa densidade e sua umidade, utilização deste “resto”, fica limitada a existência de eventuais consumidores de energia num raio próximo da unidade. A alternativa mais comum é sua utilização dentro dos limites da usina. No passado, as usinas consumiam praticamente todo o excedente de bagaço, utilizando-o de forma ineficiente, seja no seu processo de queima, seja com o aumento de consumo de energia do processo produtivo.
Com o advento da energia renovável e do etanol de cana, o bagaço deixou de ser resto e passou a ser um resíduo excedente e sustentável. São diversas as possibilidades de uso além de fonte de energia, como por exemplo para as indústrias papeleira, de material de construção, de painéis tipo MDF, plásticos ou mesmo a tradicional ração animal. São diversas as possibilidades para o bagaço deixar de ser um subproduto e passar a ser um coproduto, agregando valor à indústria de cana-de-açúcar.
A opção brasileira foi utilizar o bagaço excedente para comercialização de eletricidade. As usinas novas passaram a ser construídas no conceito de otimizar a geração de eletricidade e reduzir o consumo próprio de energia. Algumas usinas existentes fizeram uma modernização de suas instalações neste mesmo conceito, considerando a comercialização adicional do novo produto: a energia elétrica.
Assim, a utilização do bagaço de cana no Brasil passou a ser feita de maneira preponderante como fonte energética. Em, 2023, o bagaço foi a terceira forma de energia mais consumida no Brasil (12%), atrás da eletricidade (19%) e do óleo diesel (17%). Cabendo notar que 5,1% desta energia elétrica é proveniente do bagaço de cana. O bagaço de cana junto com o etanol de cana são os maiores contribuintes para a energia renovável no Brasil, representando 16,8% da matriz energética brasileira (Fonte: Balanço Energético Nacional – BEN-2024 – Ano Base 2023).
No entanto, a opção de geração de eletricidade com bagaço excedente tem uma limitação por conta do ciclo termodinâmico utilizado, o ciclo a vapor – ou Rankine – no qual a geração pura de eletricidade fica limitada a aproximadamente ¼ da oferta de energia do bagaço. O calor residual neste ciclo é desperdiçado em sistemas de condensação do vapor, com aumento significativo do consumo de água. Desta forma, mesmo as usinas mais modernas, com processos de produção e geração de energia otimizados, oferecem como energia útil (consumo próprio de calor e eletricidade + comercialização de eletricidade excedente) no máximo 60% da energia ofertada por todo o bagaço gerado.
Numa hipótese plausível, considerando as eficiências típicas nos processos de transformação de energia, temos ainda disponível, no mínimo, uns 500 MJ/t cana sob forma de calor residual não aproveitado. Considerando as 650 milhões de toneladas de cana processadas anualmente no Brasil, este calor residual desperdiçado equivale a um consumo energético equivalente à geração de eletricidade da usina de Itaipú no mesmo período.
Isto é, temos um grande potencial de ampliar o uso de energia renovável da cana-de-açúcar no Brasil, e aumentar o grau de sustentabilidade do uso deste recurso sem plantar uma muda de cana a mais, apenas com eficiência energética, aproximando o consumo da oferta e minimizando o desperdício.
A partir do início deste século, foram realizados estudos mais abrangentes para melhoria da eficiência do ciclo de geração de eletricidade com a gaseificação do bagaço, ou mesmo sua “liquefação” com o desenvolvimento do etanol celulósico, ou de 2ª geração. No entanto, estes processos ainda possuem diversas barreiras tecnológicas e econômicas a serem superadas.
Uma maneira de melhorar o uso efetivo da energia do bagaço é integrar à usina processos que usem calor, ou mesmo frio. Atualmente, temos plantas de etanol de milho sendo integradas a usinas de açúcar e etanol. Com a implantação integrada de processos deste tipo, podemos chegar ao uso efetivo de 80% da energia do bagaço, mantendo o estado da técnica.
Além do bagaço, alguns elementos podem ampliar significativamente a oferta de energia renovável da cana-de-açúcar. Entre eles:
- a palha de cana, fruto da mecanização da colheita.
- a produção de biogás de vinhaça e outros resíduos.
- o uso de outros resíduos renováveis ou mesmo florestas sustentáveis disponíveis no raio de influência da usina.
Como reduzir o consumo de energia da usina? Quais as alternativas face a ampliação da capacidade de usina, seja de moagem, açúcar ou etanol? Quais as opções tecnológicas e de equipamentos na central de cogeração de energia e no processo industrial? Qual tamanho de planta industrial – p.ex. etanol de milho – que se pode integrar à usina? Qual o Capex e o Opex? Trazer palha do campo? Concentrar a vinhaça e/ou produzir biogás? Como combinar biogás com bagaço? Como produzir “frio”? Operação sazonal ou permanente?
Temos condição de equacionar estas ou muitas outras questões, processá-las de forma rápida e eficiente, e prover, no tempo necessário, informações relevantes e essenciais aos tomadores de decisão, investidores e gestores, considerando as características específicas de cada usina, seja otimizando o uso do “bagaço velho” e/ou apresentando caminhos e soluções para o “bagaço novo”.
Esta Engenharia do Bagaço de Cana faz parte da nossa experiência e do nosso trabalho nos últimos 20 anos em usinas de todos os portes e das mais variadas características, fornecendo soluções em qualquer etapa dos projetos, na consultoria e nas engenharias do proprietário e de processos, atuando com parceiros em todas as disciplinas da engenharia, especialmente junto com a Renova Consultoria .
*Sergio Ferreira é Consultor técnico em Energia e Cogeração da Renova Consultoria