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Consórcio Cana-Milho: conheça tudo sobre essa tecnologia

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O projeto Cana-Milho, foi desenvolvido pela Embrapa Cerrados com participação da Usina São Martinho (Crédito: Fabiano Bastos)

Cana + milho juntas em uma mesma área. Lado a Lado. E ainda por cima trazendo ganhos para o produtor de cana ou usina. Quem diria que isso seria possível? É o que propõe o recém-lançado projeto da Embrapa Cerrados: Cana-Milho.

O Cana-Milho é um sistema que propõe o consórcio de cana-de-açúcar com o milho. O objetivo, de acordo com os pesquisadores, é resolver os desafios de logística no plantio de cana atendendo principalmente as usinas flex, que podem fazer o uso do grão para a produção de etanol.

De acordo com a Embrapa Cerrados, a tecnologia pode aumentar o potencial produtivo da cana-de-açúcar plantada no início do período chuvoso (cana de ano), ao mesmo tempo que intensifica a produção de milho em áreas já ocupadas por cana.

Como a cana-de-açúcar ocorre em ciclos que variam em média de cinco a seis cortes, a janela de oportunidade para esta integração, de acordo com os pesquisadores, ocorre principalmente na renovação/plantio, que é escalonado em função dos recursos disponíveis, principalmente parque de máquinas e mão de obra. Os pesquisadores destacam que esse período coincide com a ociosidade industrial, que poderia ser reduzida com o uso de culturas bioenergéticas como o milho.

A ideia de consórcio de cana com milho não é tão nova e vem sendo estudada desde os anos 70. A mais nova pesquisa da Embrapa Cerrados iniciou em 2015 e teve como premissa desenvolver um sistema de consórcio em área total e não para uso em meiosi.

Ao contrário da visão de que o milho compete e prejudicaria o desenvolvimento da cana-de-açúcar, o pesquisador da Embrapa responsável pelo projeto, Joao de Deus G. Santos Jr, afirma que competição faz com que ambas culturas atinjam boas produtividades.

Segundo o histórico das épocas de plantio, com a distribuição percentual das áreas de plantio ao longo das estações, produzida pelo IAC, 11% do plantio em 2019/20 foi de cana de ano. Sendo assim, a ideia do consórcio é transformar essa cana de ano em cana de ano e meio (18 meses).

“Devido ao ciclo mais longo do milho, o grão não podia ser utilizado na renovação dos canaviais em razão de atrasar o plantio da cana de 18 meses. Daí a ideia do consórcio para antecipar o plantio de cana para o início do período chuvoso. Sendo assim, quando o milho é colhido em março, a cana já está plantada”, explica o pesquisador da Embrapa Cerrados

A Embrapa utilizou a estratégia de fazer os experimentos – com delineamento, repetições, testes estatísticos e diversas opções de plantas a serem consorciadas, como milho, soja e crotalária – dentro das unidades da Embrapa localizadas em Brasília, DF, Jaguariúna, SP e Dourados, MS.

Após a seleção do melhor sistema de consórcio, a pesquisa avançou para a escala de talhão. A Usina São Martinho foi uma das usinas parceiras, participando ativamente do desenvolvimento do sistema.

De acordo com Luiz Gustavo Teixeira, diretor Agrícola e de Tecnologia da São Martinho, a companhia tem uma parceria de muitos anos com a Embrapa, desenvolvendo muitas pesquisas e trabalhos ligados a diversas linhas de manejo como preparo e fertilidade do solo, controle biológico, irrigação, dentre outros.

“Participamos da validação do projeto Cana-Milho. É muito interessante e é uma iniciativa que vai agregar o manejo, proporcionado, dentre outras vantagens, antecipar o plantio de 18 meses. Março normalmente é um mês de alta demanda operacional. Sendo assim, com este sistema é possível antecipar a operação para um período de menor demanda, gerando produção de milho na mesma área”, disse Teixeira durante o evento online de lançamento, realizado no dia 14 outubro.

A recomendação da Embrapa Cerrados é que seja feito o plantio de três linhas de milho espaçadas em 50 cm na entrelinha de cana, espaçada em 1,5 m.(Crédito: Fabiano Bastos)

Por que milho com cana?

Segundo os especialistas da Embrapa Cerrados, existe a oportunidade de potencial de aumento nas usinas flex no Brasil, nas quais o milho é utilizado para produção de etanol. Estudos de avaliação de desempenho ambiental e econômico entregues como base para financiamento (BNDES) de usinas integradas com processamento de cana-de-açúcar e milho, demonstraram que esse tipo de arranjo apresenta bom desempenho econômico e ambiental.

“A existência de uma rota dedicada à integração entre etanol de cana-de-açúcar e milho na RenovaCalc, que é a da nova política de biocombustíveis RenovaBio, sinaliza o apoio e o incentivo por parte do governo à essa integração. Nessa política, se premiará os produtores de biocombustíveis com melhor eficiência energético-ambiental em seus sistemas produtivos. Assim, sistemas que envolvam menor uso de recursos, com aproveitamento de insumos, máquinas e até mesmo área, podem ser mais bem avaliados. Com a geração do DDGS pode-se ainda integrar essas cadeias à de produção animal, em arranjos produtivos de confinamento bovino”, destacam os pesquisadores em trabalho.

Além disso, outra razão para o uso da cultura do milho na renovação está relacionada ao sistema de produção do milho de alta produtividade, que já é dominado no Cerrado, ao mesmo tempo em que é a região de maior expansão da cana-de-açúcar no Brasil. Entretanto, ainda se verifica espaço para a adoção de novas tecnologias que viabilizem integrações entre cadeias e intensifiquem de forma sustentável tanto a produção de cana-de-açúcar como a de milho.

Cana-Milho: impactos econômicos e de produtividade

Os resultados obtidos na pesquisa mostraram que a renovação do canavial por meio do plantio da cana consorciada com milho é promissora e, inclusive, economicamente viável. (Crédito: Fabiano Bastos)

Uma das preocupações dos pesquisadores foi avaliar o tema mais polêmico: a competição entre a cana e o milho. E os resultados obtidos na pesquisa mostraram que a renovação do canavial por meio do plantio da cana consorciada com milho é promissora e, inclusive, economicamente viável.

De acordo com a pesquisa Embrapa, a produtividade do milho não é afetada pela competição com a cultura da cana-de-açúcar, bem como a brotação e perfilhamento da cana-de-açúcar não são afetados pela consorciação após a colheita do milho.

Experimentos conduzidos em Planaltina, DF; Dourados, MS e Jaguariúna, SP, avaliaram o consórcio da cana-açúcar e milho plantados no início do período chuvoso e mostraram que a produtividade média do milho foi de 8,5 t/ha, sendo o maior valor de 14 t/ha e menor 5,7 t/ha. Em nenhuma das situações a produtividade do milho consorciado com cana-de-açúcar foi menor do que o cultivado solteiro.

A produtividade dos colmos e o ATR (Açúcar Total Recuperável) da cana também não foram afetados pelo consórcio com o milho. Nessa comparação, o sistema consorciado foi plantado no início do período chuvoso (outubro/novembro), com a colheita do milho em março do ano seguinte. A cana solteira foi plantada em sucessão ao cultivo de milho solteiro também em março.

“Quando plantadas consorciadas no início do período chuvoso, o milho exerce uma competição com a cana. Dessa forma, a cana tem uma excelente brotação, mas fica num modo de espera até o milho ser colhido em março” explica Santos Jr.

No entanto, devido ao fato de serem duas gramíneas, é recomendado que entre os ciclos de renovação do canavial consorciado com milho haja uma rotação com leguminosas na área.

“A escolha pelo milho pode ser uma excelente opção para usinas flex ou para sistemas de produção que tenham confinamentos bovinos associados. Além de intensificar o uso da terra, o produtor pode desafogar seu plantio de março”, afirma.

De acordo com o estudo da Embrapa, para cada hectare de milho produzido, aufere-se uma margem líquida de R$ 831,60, caso a produção fosse a simples venda dos grãos (IFAG, 2020a).

Levando-se em conta um Custo Operacional Efetivo (COE) para cana-planta em terra própria de R$ 14.278,61 (IFAG, 2020b), o resultado financeiro do milho representaria uma queda de até 5,82% nos COE da cana.

Quando analisando a possibilidade de produção de uma usina flex, tem-se o potencial de se produzir 400 L de etanol para cada tonelada de milho processada, cerca de cinco vezes mais etanol do que o obtido por tonelada de cana. Adiciona-se a isso um rendimento de 380 kg de DDGS para a mesma uma tonelada de milho.

“Com a cotação de R$ 1,4498 por litro de etanol hidratado, combustível pago ao produtor na região de Goiás em 22 de agosto de 2020 (Unica, 2020), a tonelada de milho implica R$ 579,92 obtidos pela venda do etanol. Com a cotação de R$ 400 a R$ 650 por tonelada de DDGS, cada tonelada implica receitas de R$ 152 a R$ 247 por tonelada de milho”, afirmam os pesquisadores do projeto.

Assim, para cada tonelada de milho, obtém-se uma receita de R$ 731,92 a R$ 826,92 na venda de DDGS e etanol. Utilizando a pressuposição de 9.300 kg por hectare de milho feito pelo IFAG (2020b), o setor tem uma receita de R$ 6.806,86 a R$ 7.690,36 por hectare de milho. Isso, segundo mostra a pesquisa, representa uma queda de 48% a 54% no COE da cana-de-açúcar.

Com relação a impactos na colheita, o pesquisador da Embrapa Cerrados, explica que desde que não haja um escape da cana em razão de algum fator que esteja impedindo o crescimento do milho, não haverá dificuldades para a colheita do milho consorciado.

“É importante lembrar que a colhedora de grãos não pode ter rodados duplos (filipadas), pois isso excede o tamanho da entre linha da cana consorciada”, adiciona.

Cana-Milho: como implementar?

Neste sistema, a época de plantio de ambas as culturas acontece no início do período chuvoso. De acordo com o pesquisador da Embrapa, a recomendação é que seja feito o plantio de três linhas de milho espaçadas em 50 cm na entrelinha de cana espaçada em 1,5 m. A taxa de semeadura do milho consorciado não é alterada em relação ao solteiro e deve seguir a recomendação do fornecedor da semente de milho.

A implementação do sistema deve seguir alguns passos. Confira alguns deles:

1. Fazer uma amostragem do solo representativa ajuda a determinar as doses de calcário, gesso agrícola e outros nutrientes. A prática da fosfatagem é recomendada para aumentar o potencial produtivo de ambas as culturas e ampliar a capacidade de competição do milho com a cana-de-açúcar. As quantidades de macro e micronutrientes aplicadas na área a ser consorciada devem levar em consideração a adubação do sistema, somando às doses recomendadas de ambas culturas;

2.Realizar o plantio nivelado, sem a operação de quebra-lombo, ao contrário da tradicional sulcagem profunda, essa é a primeira alteração em relação ao plantio tradicional de cana-de-açúcar. Nessa operação, atentar-se para o teor adequado de água no solo (umidade) para não ocorrer a compactação e o espelhamento das laterais dos sulcos, ao mesmo tempo em que eles se mantêm estáveis, evitando o assoreamento. Recomenda-se a utilização de piloto automático com correção RTK (Real Time Kinematic).

De acordo com a pesquisa, nas áreas pilotos para o teste da tecnologia, utilizou-se espaçamento entre linhas de cana-de-açúcar de 1,5 m e profundidade entre 0,13 m e 0,18 m. Dessa forma, não houve a necessidade da operação de quebra lombo. A cobertura dos toletes de cana (mudas) com solo variou entre 0,04 m e 0,09 m conforme a variedade escolhida.

3. Se o terreno ficar muito desuniforme, com torrões ou com camalhões após o plantio da cana, deve-se utilizar um rolo agrícola destorroador ou até mesmo uma grade niveladora com discos de 20’’ regulada com pouco ângulo de ataque para melhorar a qualidade de plantio do milho.

Essas operações, segundo os pesquisadores, não podem entrar em contato com os toletes de cana já plantados (possibilidade de danificar gemas) e nem jogar mais solo do que o recomendado em cima deles (dificultando a emergência da cana-de-açúcar).

4.Utilizar variedades de cana-de-açúcar com germinação mais lenta e aplicar o tratamento químico nos toletes com inseticida e fungicida, mantendo entre 15 a 20 gemas viáveis por metro linear.

“Testamos diversas variedades de cana. O tipo ideal é o que segue o padrão da CTC 4. Um crescimento inicial mais lento e uma rebrota vigorosa com bastante perfilhos”, afirma Santos Jr.

5. Após o plantio da cana, efetuar a semeadura do milho o mais rápido possível. Isso diminui a necessidade de supressão da cana com herbicida e comprometimento da colheita do milho.

6. Semear o milho no espaçamento de 0,5 m entre linhas e a 0,25 m das linhas de cana, com o uso de piloto automático com correção RTK para o plantio, mantendo-se a população de plantas e a data de plantio recomendada pelo fornecedor da semente. É recomendado utilizar materiais de milho que tenham inserção de espigas alta e de ciclo precoce. É importante o tratamento das sementes de milho com fungicida e inseticida para garantir um bom estande de plantas.

7. A plantadeira de milho deve ser compatível com o espaçamento da cana. No caso de 1,5 m, pode-se adotar semeadoras com 3, 6 ou 12 linhas espaçadas em 0,5 m, tracionadas por trator com bitola entre 1,5 m e 2,4 m de largura, de forma que trafeguem no espaço entre as linhas de cana e não sobre o sulco de plantio.

Para isso, os tratores não podem ter rodados duplos (“filipados”), uma vez que frequentemente excedem a largura de 1,5 m. Para tratores com bitola aberta de 3 m, não filipados, podem ser utilizadas semeadoras com 9, 15 ou 21 linhas espaçadas em 0,5 m. Para semeadoras maiores, ficar atento na questão do lastro dos tratores para não haver patinagem e deslize. Nas semeadoras, alinhar os rodados para trafegar nas entrelinhas da cana e não sobre o sulco de plantio. Confira mais detalhes no trabalho completo da Embrapa.

Em 2022, a Embrapa Cerrados realizará o lançamento da tecnologia de consórcio de cana com soja. No momento, os pesquisadores estão finalizando as etapas de validação em escala de talhão e manejo de herbicidas.

“As chances de insucesso no consórcio de cana com milho são pequenas, e nossa principal recomendação é que os produtores iniciem o uso gradual da tecnologia para que haja uma curva de aprendizagem que leve ao aperfeiçoamento da tecnologia de acordo com as características de cada um”, conclui o pesquisador da Embrapa Cerrados.

Veja estudo completo aqui: Consórcio de cana-de-açúcar com milho: recomendações de manejo para a região do Cerrado. – Portal Embrapa

Veja o lançamento completo

*Por Natália Cherubin 

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