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Edição 196

Tecnologia Agrícola – Agricultura de precisão no setor e seus desafios

Publicado

em

Alisson Henrique
Natália Cherubin

Novas tecnologias em máquinas, insumos, implementos e novas metodologias para preparo, plantio e colheita foram e continuam sendo imprescindíveis para o desenvolvimento e evolução da cultura da cana-de-açúcar. No entanto, o uso do gerenciamento agrícola baseado na variação espacial e temporal da produção – a chamada Agricultura de Precisão (AP) – tem sido uma das ferramentas mais importantes para a otimização dos recursos da produção agrícola (como máquinas, operadores, uso de terra e insumos) e aumento da lucratividade e produtividade.

Apesar de haver a impressão de que o avanço e expansão do uso de ferramentas de AP estar acontecendo de maneira mais lenta no setor sucroenergético – situação provocada pela falta de capacidade de investimento de muitas unidades e produtores – do que em outras culturas, como em grãos, estas tecnologias hoje já são vistas pelo setor como o melhor caminho para ganho de eficiência, produtividade e redução de custos.

Otávio Queiroz, supervisor de Originação e Agricultura de Precisão da Usina Cerradão, diz que a sensação de maior lentidão na expansão da AP no setor talvez tenha ocorrido porque grande parte dos fornecedores ainda encontram dificuldades devido a tecnologia ter um custo elevado. “Outra diferença que causa distância entre os grãos e a cana no uso de AP acontece devido à dificuldade de conseguirmos o mapa de produtividade dos canaviais, tão necessário para o conhecimento das lavouras, tomada de decisão e aplicação de insumos em taxa variável com base na informação da produção, zona de manejo, entre outros. Vários estudos e tecnologias estão sendo testadas, mas ainda não temos estes equipamentos sendo utilizados em larga escala”, conta.

Otávio Queiroz, supervisor de Originação e Agricultura de Precisão da Usina Cerradão

Otávio Queiroz, supervisor de Originação e Agricultura de Precisão da Usina Cerradão

Paulo de Araújo Rodrigues, produtor e sócio-diretor do Condomínio Agrícola Santa Izabel, concorda. Para ele, a demora para a expansão do uso de algumas tecnologias de AP ocorre por duas razões. Uma delas é a falta de capacidade de investimentos do setor nos últimos anos e a outra diz respeito as próprias tecnologias, que para o setor canavieiro não tem o mesmo grau de desenvolvimento. “Por exemplo, temos uma tecnologia para fazer o reconhecimento de ervas daninhas que funciona muito bem na cultura da soja, mas que não se aplica em cana-de-açúcar.”

Para Alex Fogaça, gerente do Departamento de Manutenção Agrícola da Usina da Pedra, como a cultura canavieira é muito particular, fica difícil fazer comparações com relação a AP. Afinal, em grãos os equipamentos que entram na lavoura para plantio, tratos e colheita têm uma faixa de trabalho muito grande. Já na lavoura da cana, na maioria das operações, há necessidade de passarem em todas as ruas e, em função disso, as tecnologias de controle de tráfego são prioridade. “Além disso, nas culturas anuais a eficiência de nutrição é um fator mais crítico, visto que são lavouras que possuem 120 dias do plantio à colheita. Tais fatos direcionaram as técnicas de AP para cada segmento em caminhos diferentes”, observa.

GANHOS REAIS NO SETOR CANAVIEIRO

Atualmente existe uma grande variedade de tecnologias que podem ser empregues nos canaviais, com distintos objetivos para melhor explorar a gestão na agroindústria. Entre algumas iniciativas, destacam-se o monitoramento e acompanhamento do campo por meio de imagens de câmeras, satélites, drones/vants, a coleta de dados a partir de sensores e dispositivos conectados no campo (quando há conectividade no campo), a localização de pessoas e equipamentos agrícolas por meio de Beacons e RFID, bem como outras estratégias que têm sido exploradas por empresas de tecnologia direcionadas ao segmento do agronegócio.

Os investimentos em tecnologias e inovações para computadores de bordo e pilotos automáticos são necessários, revelam os especialistas, visto que, atualmente, os equipamentos agrícolas são responsáveis pela geração de grande volume de dados que podem apoiar análises futuras do campo e das operações realizadas. Entretanto, ainda é preciso explorar abordagens, arquiteturas e infraestruturas que viabilizem a extração e o acompanhamento dos dados em tempo real ou com baixa diferença temporal entre o tempo de geração de dados no campo e a sua chegada ao escritório para análise e tomada de decisões. Hoje, na cultura de grãos, o avanço é maior frente à adoção em distintos processos (plantio, manejo e colheita), sobretudo em manejo, onde a pressão por eficiência (mitigação do risco fitossanitário) e custos são mais presentes.

Fogaça destaca que atualmente, na Usina da Pedra, a atividade de plantio faz uso do piloto automático em 100% da área ao mesmo tempo em que é feito o uso de mapeamento e análise de falhas com vants. “Via tratamento de imagens de satélite temos uma análise da massa verde do nosso canavial, o que serve como ferramenta para ações de estimativas de produtividade, controle de pragas e ervas daninhas. Na colheita, iniciamos o uso do piloto e mapa de colheitabilidade. O monitoramento online na micrologística das frentes de trabalho também traz grande retorno a atividade”, revela.

O foco da Usina da Pedra está no aumento de eficiência das aplicações de insumos de tratos culturais e preparo de solo, não deixando de observar sempre o que já está consolidado. “Como o fluxo de informações e tecnologias renova-se a cada dia, se não acompanhamos essa velocidade, corre-se o risco de alguma tecnologia ultrapassar a atual e tornar-se obsoleta em alguma atividade”, acrescenta.

Mario Ortiz Gandini, diretor Agrícola da São Martinho, revela que a empresa vem trabalhando, juntamente com o Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Jaboticabal, para aprimorar o uso da agricultura de precisão na companhia ao longo dos últimos anos. “Estamos usando tecnologia de amostragem de solos e fazendo estudos de densidade amostral. Hoje temos aplicativos que já fotografam e apresentam uma série de informações sobre o solo simplesmente por conta da cor que ele reflete. O uso de aplicação de insumos em taxas variáveis também já está bastante difundido e consolidado, inclusive na maioria das usinas que conhecemos.”

A Usina São Martinho, uma das pioneiras no uso da Agricultura de Precisão, trabalha ainda com o sensoriamento remoto através de satélite, que tem como benefício, segundo Gandini, a maior agilidade nas operações. “Através das imagens, mapeamos a área e fazemos a aplicação dos inseticidas somente naqueles locais onde esses insetos estão presentes. O sensoriamento remoto é realizado por radar e drones – no caso dos radares, usa-se a altitude do local e através dessa altitude conseguimos traçar o mapa de relevo, planejando todo o trabalho que vai ser feito nessas áreas diretamente do escritório. Gastamos muito tempo planejando tudo, mais isso nos traz uma assertividade incomparável”, revela.

No que tange a AP, os drones para mapeamento e identificação de falhas estão em grande evidência na Raízen, destacando características das áreas que antes não eram possíveis de serem investigadas. “Os drones permitem ainda o monitoramento de vazão para aplicações de insumos de forma mais controlada e monitorada. São tecnologias que possibilitam um gerenciamento mais preciso da produção, evitando desperdícios”, comenta Fernando Benvenuti, gerente Corporativo de Engenharia Agrícola e Geotecnologias da Raízen.

O mapeamento da fertilidade utilizando a amostragem do solo localizada e aplicação em taxa variada de corretivos como calcário, gesso, fósforo são técnicas que estão sendo usadas na Biosev. “Com base nos mapas de recomendação, os corretivos para fertilidade de solo (como calcário, gesso, fósforo) são aplicados em taxa variada, ou seja, doses adequadas para cada nível de fertilidade, deixando a área mais uniforme, com maior potencial produtivo e com a possibilidade de redução da dose média aplicada, impactando positivamente em custos. Com essa estratégia, temos observado uma redução na aplicação de corretivos de 5% a 10%, considerando como um resultado indireto, uma vez que o principal objetivo é a melhor distribuição dos insumos”, conta Carlos Daniel Berro Filho, diretor Agrícola da Biosev.

Para Queiroz, da Usina Cerradão, algumas tecnologias têm se destacado. Ele destaca o piloto automático, que evita o pisoteio de soqueira e viabiliza o tráfego controlado em várias operações, além dos projetos embarcados, que viabilizam a organização das informações e facilitam as operações; os drones/vants, que auxiliam no levantamento de falhas e de ervas daninhas; e equipamentos que recebem informações com variabilidade espacial e alternam as doses de acordo com a recomendação para o local específico.

Para Guillermo Perez-Iturbe, diretor Comercial para a América Latina da divisão de Agricultura da Trimble, não há nenhuma dúvida que o piloto automático seja uma das principais tecnologias da AP utilizadas pelo setor. “Hoje existem operações que possibilitam o uso de correções de sinal, mantendo uma excelente precisão com receptibilidade. Temos também visto uma procura crescente pelos controladores para taxa fixa ou variável para todos os tipos de insumos. A interpretação de imagens aéreas é algo que tem aumentado, acompanhando a popularização dos vants e imagens de satélites.”

Quando tratamos de informação de precisão o que mais se tem implementado, afirma Mario Arias Martinez, diretor Comercial da Trimble, é o uso dos computadores de bordo com integração imediata aos sistemas de controle, processo já em uso na grande parte das usinas de maior porte. “Quanto aos fornecedores ainda observamos sua utilização de maneira insipiente. O maior ganho no uso desta tecnologia é garantir a precisão no apontamento das operações e principalmente a rapidez no processamento e geração de informações permitindo que as intervenções possam ocorrer em tempo real, corrigindo os desvios durante o processo, aumentando a produtividade e diminuindo custos”, complementa.

O diretor Agrícola da São Martinho destaca que o piloto automático, uma tecnologia que hoje parece simples, teve um período de implantação bastante trabalhosa. A companhia, que durante muito tempo trabalhou parcialmente com a tecnologia, hoje tem 100% das suas linhas georeferenciadas e a maioria das operações já sendo operadas através do piloto automático. 

“Os benefícios que isso traz para a cultura da cana são inestimáveis. Nós temos uma cultura que tem de remover em média 100 mil quilos de produto por hectare. Isso, todo ano. Se comparado a grãos, que remove de três a cinco mil, o trânsito na nossa área tem um efeito muito mais danoso. Sendo assim, a organização desse trânsito através do piloto automático tem nos trazido benefícios muito grandes em produtividade e longevidade dos canaviais”, adiciona.

Uma evolução ainda maior do uso do piloto automático deve vir com o advento de colhedoras de duas linhas, acredita Gandini. “Ao invés de 50% da área reservada para a cana nós vamos ter 75%. Nós já estamos começando a trabalhar neste sentido em busca de reservar 75% da área para o canavial.”

DRONES: A TECNOLOGIA DO MOMENTO

Com a realização de pesquisas e projetos junto aos produtores rurais, é possível desenvolver soluções específicas para cada cultivo. Se na produção de arroz é relevante realizar o entaipamento a partir das curvas de nível, na cana-de-açúcar o essencial é identificar as falhas lineares e, assim, poder tomar decisões assertivas em um curto período de tempo.

Em termos de inovação tecnológica, Lucas Bastos, engenheiro mecânico e chefe de Operações da Horus Aeronavesexplica que os vants, popularmente conhecidos como drones, são a tecnologia do momento. “O setor sucroalcooleiro foi um dos primeiros a adotá-los para monitorar canaviais e planejar as soluções para as plantas. O uso desses equipamentos em campo está indo além do monitoramento. Os produtos topográficos obtidos na coleta de imagens hoje facilitam a implementação de novas áreas de cultivo e reformas de talhões, por exemplo.”

Ao sobrevoar uma área, o drone registra imagens sequenciais da região de interesse, com câmeras RGB ou multiespectrais. Após o processamento das fotografias, pode-se aplicar diversos índices de vegetação, capazes de orientar os produtores rurais a tomar decisões acerca da saúde da vegetação, qualidade do solo, nutrição, pragas etc. “Além disso, com a tecnologia de precisão geográfica RTK/PPK é possível gerar arquivos de shape files para o piloto automático dos tratores e a aplicação de algoritmos inteligentes de análises de imagem, permitindo a identificação automatizada de linhas e falhas de plantio,” destaca Bastos.

Estima-se que agilidade e a precisão na coleta de dados dos vants contribui para que as usinas de cana possam aprimorar a qualidade e a produtividade de sua matéria-prima em até 20%. “Com o uso da tecnologia dos drones na agricultura, o produtor tem maior autonomia, praticidade, segurança, economia, tomada de decisões estratégicas e assertivas em seu trabalho”, adiciona.

DESAFIOS: MÃO DE OBRA E TECNOLOGIAS

Não somente na agroindústria, como em outros segmentos, a tecnologia tem contribuído para acelerar a criação e a evolução de novos produtos, tanto de hardwares como equipamentos agrícolas, computadores de bordo e sensores que podem ser conectados às fazendas, com uso de softwares por meio de soluções mais inteligentes, intuitivas e integradas. No entanto, de nada adianta tecnologia sem a capacidade técnica para manuseá-la. Para Gustavo Libardi, especialista em Agricultura de Precisão da Yara Brasil, o setor precisa evoluir em relação à mão de obra, que deve ser qualificada e capaz de lidar com tecnologia por parte dos produtores, além de assistência técnica qualificada e presente por parte das fabricantes das tecnologias.

Na mesma linha de pensamento o diretor Agrícola da Biosev, explica que diante das dificuldades operacionais, a gestão de pessoas e a formação de equipes de alto desempenho é um dos maiores desafios para o setor sucroalcooleiro. Ele revela que a Biosev vem trabalhando nesse item baseando-se em programas de gestão de desempenho e desenvolvimento de talentos. “Investimentos em treinamentos operacionais estão sendo feitos para elevar o nível de capacitação das equipes de campo para que o máximo resultado possa ser extraído dos ativos da companhia.”

De acordo com Guillermo Perez-Iturbe, diretor Comercial para a América Latina da divisão de Agricultura da Trimble, há uma procura crescente pelos controladores para taxa fixa ou variável para todos os tipos de insumos e a interpretação de imagens aéreas, acompanhando a popularização dos vants e imagens de satélitesO supervisor de Originação e Agricultura de Precisão da Usina Cerradão acrescenta que além da mão de obra, o pós-venda também é um gargalo. “O que acontece muito em AP é que se consegue vender a ideia ou o equipamento, mas não há um acompanhamento do funcionamento da tecnologia no campo pelos vendedores, onde ou o equipamento entra em desuso ou fica com o uso limitado em relação ao potencial que poderia ser desenvolvido”, critica.

Por conta da complexidade e necessidade de um conjunto de informações, a questão da confecção da ‘Zona de Manejo’ é um dos grandes desafios para o setor canavieiro. “Se bem trabalhada, essa tecnologia pode gerar ganhos, entre eles o de conhecer, nos detalhes, o seu canavial, cruzando várias informações coletadas no campo, explorando ao máximo seu potencial e tratando ele de uma forma heterogênea”, observa Queiroz.

Algumas tecnologias ainda são pouco exploradas. Entre elas os já citados mapas de fertilidade do solo e aplicações de insumos em taxa variada. “Essas ferramentas, portanto, ajudariam o setor a melhorar o ambiente produtivo de forma certeira, aumentando o potencial produtivo destas áreas e aperfeiçoando o manejo da fertilidade dos solos para o pleno desenvolvimento do canavial. A cultura da cana expandiu-se muito ao longo dos anos, principalmente em áreas de ambientes mais restritivos”, opina o gerente Corporativo de Engenharia Agrícola e Geotecnologias da Raízen.

Segundo ele, o setor necessita de ferramentas e implementos adaptados à cultura. As tecnologias de AP historicamente nasceram e evoluíram dentro da cultura de grãos, por se tratarem de commodities plantadas mundialmente. “Neste contexto, o setor sucroenergético precisa de desenvolvimento específico para a cana, criando condições de aplicação em campo práticas e de custo acessível”, completa.

Conforme a agricultura de precisão vai se ‘culturalizando’, os percalços operacionais vão sendo mitigados, entretanto, de acordo com Fogaça, o Brasil, de forma geral, possui um problema grande relacionado a comunicação e transferência de dados, o que seria uma barreira a mobilidade das atividades. “Até o momento não existem soluções robustas e viáveis e isso é deve ser visto com atenção pelo setor”, conclui.

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