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Trabalho colaborativo, paixão por pesquisa e inovação: conheça a trajetória de Marcos Landell

Com mais de 40 anos dedicados à cana-de-açúcar, Landell une a vocação pela ciência, trabalho em equipe e fé para deixar um legado de sustentabilidade e evolução no setor sucroenergético
Quando conversamos com o entrevistado deste mês, de cara é possível notar a sua paixão não só pela música, que é seu grande hobby nas horas vagas, mas especialmente pela cana-de-açúcar, cultura pela qual se dedica há mais de 40 anos no campo da pesquisa.
Desde a infância, Marcos Landell teve contato com o meio rural, onde sua família tinha como atividade produtiva a pecuária leiteira e o plantio de grãos e café. A partir do segundo período do ensino fundamental e com mais maturidade, Landell se despertou para o agronegócio. A decisão por cursar Engenharia Agronômica foi natural.
Durante a segunda metade da sua graduação no curso de Agronomia – o qual cursava pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), de Jaboticabal, SP – Landell conta que o seu professor de Nutrição de Plantas, Dr. José Geraldo Baumgartner, que havia atuado anteriormente como pesquisador no Instituto Agronômico (IAC) e era muito apaixonado pela pesquisa agrícola, identificou sua vocação para a pesquisa e o incentivou a buscar por especialização.
“Paralelamente, fiquei sabendo de um concurso no IAC para trabalhar com uma pesquisa em cana-de-açúcar. Concorri e ingressei em uma pequena equipe de pesquisadores da cultura da cana-de-açúcar. Tudo isso ocorreu na década de oitenta”, relembra.
Da mesa de bar a um grande legado: o grupo fitotécnico
Com 43 anos dedicados à pesquisa no IAC, o especialista relembra os desafios do início da trajetória. Quando ingressou no instituto, o Centro de Cana do IAC passava por um novo momento com a implantação do PROALCOOL, o que gerou uma ampliação das áreas de plantio de cana-de-açúcar no Centro-Sul do Brasil, abrangendo, a partir de então, uma grande amplitude agroclimática nas novas áreas que a cultura passou a ser cultivada.
“Diante disso, criamos então o Programa Cana IAC a partir do início da década de noventa (1991 -93). Nessa ação, criamos uma série de inserções, para realizar uma ‘leitura’ mais moderna do setor e, assim, identificar as demandas reais de cada região, para que as pesquisas estabelecidas no Programa Cana IAC pudessem ser mais efetivas”, explica.
Ao mesmo tempo, em um boteco de Ribeirão Preto chamado Ao Leste do Éden, juntavam-se um professor, alguns profissionais de usinas e o jovem Landell. Com guardanapos em mãos, os rapazes se encontravam mensalmente para discutirem os assuntos fitotécnicos mais relevantes sobre a cana. Ali, nascia o Grupo Fitotécnico de Cana-de-açúcar, composto atualmente por cerca de 80 empresas, além de associações, usinas e profissionais ligados ao setor sucroenergético.
Landell conta que era o único solteiro da mesa, então as mulheres de seus amigos já estavam achando tudo estranho e ficando bravas. Para que isso acabasse e, para que as conversas ficassem mais formais, o bar foi substituído, em 1992, por reuniões na fazenda Experiemental do IAC, onde funciona atualmente o IAC. O ambiente foi trocado, mas a essência das reuniões não mudaram de foco. Landell sempre deixou claro que o objetivo da reunião é para a “troca de conhecimento e ideias e, principalmente, o aprendizado que cada um compartilha, beneficiando as empresas como um todo”, afirma Landell.

Foto: Divulgação/Arquivo Landell, reprodução vídeo Agro Globo
De olho no futuro do setor: a mecanização
Entre as contribuições mais significativas para o segmento sucroenergético, Landell aponta a criação de variedades adaptadas à colheita mecanizada, uma demanda projetada ainda nos anos 1990. “Concluímos que em 20 anos toda a nossa área seria colhida mecanicamente e sem o uso do fogo, ou seja, teríamos uma alteração radical nos nossos canaviais que naquele momento eram queimados para viabilizar a colheita manual”, relata Landell. Com isso, o IAC passou a buscar no processo de seleção, variedades eretas e com grande número de colmos e esses com uniformidade na altura e diâmetro, proporcionando melhor eficiência no processo de colheita.
O trabalho em busca de um novo “biotipo varietal” demorou, mas, na atualidade é o mais valorizado pelos produtores, segundo o pesquisador. Hoje, o IAC, consegue estabelecer uma grande rede experimental com mais de 100 pontos. Foram treinados dezenas de técnicos, e vários deles integram a equipe do Programa Cana IAC para aplicar os conceitos de caracterização biométricas nos milhares de genótipos que amanhã serão as futuras variedades. Landell diz, “precisamos manter isso, ou seja, precisamos manter e até ampliar a equipe, o que envolve a captação de recursos, que hoje são bastante restritos”.
Inovações em variedades, manejo e sustentabilidade
O Programa Cana IAC não se limita ao desenvolvimento de novas variedades. Há pouco mais de 15 anos, desenvolveu a produção de Mudas Pré-Brotadas (MPB), que gerou um grande dinamismo nas centenas de viveiros existentes no Brasil, principalmente, na adoção de novas variedades, incorporando os ganhos atingidos pelos programas de melhoramento genético.
Outro marco realizado há duas décadas, foi o desenvolvimento do conceito de Manejo Varietal conhecido como Matriz do Terceiro Eixo, que mitigou eficientemente o déficit hídrico dos canaviais, permitindo produtividades de 20 a 35% superiores as históricas em mesmas áreas geográficas. Em regiões onde o déficit hídrico é pronunciado, esse novo conceito trouxe além de produtividades 30% superiores, um aumento da longevidade dos canaviais e assim, redução da necessidade de reforma.
O desenvolvimento de variedades mais resilientes de cana-de-açúcar tem contribuído significativamente para enfrentar as mudanças climáticas, especialmente em áreas afetadas pela seca. Sobre o tema, o pesquisador explicou: “Esse projeto, especificamente, iniciamos em 1995 quando estabelecemos convênio com a Jalles Machado, no Norte de Goiás. Em 2001, demos novos passos, introduzindo lá todas as fases do melhoramento genético, inclusive desenvolvimento de seedlings (plantas originárias de sementes verdadeiras).” Como resultado desse trabalho, ele destacou o lançamento, em 2017, da variedade IACCTC07-8008, “uma variedade com excepcional tolerância à seca.” Atualmente, as ações continuam com o uso de campos irrigados para melhorar a caracterização das variedades voltadas à tolerância à seca.

Foto: arquivo
Família, fé e música como fontes de inspiração e equilíbrio
Para Landell, a chave para o seu equilíbrio entre trabalho e vida pessoal se deu graças a parceria com sua esposa, Adriana, e a influência de sua experiência espiritual. “A minha relação com Deus, por meio de orações e reflexões, me trouxe segurança e inspiração”. Ele também destaca a importância de transmitir valores à família, mencionando que seus três filhos seguiram sua paixão pela agronomia, tornando-se excelentes profissionais.
A música sempre foi outra grande paixão e atividade que traz alegria e equilíbrio para a vida de Landell. Embora ele diga que certamente não seria um músico profissional, conviveu, durante sua juventude, com grandes nomes da música ribeirão-pretana, como Paulinho Brasília, que comandou o saudoso Bar Mania durante muitos anos, e chegou a conhecer até mesmo Lô Borges e outros músicos que compunham o Clube da Esquina. Nesta época, Landell conta que escreveu a letra para a melodia que Paulinho havia criado e guardava há 10 anos.
“Eu estava inspirado, talvez pela forte ligação com a história da minha mãe, que é de Ouro Preto, MG. Passei muito tempo por lá e sinto que isso despertou minha alma de poeta. Foi então que escrevi a letra para aquela melodia, que se tornou a música “Vila Rica”. Essa canção ganhou o prêmio de melhor letra em um festival e a apresentamos em sete estados. Foi a única vez que ganhei dinheiro com música.
Mas, para ser um músico reconhecido, eu teria que manter essa produção constante ao longo dos anos. Muitas das letras de MPB vêm de um lugar de dor, reflexões, abandonos. Eu acredito que, se não estivesse no caminho que segui, talvez seria um profissional de outra área, mas ainda assim ligado à agricultura. Mesmo que fosse trabalhando com outra planta ou na pecuária, eu não me vejo longe desse universo. Tenho uma conexão muito forte com as plantas e com o que elas representam”, conta Landell.
Após um período de afastamento da composição, ele se reaproximou da música ao conhecer Zé Maria, um poeta cristão. Em um momento, Zé Maria lhe mostrou seus versos, perguntando: “Dá para fazer alguma música?” Marcos ficou encantado com o material e voltou a compor. Juntos, criaram cerca de 60 canções para o projeto “Versículos Versificados”, gravando três CDs com músicos de São Paulo e até a Orquestra Sinfônica de São Paulo.
O violão, instrumento que Marcos toca com desenvoltura, sempre foi uma importante fonte de inspiração. Para ele, compor é como explorar um território desconhecido, e essa busca criativa se conecta com sua experiência no Instituto Agronômico. Depois de passar por alguns problemas de saúde, em uma recente consulta, a sua médica sugeriu que ele continuasse compondo músicas, pois essa prática é essencial para seu estímulo cognitivo.
Além da música, ele coloca como essencial ter um tempo para orar e refletir. “Conforme me torno cada vez mais amigo Dele, converso com Ele, peço inspiração e oro pelas pessoas próximas a mim.” Para ele, um ponto importante é cuidar das pessoas através das orações, incluindo amigos, mesmo sem saber onde estão.
Legado de colaboração e conquista coletiva
Se pudesse voltar no tempo, Marcos Landell diz que daria um conselho a si mesmo. “Eu incentivaria esse jovem a sempre estabelecer metas e objetivos que o desafiassem a estar à frente do seu tempo. Que ele tivesse tido uma visão clara do que desejava alcançar para trabalhar incansavelmente para atingir esses objetivos. Mais importante ainda, seria ele se engajar em um setor, em um núcleo de pessoas ou em uma equipe, para que, assim, encontrasse um propósito maior para sua vida. Isso se conecta até com uma reflexão existencialista, de buscar um sentido mais profundo no que se faz”, revelou em reta final da entrevista, adicionando que deseja deixar como legado sua motivação para continuar inovando no setor sucroenergético, sempre com um olhar voltado para a sustentabilidade.
Ao longo de sua trajetória, Landell construiu um legado colaborativo. Quando recebeu um convite para assumir a direção do Instituto Agronômico (IAC), apesar de ter uma equipe bem estruturada, recebeu um IAC em crise, com conflitos internos entre centros e pesquisadores. E, em vez de adotar uma gestão individual, decidiu convocar dois grandes pesquisadores para uma administração em equipe. Para ele, o trabalho conjunto era a chave para o sucesso.
“Se conseguirmos fazer com que nossa instituição aprenda a unir esforços, teremos tudo o que precisamos para alcançar grandes resultados.” Esse é o legado que Landell deseja deixar: um ambiente onde todos brilham juntos, superando desafios e egos, para alcançar realizações significativas.
O setor de cana-de-açúcar passou por grandes transformações ao longo dos anos, com desafios constantes, como pragas no solo e mudanças climáticas. Do tempo em que começou a atuar no setor até agora, a produção de cana saltou de 2 milhões de hectares para os atuais 10 milhões com saltos significativos de produtividade. Para Landell fazer parte dessa evolução e deixar esse tipo de ganho técnico para o setor é um legado.”Minha motivação é continuar apoiando projetos que tragam inovação e preservem a transparência no agronegócio”, conclui.
Futuro da pesquisa em cana-de-açúcar
Com o avanço tecnológico, a pesquisa em cana-de-açúcar está se tornando cada vez mais precisa, ágil e eficiente. A automação de tarefas e o processamento de dados têm permitido uma rapidez e robustez antes inimagináveis no meio científico. Tecnologias como a Inteligência Artificial (IA), a computação em nuvem e a Internet das Coisas (IoT) revolucionaram a agricultura, permitindo a análise e inter-relação de informações de maneira inédita.
Segundo Landell, estas inovações estão renovando áreas de pesquisa como genômica, proteômica, metabolômica, transcriptômica, fitopatologia, epigenética e fenômica. A união dessas diferentes áreas e multidisciplinaridades aliadas a automação e agilidade das novas tecnologias fez surgir a chamada Agricultura 4.0.
“Essa nova geração da agricultura foi capaz de transformar grandes máquinas em equipamentos menores e interconectados, capazes de gerar informações em tempo real. Sensores embarcados em tratores, veículos, aviões, drones e satélites coletam imagens e leituras do campo, que são processadas e interpretadas conforme a necessidade do pesquisador. Esses sensores detectam ondas do espectro luminoso visível (RGB) e invisível (infravermelho próximo e vermelho de borda), gerando imagens e modelos de campo que auxiliam na identificação de características de interesse, como sintomas de doenças, plantas daninhas e áreas com déficit hídrico ou nutricional, entre outros”, diz.
No Centro de Cana IAC, o uso de drones e sensores para a fenotipagem de alto rendimento já é uma realidade. Segundo Landell e sua equipe, a análise de imagens capturadas por esses dispositivos permite estimar a produtividade de novos materiais, poupando trabalhos extensivos em campo e garantindo uma experimentação mais correta e detalhada colaborando com uma caracterização mais precisa de novas variedades garantindo um lançamento mais rápido para o mercado com indicações mais eficientes para cada cenário de plantio.
“A pesquisa em cana-de-açúcar, aliada à velocidade e interconectividade da Agricultura 4.0, permite uma gestão mais efetiva dos recursos. O conhecimento gerado pelas diferentes tecnologias e inteligências torna a agricultura mais sustentável, controlando melhor o uso de defensivos e recursos naturais, aumentando a produtividade e garantindo alta segurança alimentar com baixo impacto ambiental”, adiciona.
Entretanto, ele destaca que as novas tecnologias exigem conhecimentos específicos de ação, manuseio e suporte técnico. “Por isso, cabe a pesquisa o papel de endossar, estimular, ensinar e promover a adoção desses novos processos tecnológicos em todos os níveis de produção da cadeia de cana-de-açúcar.”