Edição 176
Due Diligence: check-up da saúde das usinas
A diligência prévia, como também pode ser chamada, através do levantamento de dados, permite que o investidor conheça em detalhes a real situação de uma empresa antes de realizar operações de fusões ou aquisições
Natália Cherubin
O setor viveu, entre os anos de 2005 e 2008, um forte movimento de expansão e consolidação, estimulado, assim como vemos agora, pelo aumento do consumo do etanol e também pelo crescimento da demanda por carros flex. A situação atraiu os olhares tanto de investidores nacionais como internacionais, o que culminou em um período de fusões e aquisições. Apesar de especialistas ainda não preverem, no curto e médio prazos, crescimento das operações de fusões e aquisições – que praticamente inexistiram de 2014 para cá -, o horizonte firme de bons preços para o açúcar e etanol poderá atrair investidores que devem voltar a avaliar aquisições de usinas.
É neste momento, quando se decide realizar operação de expansão empresarial, seja ela fusão, aquisição ou incorporação, que surge a necessidade da realização da chamada due diligence. Mas afinal, o que seria isso? Explicando de forma simplória, due diligence é um procedimento que serve como se fosse um check-up de todas as áreas de uma usina sucroenergética, levantando dados detalhados sobre a saúde daquela empresa.
expressão de origem inglesa significa “diligência prévia” e se refere a um conjunto de atos investigativos e de auditoria que devem ser realizados antes de uma operação de venda ou financiamento, ou seja, é uma ferramenta indispensável na concretização de negócios quando há fusões. “É um processo fundamental para confirmar se os dados disponibilizados aos potenciais compradores ou investidores são verdadeiros. O cerne de um due diligence é conhecer em detalhes a real situação de uma corporação para que os riscos atrelados à pretensa operação sejam avaliados e mensurados”, explica Jorge Luiz Scaff, engenheiro e diretor técnico da Reunion Engenharia.
O processo é feito por meio de revisões detalhadas e análises das contas do balanço patrimonial e demonstração do resultado, pelos quais é possível apurar o real valor do patrimônio da empresa que se está adquirindo. E complementada por meio da análise de documentos, tais como contratos sociais, estatutos sociais, acordo de acionistas e contratos com terceiros, de forma a verificar se existem regras e acordos prévios que impedem ou dificultam a realização do negócio, ou mesmo que inviabilizem um bom negócio, bem como pelo levantamento dos riscos de crédito e liquidez da empresa a ser adquirida, e mesmo dos próprios sócios.
Além disso, segundo, Ana Cristina de Paiva Franco Toledo, sócia e coordenadora da área de direito empresarial societário da Pereira Advogados e Heloísa Luvisari Furtado, auxiliar jurídico da área de direito empresarial societário da Pereira Advogados, riscos de crédito decorrentes do negócio também são verificados no processo de due diligence, com a obtenção de certidões tanto da empresa como de seus controladores, para levantamento e apontamento das ações e contingências que podem impactar na avaliação dos ativos e passivos.
Adicionalmente, são avaliadas as estruturas de controle da usina, seus documentos societários e principais contratos, especialmente, mas não limitados a eles, aqueles atinentes à exploração da cultura canavieira, que é a origem de todo o potencial da usina, bem como os de financiamento. Por fim, são avaliadas as contingências existentes referentes ao funcionamento da usina, que podem ou não estar refletidas nos balanços patrimoniais, mas que resultam das práticas da empresa com relação às regras e obrigações, inclusive assessórias, trabalhistas, ambientais, fiscais, etc.
Ricardo Pinto, sócio-diretor da RPA Consultoria, diz que além do levantamento das áreas financeira, contábil e fiscal e de aspectos jurídicos societários, trabalhistas, ambientais, analisam-se aspectos imobiliários e de propriedade intelectual e tecnológica. “No caso de usinas sucroalcooleiras existem outros dois aspectos fundamentais: a due diligence agrícola e industrial. Ambas podem apontar a existência de demanda não informada de Capex (investimento) para atingirem as capacidades declaradas. Além disso, as due diligences também podem apontar oportunidades escondidas, ou seja, com pequeno Capex, que novas capacidades poderão ser atingidas”, salienta.
INDUSTRIAL E AGRÍCOLA
Para um diligenciamento técnico na indústria, de acordo com Marcelo Ferndandes, sócio-diretor da Fourteam Engenheiros Associados, deve-se entrevistar a equipe da usina, visitar as instalações, analisar os dados dos equipamentos, a capacidade de produção, o estado de manutenção, a vida útil e se há laudos de acidentes.
O trabalho constata se os equipamentos mencionados existem, se a capacidade mencionada é equivalente à declarada, além de conhecer o estado atual da instalação e suas limitações, sejam físicas ou de performance. “São verificados, principalmente, os detalhes dos cinco setores fundamentais de uma planta sucronergética. Chamamos estas cinco áreas de G5: a parte de extração de cana, a da geração de vapor, a da geração de energia, de fabricação de açúcar e de etanol”, afirma Scaff.
Através dessas checagens é possível traçar um histórico da unidade, formar uma linha do tempo com as principais alterações ocorridas, analisar os dados sobre a moagem horária, a capacidade da safra, a produção de açúcar, etanol, mix, exportação de energia, caraterísticas tecnológicas e os principais fatos marcantes da companhia.
“Em uma análise de moagem, por exemplo, traça-se a moagem atual e compara-se com a moagem declarada. Se estes dois itens estiverem longe (moagem atual e moagem declarada), pode-se estimar os investimentos necessários para se chegar à capacidade declarada de moagem. Também são feitos o mapeamento e o organograma da usina. Todo o mapeamento da área industrial é entregue ao cliente (investidor) com dados técnicos dos principais equipamentos analisados. A Reunion faz mais. Identifica os chamados ‘vilões da manutenção’, ou seja, relaciona quais equipamentos pararam durante a operação, quais as razões efetivas das paradas e quais soluções foram adotadas. Esta análise pode dizer sobre o investimento real a ser feito, computando o valor do negócio e o que deve ser executado para substituir equipamentos que estejam em fim de vida útil”, detalha Scaff.
Já o organograma da planta permite representar as relações hierárquicas, a distribuição dos setores, unidades funcionais, cargos e a comunicação entre eles. Com isto, é possível identificar oportunidades de melhorias e futuras ampliações.
A due diligence agrícola comprova se a usina possui a cana que diz ter para processar e se tem condições e, principalmente, custo competitivo para entregar esta cana na indústria. Segundo Ricardo o processo de due diligence agrícola contempla nove avaliações:
1) Avaliação da usina:
– Condições gerais da região, tipos de solo e topografia;
– Chuvas mensais, balanço hídrico, evapotranspiração e necessidade de irrigação, se houver;
– Riscos de ocorrência de eventos climáticos extremos;
– Disponibilidade de terras para expansão da oferta de cana num horizonte de cinco anos;
– Ameaças potenciais para a viabilidade e continuidade da operação da usina, tais como presença de movimentos sociais, pragas endêmicas, biomas protegidos e reservas ambientais.
2)Avaliação geral do planejamento agroindustrial e do cumprimento de legislação vigente:
– Plano de Implementação da Cultura (Ramp-up, área de plantio e métodos de plantio – 12, 18 meses e/ou de inverno);
– Valores de referência de arrendamento de terras (t/ha e R$/ha) versus o benchmarking regional e tipos de contrato (número de ciclos de cana, uso de outras culturas etc);
– Mapas de solos ilustrando os ambientes de produção de cana;
– Planejamento de uso de insumos agrícolas e utilização de resíduos agroindustriais.
3) Avaliação das variedades de cana em uso e em plantio recente, incluindo:
– Quadro varietal atual versus quadro recomendado em função da matriz de variedades para cada ambiente de produção;
– Potencial de variedades e as recomendações para seu emprego nesta usina;
– Análise dos viveiros existentes e seu estado fitossanitário;
– Avaliação dos contratos existentes com provedores de novas variedades (como Ridesa, CTC e IAC).
4) Avaliação das atividades agrícolas e de seus KPIs a partir de controles informatizados agroindustriais instalados na usina, tais como:
– Plantio de cana manual e mecanizado (rendimento operacional em ha/dia e ha/equipamento);
– Colheita e transporte manual e mecanizado (rendimento operacional);
– Técnicas adotadas de conservação do solo para o controle da erosão;
– O rendimento médio por corte (curva de produtividade agrícola), incluindo parecer sobre exequibilidade e consistência das informações apresentadas;
– Verificação de Ramp-up de produtividade agrícola e melhorias (TCH e ATR), analisando viabilidade e consistência das premissas adotadas no plano de negócios;
– Número de cortes por ciclo e porcentagem de renovação anual dos canaviais;
– Percentual e tipos de operações agrícolas mecanizadas;
– Benchmarking de rendimentos agroindustriais (TCH e ATR) de usinas da região, separando cana própria de cana de fornecedores.
DUE DILIGENCE: O QUE É
O termo due diligence deriva do conceito do Direito Romano “diligentia quam suis rebus”, ou seja, a diligência de um cidadão em gerenciar suas coisas, sendo tal conceito introduzido no Direito norte-americano, mais precisamente após a promulgação do Securities Exchange Act, na qual se deu a instituição de regras sobre a responsabilidade de compradores e vendedores na prestação de informações em procedimentos de aquisição de empresas.
Os procedimentos de due diligence foram largamente aplicados no universo empresarial, tornando-se um mecanismo essencial nas situações de aquisições de empresas ou realização de investimentos em determinada empresa, possibilitando, assim, ao adquirente ou investidor, realizar uma investigação prévia das reais condições da empresa.
5) Avaliação do dimensionamento de recursos agrícolas, tais como:
– Plantio manual e mecânico (porcentagem de cada método, a estrutura atual e a futura projetada);
– CCT manual e mecânico (porcentagem de cada método, a estrutura atual e a futura projetada);
– Irrigação de cana (percentual de área irrigada e por tipo de irrigação – plena, complementar e de salvação);
– Outorgas de água disponíveis.
6) Avaliação do organograma agrícola, incluindo:
– Headcount e organização da equipe;
– Currículo dos gestores.
7) Avaliação de Capex e Opex agrícola.
8) Avaliação de potenciais riscos e recomendações para mitigação e/ou eliminação dos mesmos.
9) Análise de lacunas na área agrícola da usina e custo estimado de sua correção, envolvendo:
– O bottom line de Opex e Capex anual a ser efetuado versus o atual, mostrando quais deveriam ser os valores em R$/tonelada de cana;
– Avaliação do impacto da falta de investimentos nas últimas safras;
– Avaliação das oportunidades de expansão da oferta de cana para os próximos cinco anos.