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Irrigação por gotejamento em cana: qual é o payback?

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Com a valorização dos produtos da cana-de-açúcar no mercado, o retorno do investimento neste tipo de sistema de irrigação pode ser ainda maior

Por Natália Cherubin

O Brasil possui quase 10 milhões de hectares plantados com cana-de- açúcar, dos quais aproximadamente 50% estão localizados no Estado de São Paulo, hoje o maior produtor de cana do Brasil.

Mesmo acumulando a maior produção, usinas e produtores de cana ainda resistem a adoção da irrigação como ferramenta tecnológica de manutenção e aumento de produtividade, como é o caso do sistema de gotejamento.

O setor sucroenergético ainda tem como paradigma que na região Centro-Sul as chuvas são regulares, no entanto, conforme observado nas últimas décadas e principalmente nos últimos dois anos, houve uma mudança na distribuição pluviométrica, com chuvas mais intensas, porém, também mais concentradas.

De acordo com o engenheiro agrônomo e especialista da Netafim, Daniel Pedroso, isso, junto a expansão do setor canavieiro para novas áreas como oeste paulista, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso, onde os solos possuem baixa capacidade de armazenamento de água, essa concentração de chuvas vem impactando negativamente a produtividade agrícola.

O setor vem se deparando nos últimos anos com mudanças climáticas nos períodos de chuvas, e com a ocorrência constante de veranicos cada vez mais acentuados, o que levou os canaviais a grandes quedas de produtividade, que chegam a até 30%.

“A irrigação é uma ferramenta essencial para a manutenção ou até mesmo aumento da produtividade. E, mesmo com a hipótese de que na região Centro-Sul a distribuição continue regular, a pergunta é: quais os meses que normalmente chove? A normal climatológica aponta que os meses de chuvas são de novembro à março e que após isso há um período normal de estiagem. Essa ‘normalidade’ impacta muito nos canaviais de meio a final de safra, quando ocorre um decréscimo da produtividade média, pois a planta passa de 6 a 7 meses pela seca. Sendo assim, a irrigação também se torna essencial para essa cana”, argumenta Pedroso.

Ainda de acordo com o especialista, tanto em regiões de expansão onde há maior déficit hídrico, como nas regiões tradicionais, a irrigação é um insumo fundamental para atingir altas produtividades nos canaviais.

“Mas antes de pensar em adotar o sistema de gotejamento, o setor tem que entender que a água da irrigação é um insumo de produção e não simplesmente um substituto para as chuvas”, adiciona Pedroso.

De acordo com estudos, hoje 98% da irrigação do Estado de São Paulo, por exemplo, é realizada por aspersão com uso do canhão em salvamento (entre 60 – 120 mm) e com a vinhaça (fertirrigação), ou seja, essa irrigação acaba sendo realizada apenas no início da safra e não no final, momento onde há maior necessidade de água, o que gera a queda na produtividade.

“Algumas unidades produtoras, com visão empreendedora e estratégica, já estão procurando quebrar esse paradigma e demonstrar ao setor que sim, é possível irrigar cana-de-açúcar com novas tecnologias e obter além de produtividade, retorno econômico”, destaca Pedroso.

Tanto em regiões de expansão onde há maior déficit hídrico, como nas regiões tradicionais, a irrigação pode ser um insumo fundamental para atingir altas produtividades nos canaviais (Foto/Divulgação: Netafim)

 Gotejamento em cana: um caro que se paga

Hoje, um sistema de gotejamento custa em torno de R$ 20 mil reais por hectare. O custo da tecnologia muitas vezes pode parecer caro e desestimular investimentos por parte de usinas e produtores de cana que não tem noção do pay back (retorno do investimento) da tecnologia.

“Entendo que caro é tudo aquilo que não se paga. O sistema de gotejamento pode até ter o maior custo inicial (Capex), mas é um sistema de irrigação que apresenta o menor Opex do mercado, por volta de R$ 3,00 a 3,50 por mm aplicado, o que dá por volta de R$ 1.500,00 por ha/ano”, explica Pedroso.

Muito além do custo de implementação, o sistema de gotejamento, além de aumentar, em média, entre 50% a 60% a produtividade dos canaviais, ainda proporciona maior longevidade da lavoura, que chega a 12 anos sem necessidade de reforma.

“Isso reduz os custos da usina ou produtor, se considerarmos que hoje uma reforma custa em torno de R$ 12 mil por ha. Além disso, com o gotejamento obtém-se aumento da TAH (tonelada de açúcar por hectare), além da redução de custos de produção em R$/tonelada produzida, incrementando a cogeração de energia, reduzindo a necessidade de arrendamento de novas áreas, reduzindo os custos no CTT e ainda propiciando uma maior pontuação no Renovabio”, salienta Pedroso.

Nos custos atuais, de 2021/22, em que temos os tratos culturais bem caros, uma produtividade média baixa – próxima a 67 t/ha – e aumento do valor da terra, ou seja, nesse novo cenário de custos, em quantos anos se daria o payback de uma cana irrigada com gotejo X a cana de sequeiro?

A resposta surpreende. De acordo com Pedroso, em média o payback fica próximo dos 3,5 anos, nas condições históricas de preços. No entanto, diante dos valores atuais dos preço dos produtos, os custos caem ainda mais, ficando por volta de 2,5 a 3 anos.

Mas e o incremento médio de produtividade da cana? Dados da Netafim, empresa fabricante de sistemas de gotejamento, mostram que o aumento na produtividade pode chegar a 60% no Centro-Sul do país, chegando a 70% na região Nordeste, por exemplo, em canas de primeiro corte.

Em canas de segundo corte, a produtividade pode ter um salto de 78% na região Centro-Sul. Em canas de terceiro e quarto corte, também no Centro-Sul, dados da companhia mostram um incremento de produtividade de 88%, caindo para 80% em canaviais de quinto corte. No Nordeste, que possui regiões onde o déficit hídrico é maior, os ganhos de TCH em canas de quinto corte chegam a 107% (Veja o gráfico).

“Além dos ganhos observados na irrigação com uso de água, o uso de vinhaça via sistema de gotejamento também pode reduzir custos de produção. O uso do sistema para produção de mudas de cana nos primeiros anos, já que a venda da muda equivale a 1,5 x o valor da cana na indústria, é outro fator que pode reduzir o tempo do payback”, adiciona Pedroso.

Como fazer a conta do payback?

A análise de payback normalmente realizada no setor considera o quanto que a irrigação aumenta na produtividade de um hectare. A partir daí se faz uma conversão da “cana a mais” em R$/ha/ano para comparar com o investimento por hectare da irrigação e saber em quantos anos há o payback, ou seja, o retorno do investimento

Ricardo Pinto, consultor e diretor da RPA – consultoria especializada em análise econômico-financeira para a implantação de irrigação em cana-de-açúcar – não faz uso desta metodologia porque nela se faz o uso do preço da cana considerando o Consecana como se fosse uma cana comprada e, normalmente a cana de fornecedor custa menos do que a cana própria produzida pelas usinas, o que deixa esta análise subdimensionada do ponto de vista do fluxo de caixa da usina para produzir a cana irrigada.

Na metodologia utilizada pela consultoria, é realizado um fluxo de caixa projetado para os próximos anos (por exemplo, 8 anos) de um ciclo da cana irrigada, que é comparada ao mesmo período considerando a cana de sequeiro, que pode dar seis anos de um ciclo e mais dois anos do ciclo seguinte.

Depois desse passo, é feito um comparativo com o custo médio de produção nestes oito anos da cana irrigada X a cana de sequeiro. A diferença de custo por tonelada multiplicada pela maior produção por hectare da cana irrigada neste período de 8 anos, mostrará a quantidade de dinheiro a ser usada no cálculo do payback da irrigação.

De acordo com o diretor da RPA Consultoria, como os números em cada ano (em cada corte) são diferentes, é possível saber exatamente em qual corte haverá o retorno do investimento em irrigação.

“Hoje, ainda existe uma crença errada de que os canaviais irrigados não passam de 20% de ganho na produtividade agrícola em relação ao sequeiro. Esse mito acontece porque algumas unidades adotam o sistema, mas não o executam da melhor forma possível. Com isso, acabam não conseguindo usufruir dos benefícios da irrigação”, adiciona Ricardo.

Canavial com gotejo na Usina Japungu tem média de 108 t/ha

A Usina Japungu, localizada na Paraíba, iniciou a irrigação de cana em 1993. Hoje dos 26 mil hectares da unidade, aproximadamente 23 mil hectares são irrigados. A irrigação por salvamento é feita via aspersão. Já os pivôs central fixo e rebocável, são usados para irrigação complementar. A irrigação plena é realizada com o sistema de gotejamento em uma área que, até abril de 2022, chegará a 6.200 hectares.

O payback atingido pela Japungu neste sistema de irrigação é de aproximadamente 3 anos. E a conta é simples, de acordo com o diretor da Usina Japungu, José Bolivar, que tem parte do seu canavial chegando em seu 13° corte.

“Estou chegando com uma cana de 100 t/ha no 13° corte. A média nos últimos 12 cortes dessa área foi de 106 t/ ha. É uma cana que vai moída no final da safra. Então é como se estivéssemos moendo uma cana de setembro no Centro-Sul”, explica Bolivar.

A expectativa é que esse canavial chegue em 16 cortes. Com isso, a Japungu deixou de ter custos com pelo menos duas renovações. “Essa cana cortada em final de safra dá, historicamente, 43 t/ha em sequeiro. O delta é muito grande porque é uma cana de final de safra, que produz menos, então eu tenho um ganho de produtividade na minha região, onde os solos são muito pobres e o regime climático instável, muito grande. Sair de 43 para 106 t/ha é um ganho muito grande, economizando em duas renovações ainda”, destacou.

Para o diretor da Japungu, produtores da região Centro-Sul podem sim pensar na irrigação por gotejo, principalmente para canaviais de final de safra. “Para isso, é preciso fazer uma avaliação de quanto dá a TCH da cana de final de safra. Se essa cana produzir 60 t/ha, com certeza o produtor ou usina vai se dar bem com o gotejo. A única questão importante a ser observada é com relação aos contratos de arrendamento de terra, que são curtos, de cinco a seis anos. Para instalar o gotejo nestas áreas, o produtor ou usina tem que pensar que esse canavial poderá chegar em até 16 cortes. Então, se a irrigação for ser feita em terra de terceiros, o contrato de arrendamento tem que ser longo, de no mínimo 20 anos. Vale a pena fazer um estudo e avaliar”, disse.

Na safra passada 2020/21, a Japungu atingiu uma média de 108 t/ha nas áreas de gotejo. Diante disso, a expectativa é saltar dos atuais 6.200 mil hectares para 8 mil hectares irrigados com sistema de gotejo.

“Um dos pontos importantes do gotejo é que qualquer tecnologia usada em conjunto com a irrigação neste sistema funciona muito melhor do que no sistema de sequeiro. O gotejo é como se fosse um cateter na veia de um paciente, ou seja, é como colocar o remédio na veia [raiz] ao invés de tomar pela boca. Qualquer tecnologia vai funcionar melhor com o gotejo do que no sistema de sequeiro. Essa é uma vantagem muito importante”, salienta Bolivar, que complementa dizendo que seu controle de pragas de solo como cupim e mesmo a broca gigante da cana, melhoraram muito com a irrigação por gotejamento.

Além dos ganhos como redução de custos com renovação de canaviais, a Japungu tem reduzido custos em CTT (Corte, Transbordamento e Transporte) também.

“Barateio meu CTT, porque a colhedora vai colher muito mais cana-de-açúcar. Se minha área está perto da usina, que é o ideal, mais ainda. Passo a ter uma estabilidade maior de safra, sem grandes variações. Tenho um melhor aproveitamento da água também com a maior eficiência na absorção pela planta. Hoje, tentamos suprir pelo menos 85% da necessidade de água da planta”, revela o diretor da Japungu à RPAnews.

O grande desafio, entretanto, de acordo com ele, tem sido o entupimento dos tubos gotejadores. “Com maior seca e água mais suja, tivemos esse problema. Tem que fazer assepsia bem feita, pois é uma irrigação que exige muito cuidado. Tenho, nos últimos dois anos, tido muitos problemas de entupimento que, se não for bem cuidado, podem causar perdas de produtividade”, apontou.

Equipe da Netafim em canavial irrigado (Foto/Divulgação: Netafim)

Bevap deve expandir gotejamento

Com um regime de chuvas de 1200 mm na média dos últimos 20 anos, a Bevap, localizada em João Pinheiro, noroeste de Minas Gerais, que na safra 2021/22 moeu cerca de 2,9 milhões de t de cana, tem a maior área de cana irrigada do mundo. São quase 30 mil hectares irrigados, entre áreas próprias e áreas de fornecedores.

Os projetos de irrigação, que permitiram a Bevap um salto de 1000% na produtividade em relação a 2010, fazem uso de sistemas de pivôs central, rebocável e linear, irrigação por salvamento com o uso de hidro roll e gotejamento.

Os primeiros projetos de gotejamento iniciaram-se na safra 2016/17 e foram se expandindo com o tempo. Hoje a Bevap está em seu décimo projeto, com aproximadamente 1.524 hectares irrigados e em seu planejamento estratégico, de acordo com Patrick Campos, Gestor Operacional de Irrigação da Bevap, a ideia é continuar substituindo áreas de irrigação de salvamento por projetos de gotejamento, podendo chegar a quase 6 mil hectares.

As áreas de sequeiro da usina que atingiam 70 t de cana por ha, saltaram para até 180 t de cana por hectare no sistema de gotejamento. As primeiras áreas de cana irrigada via gotejo, cerca de 600 hectares, que hoje estão indo para o 5° corte estão atingindo 140 t/ha.

“Acreditamos que na hora em que essa cana chegar a 120 t por ha, estaremos no seu 12° ou 13° corte, quando talvez seja a hora de fazer a reforma. Em áreas de pivô já fizemos reformas em canaviais de 11° e 12° cortes com 95 t de cana por ha”, revela Campos.

Antes de decidir investimentos em projetos de irrigação e, independentemente de ser cana de sequeiro, salvamento, pivô ou mesmo gotejamento, a Bevap procura fazer um estudo de análise financeira com base no aumento de produtividade de açúcar, etanol, ou seja, dos produtos finais, e faz também o Opex.

“São feitos comparativos das tecnologias. E o gotejo acaba se sobressaindo porque a produtividade que este sistema proporciona é muito maior. Fazemos uma simulação comparando as produtividades de cana por sistema de irrigação. A expectativa é que vá entregar, no mínimo, 20 t de cana a mais e uma longevidade maior também. Uma cana de salvamento, por exemplo, vai de dar de cinco a seis cortes, uma cana de pivô vai me dar de oito a nove cortes, já uma cana de gotejo, no mínimo, 12 cortes”, explica o Gestor Operacional de Irrigação da Bevap.

Dos estudos até agora feitos pela Bevap, o payback do gotejamento tem sido em torno de três anos. E diante da seca de 2021, o retorno financeiro ficou ainda mais evidente. As poucas áreas de sequeiro ou de salvamento com hidro roll da Bevap acabaram sofrendo perdas severas de produtividade em função da estiagem, o que não aconteceu com as áreas irrigadas via sistema de gotejo.

A perda de produção total da companhia atingiu apenas 5%, enquanto em outras usinas da região, as quebras chegaram a quase 20%.

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