Edição 183
Especial – A indústria do futuro
Depois de três anos sem condições financeiras para renovação tecnológica do parque industrial, o horizonte positivo poderá permitir novos investimentos em melhorias de processos. No entanto, o que a indústria do futuro precisará?
Natália Cherubin
A palavra que a cadeia produtiva sucroenergética não aguenta mais ouvir e repetir é: crise, a qual o setor vai saindo aos poucos, após cinco tortuosos anos, rumo a tão aguardada retomada. Total? Ainda não, mas com horizonte mais positivo do que nos anos anteriores e diante de uma luz, lá no final do túnel, propiciada pelo atual mercado e pelas boas perspectivas para o futuro tanto do açúcar quanto do etanol.
Embora a escalada dos preços do açúcar no Brasil e o maior consumo de etanol tenham tornado a atividade mais rentável, ainda é insuficiente para estimular as usinas a reverem seus investimentos, afinal, muitas unidades relutam em ampliar as suas capacidades industriais já que ainda lidam com a ressaca da dívida herdada do último ciclo de expansão. Além disso, ao mesmo tempo em que o consumo de etanol e os preços do açúcar sobem, a política do governo para o etanol segue ainda muito nebulosa, gerando insegurança entre os investidores.
Apesar de continuar aguardando por políticas públicas, especialistas acreditam que o setor já se encontra na fase de transição entre a recuperação, que deverá iniciar em curto prazo, e a efetiva retomada, que poderá ocorrer já em médio prazo. “O setor sucroenergético deverá despender capital ao menos para fazer as manutenções das plantas, que rapidamente caminham, em grande parte, para uma deterioração bem acima daquela que seria aceitável, podendo comprometer os resultados operacionais já em 2017. Portanto, acredito que poderemos, já nos próximos meses, verificar uma retomada da atividade especialmente com relação à manutenção, mas também, em pequena escala, de algumas ampliações que já estão inclusive em fase de execução. Os investimentos significativos, porém, certamente virão apenas e tão somente se houver uma correção nas condições macroeconômicas do País”, afirma Paulo Gallo, presidente do Ceise-BR (Centro Nacional das Indústrias do Setor Sucroenergético e Biocombustíveis).
Seja em curto ou médio prazo, as indústrias que pretendem aumentar as suas capacidades de produção ou melhorar suas eficiências, precisarão atualizar algumas tecnologias de processos que foram deixadas de lado no momento de corte de gastos. Teremos um mercado preparado para atender a demanda por novas tecnologias? Muito mais do que isso, as tecnologias já existentes trazem melhorias consistentes em eficiência? Qual é a indústria que o setor quer no futuro? Tentaremos, ao longo desta reportagem e com a ajuda de alguns especialistas, responder a estas difíceis questões.
Francisco Oscar Louro Fernandes, sócio-diretor da Sucrotec Assessoria e Consultoria, afirma que analisando os dados da amostra de usinas da Sucrotec percebe-se uma nítida dificuldade das unidades em manter a atualização tecnológica do parque industrial e agrícola durante os últimos três anos. “É possível observar queda no volume de recursos aplicados na compra de ativos e na reposição da depreciação de máquinas e equipamentos, que também ficou comprometida nos últimos anos.”
Considerando o total de compra de ativos, exceto o plantio de cana, a amostra da Sucrotec revela que na primeira década do século XXI, entre 2001 e 2010, as usinas sucroenergéticas aplicavam de 10% a 11% das suas receitas líquidas em máquinas e equipamentos. Nos três anos seguintes, de 2011 a 2013, a média caiu para 7% e nos últimos três anos, entre 2014 e 2016, a média despencou para apenas 3% das receitas. O sócio-diretor da Sucrotec diz que nestes montantes não foram incluídos grandes investimentos realizados por algumas empresas em aumento de produção ou mesmo em novas unidades de produção.
“Nossa experiência mostra que uma usina ou destilaria necessita aplicar pelo menos de 5% a 6% do seu faturamento líquido para manter seu parque produtivo atualizado tecnologicamente e em boas condições operacionais, o que não ocorreu nos últimos três anos, principalmente devido à baixa rentabilidade do açúcar e do etanol, além do comprometimento com o pagamento de juros e do alto estoque de dívida que algumas usinas apresentam”, destaca Louro Fernandes.
DEIXADO DE LADO
É difícil especificar exatamente onde e em quanto a falta de investimentos impactou no aumento dos custos na indústria, mas o que se pode afirmar é que a queda de produtividade é decorrente de equipamentos desatualizados, paradas não programadas, necessidade de terceirização excessiva ou falhas no recebimento de matéria-prima, causadas por insuficiência de equipamentos próprios e tantos outros transtornos decorrentes da falta de investimentos.
Segundo Marcelo Fernandes, gerente da Fourteam, devido às restrições no fluxo de caixa, a área mais prejudicada foi a manutenção da indústria, que agora está cobrando seu preço, com usinas apresentando interrupções de moagem por falhas e aumentos em seus custos operacionais. “Isto não significa que as unidades estejam sucateadas, mas é claro que grande parte da indústria carece de reformas adequadas. Desculpe-me pelo neologismo, mas hoje a indústria precisa muito mais de um Revamp do que de um Retrofit. A nossa indústria foi modernizada ao final da década passada e hoje precisa somente de uma boa reforma para se manter.”
Antonio Viesser, diretor Adjunto Industrial do Polo SP da Tonon Bioenergia, afirma que muitos grupos deixaram de fazer até mesmo as manutenções de rotina, o que trouxe ainda mais dificuldades para estas unidades, já que a falta de manutenção traz baixos índices de disponibilidade, o que, por conseguinte, reduz a eficiência industrial.
Para Luiz Antonio de Oliveira, gerente Comercial da Procknor Engenharia, o fato das indústrias estarem deixando de lado as manutenções necessárias para uma boa conservação do seu patrimônio, tem afetado desde o preparo, a extração, passando pelo tratamento do caldo, evaporação, cozimento, fermentação e destilaria até a geração de vapor e energia elétrica.
“As nossas indústrias tem assumido correr um grande risco, não realizando as manutenções essenciais para uma operação segura e eficiente. Esta negligência tem aumentado as estatísticas de acidentes e gerado muitos prejuízos. E não haverá milagre. Para grandes doenças serão necessárias grandes doses de remédio. Neste caso, muito dinheiro para recuperar e substituir equipamentos, estruturas e acessórios que atualmente encontram-se, em boa parte das indústrias, abandonadas e sucateadas , e, em alguns casos, de forma irrecuperável”, observa Oliveira.
P&D
Muito além da falta de investimentos em novas tecnologias pelas usinas, ainda existem gaps tecnológicos a serem resolvidos, muitos deles por falta de iniciativas em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Segundo Fernandes, no Brasil os recursos para P&D são irrisórios, menos que 1,2% do PIB. Deste percentual, nem 1% é gasto em P&D para o setor sucroenergético. E tem mais. Dos parcos recursos de P&D do setor nem 20% é gasto com a área industrial. “Resumindo, para indústria não se gasta em P&D nem 0,005%. É um verdadeiro escândalo!”
Antonio Marcos Furco, diretor da M Furco Engenharia, diz que apesar de não notar grandes paralisações em projetos de P&D para o setor, haja vista os desenvolvimentos em etanol de segunda geração e incremento das tecnologias de cogeração entre tantas outras, principalmente no setor agrícola, onde os programas são de mais longo prazo, observa-se que o desenvolvimento da área industrial tem perdido lentamente seus centros de pesquisa muito antes da atual crise.
“Esta ausência será sentida mais a médio prazo. Acredito que por enquanto, o mercado ainda segue abastecido por técnicos remanescentes daqueles tempos. Em outros setores a globalização até cobre a ausência de novos desenvolvimentos, porém no setor industrial sucroenergético torna-se mais difícil porque o Brasil esta à frente dos desenvolvimentos das tecnologias.”
Por outro lado, Furco acredita que a experiência tem mostrado que a escassez de recursos para grandes projetos faz com que pequenas unidades produtoras, por falta de recursos, obriguem seus técnicos a criarem soluções inteligentes. A crise acaba acelerando a criação de soluções de engenharia de emergência mais baratas e inteligentes. “A área que mais evoluiu nos tempos de crise é, sem dúvida, a operacional, catalisada pela necessidade e busca de soluções.”
Na contramão da estagnação, a Zanini Renk tem trabalhado no desenvolvimento de novas tecnologias e é a única indústria do setor de bens de capital que investe 2% de seu faturamento em projetos de inovação.
“Possuímos um Comitê de Inovação e Tecnologia, com participação de membros externos dedicados. Nos últimos anos todas as linhas de redutores industriais passaram por importantes transformações objetivando agregar conceitos tecnológicos de ponta aliados à redução de custos”, afirmam Cristiane Câmara Braz, gerente de Marketing e Gustavo Weber, gerente de Inovação e Engenharia de Produtos da Zanini Renk.
GAPS E DESAFIOS DA INDÚSTRIA
Um dos maiores gaps da indústria é o processo de fermentação, uma verdadeira vilã, segundo Viesser. Isto porque, a maioria das usinas contam com reatores ultrapassados. “Existem unidades que ainda fazem uso de serpentinas ao invés de trocadores de calor, além disso, a falta de controles de automação nesta área também enfrenta carência por parte das unidades, já que os recursos financeiros são limitados. Se não bastasse isso, ainda temos a cultura de achar que tudo que não serve para os outros processos devem ser enviados para a fermentação”, observa.
Já para o gerente e consultor da Fourteam, os maiores gaps ainda estão na dificuldade de reduzir a umidade do bagaço e melhorar o sistema de limpeza e separação de palha da cana, um dos processos mais importantes para a entrada de uma matéria-prima de maior qualidade.
Henrique Berbert de Amorim Neto, diretor Operacional da Fermentec, também acredita que o maior desafio das usinas ainda é trazer uma matéria-prima de melhor qualidade, o que consequentemente trará aumento de eficiência. “Outro desafio que merece maior atenção é o teor alcoólico. Vemos poucas unidades que trabalham com uma média de 11% a 11,05 % de teor alcoólico, enquanto a média do setor é de 8%, o que faz com que estas usinas cheguem a gastar de R$ 5 a R$ 6 milhões em distribuição de vinhaça por conta do teor alcoólico muito baixo. A primeira coisa em que os técnicos das usinas colocam a culpa é na levedura, e, muitas vezes, se esquecem de fazer o básico, o feijão com arroz.”
Leonardo Zanini Cherubim, diretor de Engenharia e Maurício Jorge Moisés, diretor de Negócios da Caldema, acreditam que a presença de resíduos sólidos vegetais e minerais no processo de tratamento de caldo, que influi sobretudo na cor do açúcar e nos pontos pretos insolúveis, é um dos principais gaps hoje existentes nas usinas. Isso porque os grandes compradores de açúcar, que são as grandes indústrias alimentícias e de bebidas, estão cada vez mais exigentes nesta questão.
Além disso, eles apontam que ainda existem muitas caldeiras operando com baixa eficiência de combustão devido às características do combustível para a qual as mesmas não foram projetadas.
“Existem tecnologias disponíveis para elevar esta eficiência, no entanto, é preciso avaliar e comparar a substituição das atuais tecnologias por outras mais modernas e que sejam aptas a utilizar os combustíveis (bagaço de cana) atuais. Outro importante fator a ser considerado é a produção específica de vapor e energia térmica que a caldeira pode oferecer. Isto depende de tecnologias disponíveis e que fazem grande diferença quando aplicadas adequadamente. Me refiro ao aumento de pressão, temperatura, utilização de ciclo regenerativo, reaquecimento e sistema de combustão mais eficiente”, salientam.
Antonio Carlos Junqueira Rodrigues, engenheiro mecânico da EcoAlba Engenharia, crê que o maior problema da indústria hoje é a redução da produtividade na operação de extração. “Enquanto seguimos com o modelo sul-africano de quatro rolos, com um não desprezível input de energia – seja na forma de vapor ou eletricidade -, os australianos estão modernizando suas instalações ou mesmo aumentando sua capacidade produtiva com moendas de dois rolos. Eles estão jogando o argumento de que o difusor consome menos energia! Isto somente é verdadeiro quando a comparação envolve moendas de quatro rolos como as nossas”, destaca.
Além dos modelos de moendas, Rodrigues aponta outras lacunas a serem resolvidas na indústria:
– Matéria-prima: cana crua com menos impurezas vegetais e minerais;
– Limpeza de cana a seco: atingir um nível de separação total da matéria estranha não inferior a 85%, no curto prazo, e de não menos de 90% no médio prazo;
– Preparo: somente um desfibrador de alimentação vertical, pesado, com martelos utilizando cabeças postiças de carboneto de tungstênio, vida útil não inferior a 600 mil t de cana e índice de preparo não inferior a 90%;
– Primeiro terno: provido de Continuous Pressure Feeder, com extração de caldo de 78% a 82%;
– Embebição: com taxa não inferior a 250% de fibra, controlada pelo brix do caldo misto, que deve ser da ordem de 13,5%. (A moenda não pode mais ser penalizada pela incapacidade dos engenheiros de processo em encontrar soluções custo-efetivas, confiáveis, de alta disponibilidade e mantenabilidade para o aquecimento do caldo, a evaporação e o cozimento do açúcar);
– Número de ternos: não mais do que cinco ternos, sendo o primeiro e o quinto providos de Continuous Pressure Feeder e os demais ternos com dois rolos, providos de dispositivos de controle de reabsorção.;
– Extração da bateria: maior que 96,5%, para uma cana de pol não inferior a 14,2%, e fibra na ordem de 12,5%;
– Máxima umidade do bagaço em 50% e máxima pol do bagaço de 1,9%;
– Moagens horárias: as mesmas obtidas pelas bitolas atualmente disponíveis.
“O Brasil está fechado dentro da sua ultrapassada tecnologia de alimentação do primeiro terno. Não há nenhum avanço buscando uma maior densidade da cana na alimentação desse terno, nem na busca de elevar a sua extração de caldo para, digamos, 78 %”, afirma Rodrigues.
Ele adiciona que na “era da cana integral”, em que se aumenta a quantidade de palha e terra entregues para as usinas, a densidade da cana diminuiu, o que faz com que nem o uso das calhas Donnelly sejam a solução para a queda da taxa de moagem.
“Sabe-se há muito tempo que a partir de uma determinada altura, algo ao redor de 2,7 m de altura, entre o centro da esteira de alimentação e o centro do rolo superior, os aumentos da densidade da cana na boca da moenda produzidos pelas calhas Donnelly são pouco significativos. Ou seja, as calhas Donnelly atuais não compensam a queda da densidade da cana provocada pela palha. E não adianta aumentar a sua altura! Resultado: a cana integral crua está provocando uma inquietante queda na taxa de moagem. Ao retirar o caldo da boca da moenda, o rolo lótus abriu espaço para uma cana de baixa densidade, e a moagem se aproximou dos valores antes praticados. Ou seja, a nossa tecnologia de alimentação do primeiro terno, importada via África do Sul da Austrália, chegou ao seu limite. Daí para frente, somente instalando uma moenda de maior bitola, em substituição ao primeiro terno atual, para recuperar, com folga, a moagem perdida! E ninguém quer falar de um Continuous Pressure Feeder no primeiro terno”, critica Rodrigues.
INOVAÇÕES E EVOLUÇÕES
Mesmo com gaps em tecnologias e P&D, e os desafios que ainda precisam ser enfrentados, a própria crise fomentou o aparecimento de novas tecnologias para contrapor o momento atual da indústria.
Tecnologias que são aplicadas para redução das perdas de açúcares e para melhorar os produtos finais são as que estão em maior evidência, segundo Fernandes. “Outro exemplo é com os ganhos que as usinas podem obter com a vinhaça, excelente fonte de material orgânico, ideal para geração de gás metano e consequentemente energia, seja para movimentar máquinas agrícolas ou até mesmo gerar energia elétrica, embora esta seja a alternativa menos rentável.”
Para Furco, o setor de extração foi o que mais se desenvolveu nas últimas décadas no Brasil, crescendo em volume de cana moída por unidade, aumento da extração e a redução de umidade. Apesar disso, ele acredita ser possível melhorar ainda mais e, partindo deste, ponto “vejo que temos que avançar na qualidade de nossos equipamentos mecânicos e principalmente na manutenção, seja corretiva ou preventiva, melhorando o seu nível de utilização.”
Gallo destaca a automação dos processos como um dos grandes responsáveis pelos ganhos de produtividade nos últimos anos. “A automação, através de diversas técnicas, tais como a robótica – nos segmentos que estas tecnologias sejam aplicáveis, podem trazer ótimos resultados em eficiência. Porém, é importante destacar que muito mais do que tecnologias, vamos precisar aprimorar a gestão dos negócios, com foco no desenvolvimento humano e no planejamento estratégico, além de introduzir uma cultura que nos permita um rígido acompanhamento de produção.”
Oliveira também acredita que as crises geram oportunidades e destaca algumas vertentes de tecnologia em desenvolvimento para melhorar a eficiência da indústria, algumas já consolidadas, como caldeiras de leito fluidizado borbulhante, cozimento contínuo, concentração de vinhaça, condensação evaporativa e mais recentemente há movimentos para:
– Diminuição da temperatura na fermentação, com utilização de chillers de compressão e adsorção, que propicia uma maior produção, podendo chegar à patamares entre 30% a 40% de incremento na produção de etanol;
– Desenvolvimento de sistemas energéticos a partir da produção e uso do biogás, e o tratamento anaeróbio de efluentes industriais;
– Uso de ciclos de reaquecimento de água e vapor em termelétricas;
– A contínua busca para dominar a tecnologia do etanol celulósico, ainda não consolidada completamente;
“Infelizmente a crise nos faz repensar algumas coisas, mas sabemos que existem inúmeros movimentos visando fazer do limão a limonada, e isso de certa forma tem feito diferença. Entre elas podemos destacar a otimização dos equipamentos, os controles de automação, investimentos em recursos humanos, ou seja, em treinamentos, e a adoção da Gestão à
Vista, uma gestão à base de um sistema que possibilite que os principais itens de controle estejam em fácil acesso a toda a equipe, seja através de gráficos, dados ou informações gerenciais que permitam uma rápida e fácil visualização e interpretação. Na Tonon temos melhorado, na medida do possível, o nível de automação, os treinamentos e adotado a Gestão à Vista”, conta o diretor Adjunto Industrial da Tonon Bioenergia.
Cherubim e Moisés destacam as evoluções das caldeiras de leito fluidizado borbulhante, mais adequadas para queima da palha, e os últimos modelos de caldeiras com queima sobre grelha convencional, que hoje vem embarcadas com tecnologias mais modernas.
“Os modelos de caldeiras ainda mais utilizadas pelas usinas são as com queima em grelha convencional tipo basculante ou Flat Pin Hole, instaladas há mais de duas décadas. No entanto, apesar da superioridade tecnológica das caldeiras de leito fluidizado borbulhante, a adoção da tecnologia em larga escala vai depender da viabilidade econômica e não somente técnica. Dessa forma, sua incorporação se dará diante de uma boa remuneração advinda da exportação de energia elétrica. Deve-se levar em consideração também a estabilidade que a caldeira de leito fluidizado borbulhante propicia para o processo industrial, resultando em ganhos de produção.”
Umas das últimas tecnologias do mercado foram trazidas pela Equilíbrio. A empresa desenvolveu uma peneira rotativa para caldo misto, desenvolvida para atuar na separação dos resíduos sólidos, como bagacilhos e minerais na segunda etapa da filtragem do caldo misto, melhorando a qualidade do produto antes deste seguir para o tratamento.
De acordo com Carlos Alberto Celeste Jorge, presidente da Equilíbrio, não existe tecnologia similar para o tratamento do caldo misto no segundo peneiramento que tenha ganhos tão expressivos.
“No nosso último estudo de caso, em uma usina sucroenergética de grande porte, pudemos constatar um aumento na eficiência de retenção de sólidos de 67,4% para 92,6%, um ganho de mais de 25%. Já na produção da torta de filtro, notamos uma redução de 25 para 15 kg/t, isto é, um ganho de 10 kg/t de torta, que se transformou em açúcar e também em bagaço, combustível para as caldeiras. Outros ganhos que podemos citar com a instalação da PRP são a economia no consumo de energia elétrica e a redução nos custos de manutenção mecânica das usinas, como bombas e tubulações.”
Ainda de acordo com Jorge, a tecnologia, que tem um pay-back entre quatro e seis meses, traz aumento de 0,2% na eficiência do tratamento de caldo, número bastante expressivo para as usinas.
Tercio Dalla Vecchia, diretor da Reunion Engenharia, revela que a empresa está trazendo, a partir de agora, uma nova tecnologia em caldeira direto da Dinamarca, que permite fazer a queima do fardo de palha sem que seja preciso triturá-lo antes. “A tecnologia permite melhor queima tanto da palha que vem junto com a colheita da cana, quanto para a palha que vem em forma de fardos.”
Para Cristiane e Weber, o sistema de monitoramento de redutores em tempo real tem trazido um ganho interessante para as usinas. Atualmente, a maioria dos redutores planetários são instalados com sistemas de monitoramento, que permite aos usuários e a empresa monitorar diversas variáveis que contribuem positivamente ou não para a performance do redutor. A mensuração dos dados ajuda os usuários na preservação da vida útil do equipamento e detecção antecipada de potenciais falhas.
Apesar dos avanços nas aplicações dos redutores, a visão de futuro da empresa, em termos de desenvolvimento, está voltada para a conectividade alinhada ao movimento da indústria 4.0. Neste sentido a Zanini Renk lança na Fenasucro 2016, o Optmax, uma solução integrada para monitoramento, simulação e otimização dos processos da usina.
“O Optmax é um sistema integrado de gestão operacional de processos industriais que permite, por meio de sensores ópticos, a leitura em tempo real da cana-de-açúcar e de seus insumos. As informações coletadas são direcionadas para um software dedicado que calcula o balanço de massa e energia dos processos da usina, identificando os pontos que estão fora da faixa operacional esperada. Uma revolução que chega para adicionar ainda mais inteligência e alta performance aos processos industriais da usina”, revelam.
A INDÚSTRIA DO FUTURO
Com tantos desafios ainda a serem superados, pedi aos especialistas que opinassem sobre qual seria a indústria do futuro em termos de eficiência, produtividade e tecnologias.
Furco diz ser difícil olhar de forma única para tal questão, mas acredita que a indústria do futuro terá avançado nas soluções mecânicas, que ainda são rudimentares em alguns pontos; na busca por mais análises e controles, não admitindo perdas indeterminadas ao redor de 2% e, após o domínio destes, colocá-los sobre controle em tempo real intensificando a automação; ter avançado na recuperação de energia a níveis acima de 150 Kwh/t de cana, aumentando a geração e reduzindo o consumo pelo uso intensivo da eletrificação; e terá saído do discurso da falta de mão de obra qualificada para um sistema de formação, implantação, remuneração e promoção por meritocracia.
“Na minha opinião os grandes avanços em termos de novas tecnologias capazes de revolucionar a indústria já estão em desenvolvimento, mas ainda levarão alguns anos para se consolidarem. Eu vejo um futuro com as variedades transgênicas de cana-de-açúcar, cuja tecnologia tem o potencial de mudar os paradigmas de rendimento agrícola – toneladas de cana produzidas por hectare, para níveis muito mais altos que os atuais, reduzindo o custo unitário de produção para toda a cadeia de forma substancial”, destaca o sócio-diretor da Sucrotec.
Além de acreditar numa indústria com uma melhor matéria-prima, plantada e colhida com tecnologias mais evoluídas e menos onerosas, ele vê a cogeração como um instrumento de melhora da rentabilidade e atratividade do setor, principalmente quando os equipamentos, técnicas de captura e utilização da palha da cana-de-açúcar se mostrarem mais bem resolvidos em termos de custo e operacionalidade.
Para Paulo Dédalo, engenheiro mecânico e consultor industrial da Viva Engenharia, a indústria do futuro será muito automatizada. “Sem dúvida as automações serão a bola do momento para explorar as tendências, processos e tecnologias. Materiais autorreparáveis e autolimpantes integrarão os processos e as manutenções serão pró-ativas. A tecnologia digital empregada na indústria irá interagir com o homem de maneira mais intuitiva e rápida, e a impressora 3D modificará muita coisa na indústria.”
Gallo diz que esperar que a indústria do futuro tenha eficiência máxima é utópico, mas diz que as indústrias deverão buscar ter os melhores patamares possíveis, levando os equipamentos industriais a operarem próximos às suas especificações originais de projeto. Para isso, é preciso melhorar a operação destes equipamentos, buscando os melhores resultados com os menores consumos de insumos e matérias-primas. “Automatizar a operação destes equipamentos é um passo fundamental, mas é preciso que se estabeleçam os padrões mínimos de produtividade desejada, com o estabelecimento claro de KPIs (Indicadores chave de processo), comparáveis a outras plantas similares, para efeitos de benchmarking – e aí entram as boas práticas de gestão.”
Ainda de acordo com ele, para que a indústria tenha máxima eficiência é preciso resolver os grandes desafios da agrícola, como aumentar a produtividade dos canaviais tanto em termos de quantidade de cana por hectare, quanto em rendimento das plantações em teor de sacarose e, além disto, reduzir o consumo de água e aumentar a resistência dos canaviais às pragas biológicas que afetam sobremaneira a produção.
Para Oliveira, além de melhorias de processos existe um fator muito importante que é o fator humano. Nos últimos anos vem ocorrendo um fenômeno nas indústrias chamado turnover ou alta rotatividade de profissionais. “Mas o que isso tem a ver com melhorias de eficiência? A nossa indústria ainda não possui um nível adequado de maturidade e isso é refletivo na falta de procedimentos registrados de processo. Com a alta rotatividade de profissionais ocorre a perda dos ativos intelectuais e com a falta de registro, a perda dos procedimentos das melhores práticas de processo. A indústria do futuro ideal certamente terá maior preocupação com a taxa de turnover, que deve ser constantemente analisada e avaliada, pois seus impactos são diretos na produtividade e nas eficiências dos processos.”
A usina do futuro, segundo Fernandes, deverá ser aquela com capacidade de processar eficientemente qualquer tipo de cana, tenha ela 20% de ART e 12% de fibra ou 10% de ART e 25% de fibra, como a cana energia, durante 330 dias consecutivos, e que seja capaz de produzir diretamente açúcar branco de 50 ICU de cor, sem necessidade de refinação, através de ultrafiltração. Simultaneamente, ela deve ser capaz de processar vinhos com teor alcoólico mínimo de 15° GL, adotando as boas práticas das cervejarias, como por exemplo, uso intensivo de água gelada. Também deverá contar com processos eficientes de destilação-concentração de vinhaça integrado-desidratação, adotando técnicas mais modernas, como por exemplo, a pervaporação. No que concerne à geração e exportação de energia elétrica, a usina do futuro deverá produzir 200 kW por t de cana e exportar 170 kW por t cana, processando o bagaço e a palha disponível da cana.
“Para alcançarmos tal usina num futuro próximo, é imprescindível aumentar expressivamente os investimentos em P&D e que haja uma mudança de postura dos diretores e gerentes, para que pensem constantemente ‘fora da caixa’, aceitem desafios e recusem o desestimulante ‘não dá para fazer, nunca foi tentado’. Alguém acha que estes resultados são utopia? Dê uma olhada para os últimos 15-20 anos e relembre o patamar que estava nossa agroindústria e onde ela se encontra hoje. Tínhamos perdas de 20% do açúcar processado e hoje estamos em 10%. Eficiências dos sonhos? Perdas máximas de 5% na indústria! Possível? Sim, mas somente com incremento em P&D e a formação de um dream team de pesquisadores, como nos áureos tempos do Proálcool”, conclui o gerente da Fourteam.
Além do modelo de moenda utilizado pelas usinas, Rodrigues aponta outros gaps a serem resolvidos:
– Matéria-prima: cana crua sem impurezas vegetais e minerais;
– Limpeza de cana a seco: atingir um nível de separação total da matéria estranha não inferior a 85%, no curto prazo, e de não menos de 90% no médio prazo;
– Preparo: somente um desfibrador de alimentação vertical, pesado, com martelos utilizando cabeças postiças de carboneto de tungstênio, vida útil não inferior a 600 mil t de cana e índice de preparo não inferior a 90%;
– Primeiro terno: provido de Continuous Pressure Feeder, com extração de caldo de 78% a 82%;
– Embebição: com taxa não inferior a 250% fibra, controlada pelo brix do caldo misto, que deve ser da ordem de 13,5%. (A moenda não pode mais ser penalizada pela incapacidade dos engenheiros de processo em encontrar soluções custo-efetivas, confiáveis, de alta disponibilidade e mantenabilidade para o aquecimento do caldo, a evaporação e o cozimento do açúcar);
– Número de ternos: não mais do que cinco ternos, sendo o primeiro e o quinto providos de Continuous Pressure Feeder e os demais ternos com dois rolos, providos de dispositivos de controle de reabsorção.;
– Extração da bateria: maior que 96,5%, para uma cana de pol não inferior a 14,2%, e fibra na ordem de 12,5%;
– Máxima umidade do bagaço em 50% e máxima pol do bagaço de 1,9%;
– Moagens horárias: as mesmas obtidas pelas bitolas atualmente disponíveis.