Edição 192
Tecnologia Agrícola – Cana Transgenica
MESMO COM APROVAÇÃO QUASE QUE UNÂNIME DOS MEMBROS DA CTNBIO, OS AUTORES DOS TRÊS VOTOS CONTRA A LIBERAÇÃO APONTAM LACUNAS A RESPEITO DOS POTENCIAIS EFEITOS QUE A CANA GENETICAMENTE MODIFICADA PODERIA TER SOBRE HUMANOS E OUTROS ORGANISMOS VIVOS
A corrida parece finalmente ter chegado ao fim para o CTC (Centro de Tecnologia Canavieira). Assim como se previa ao final de 2014, a comercialização da cana geneticamente modificada está cada dia mais próxima da realidade. Na manhã do dia oito de junho, a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), aprovou a liberação comercial da primeira cana transgênica.
A votação para a aprovação da nova variedade, batizada de CTC 20 Bt e que tem como característica a resistência à broca da cana (Diatraea saccharalis), principal praga que ameaça a cultura, terminou com 15 votos favoráveis e três contrários.
Os três votos contrários são de um representante do Ministério do Meio Ambiente e de dois outros especialistas em meio ambiente e agricultura familiar, que vêm analisando os estudos apresentados pelo CTC desde o final de dezembro de 2015, quando foi protocolado o pedido de liberação. De acordo com estes especialistas, assim como os demais organismos geneticamente modificados aprovados pela CTN
Bio, as pesquisas com a cana tem falhas e estariam longe de atender às regras do órgão, criado para auxiliar o governo federal nas questões de biossegurança dos transgênicos.
Eles apontam que nos estudos apresentados pelo CTC há lacunas quanto aos potenciais efeitos sobre organismos que não são o alvo das toxinas da planta modificada, aos animais e humanos que consumirem a cana in natura, e o risco dessas novas espécies virem a prevalecer sobre as espécies silvestres a partir dos cruzamentos entre ambas. Como a maioria das cachaças e o caldo de cana são produzidos com variedades silvestres, se houvesse algum problema, estes produtos poderiam sofrer algum impacto. Mas será que estas afirmações seriam contundentes? Entramos em contato com o CTC e CTNBio, e os questionamos sobre todas os pontos destacados pelos especialistas contrários a liberação.
REBATENDO OSVOTOS CONTRÁRIOS
Os principais pontos negativos sobre a pesquisa e desenvolvimento da cana transgênica foram apontados por um dos integrantes da CTNBio e professor do Departamento de Ecologia da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Valério De Patta Pillar, que por meio de um parecer, pediu urgência da comissão para correção das deficiências em experimentos de avaliação do risco ambiental e ausência de testes estatísticos, de avaliações dos efeitos do consumo desta variedade de cana por humanos e animais domésticos. Ainda segundo o professor, faltam dados sobre a frequência com que ocorre o cruzamento da variedade com outras variedades selvagens, bem como sobre as espécies avaliadas, as técnicas utilizadas e os efeitos resultantes.
“Em vez disso, o CTC se limitou a buscar na literatura científica estudos realizados por outros grupos de pesquisa de diversos países, sob o argumento de haver ‘um histórico de cinco séculos de cultivo seguro da cana-de-açúcar no país, sem qualquer relato de aparecimento de populações híbridas de cana e espécies silvestres”, chegou a afirmar Pillar em parecer.
Em resposta às críticas de Pillar, o CTC afirmou, em entrevista exclusiva à RPAnews, que a CTNBio é um órgão multicolegiado onde as decisões são tomadas por maioria simples do quórum qualificado. Sendo assim, como o relatório de avaliação de biossegurança da cana geneticamente modificada foi aprovado pela maioria dos membros, a CTNBio avaliou que o relatório não apresentou deficiências.
Em relação às colocações do professor Valério de Patta Pilar, o CTC ressalta que:
• Todos os estudos do relatório de biossegurança da cana transgênica empregaram as análises estatísticas que são usuais na área de avaliação de risco de OGMs (Organismos Genéticamente Modificados;
• Não é usual, nem recomendado, que se façam estudos de consumo de OGMs por humanos por uma questão de ética;
• O relatório de biossegurança da cana transgênica apresentou uma grande quantidade de resultados de estudos com animais (vacas, alinhas, peixes, etc) alimentados com as proteínas presentes na cana transgênica. Essas proteínas têm sido utilizadas na alimentação animal por um longo período (mais de 20 anos), sem relatos de efeitos prejudiciais;
• O CTC demonstrou que a cana transgênica apresenta baixíssimo florescimento na região recomendada para seu cultivo. Além disso, durante a audiência pública da cana transgênica promovida pela CTNBio em outubro de 2016, esse assunto foi amplamente discutido e foram apresentados resultados que demonstram que essas espécies selvagens não são de polinização aberta. Portanto, a CTNBio concluiu que não existe possibilidade de cruzamento da cana transgênica com variedades selvagens.
DA PESQUISA A LIBERAÇÃO
O CTC iniciou a pesquisa e o desenvolvimento da Cana Bt há mais de sete anos e, em dezembro de 2015, submeteu os estudos necessários para aprovação na CTNBio. De acordo com a entidade, esta aprovação da cana Bt é uma grande conquista do CTC e do setor sucroenergético nacional. “Efetivamente podemos falar de plantio e não de testes. A CTNBio considerou a Cana Bt segura sob os aspectos ambiental e de saúde humana e animal usando padrões aceitos internacionalmente. A liberação contempla não somente a cana, mas também todos os produtos derivados para utilização e consumo humano e animal. Após a conclusão do processo e registro da nova variedade, o CTC iniciará o processo de distribuição que contará com uma equipe dedicada ao apoio dos produtores no plantio e monitoramento da variedade.” |
Outro ponto apontado pelo professor da UFRGS é que durante a fase de testes, não teriam sido usadas armadilhas adequadas para a coleta de lepidópteros, classe de insetos que inclui mariposas, borboletas e traças – em cujo ciclo de vida de uma delas está a broca. Segundo ele, nenhum lepidóptero teria sido coletado e, em compensação, teriam sido coletadas dezenas de outros tipos sem relevância para a pesquisa. “Isso não justifica a omissão da avaliação exigida pela própria CTNBio e demonstra clara violação do princípio da precaução, que estabelece que quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada”, afirmou Pillar em documento.
Com relação a esta afirmação, o CTC responde que o estudo de impacto em organismos não alvo utilizou as técnicas (tipos de armadilhas) usualmente empregadas nesse tipo de ensaio. Vários organismos não alvo foram coletados, como joaninhas, formigas predadoras, besouros etc, no entanto, nenhum impacto prejudicial da cana-de-açúcar transgênica sobre esses organismos foi detectado.
“O CTC utilizou armadilhas de cartelas adesivas para captura de insetos alados tais como lepidópteros (mariposas e borboletas) citados. De fato, não houve detecção de tais insetos nos ensaios de campo. Isso não significa que houve falha no estudo e sim que tais insetos não estavam presentes nos campos ensaiados. É importante notar que canaviais são ambientes agrícolas que não oferecem alimentação para lepidópteros não alvo da tecnologia”, endossou o CTC.
O presidente da Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural), ex-integrante da CTNBio, agrônomo, ambientalista e um dos autores do livro “Lavouras Transgênicas – Riscos e Incertezas”, Leonardo Melgarejo, afirmou que nos campos de cana, a carga de toxina inseticida Cry1Ab será 20 vezes superior ao que já ocorre nas lavouras de milho transgênico. Essa carga monumental, segundo o ambientalista, ameaçaria de forma inédita os lepidópteros, trazendo grande preocupação a todos quanto aos danos ambientais.
Segundo o CTC, o conhecimento da proteína Cry1Ab não levanta preocupação quanto a possíveis danos ambientais. “É importante ressaltar que a proteína Cry1Ab só é efetiva quando consumida por lagartas de insetos da ordem Lepidóptera, ou seja, por insetos praga alvo da tecnologia tais como a broca da cana. Borboletas e mariposas que porventura voem pelos canaviais não entrarão em contato com a proteína e, portanto, não serão afetadas de forma alguma”, garante.
O parecer protocolado por Pillar ainda em dezembro de 2015, não teria chegado a ser debatido pelos demais membros da CTNBio, que foi procurado pela RPAnews e também respondeu as afirmações com uma nota via assessoria de comunicação.
“A finalidade da CTNBio é prestar apoio técnico-consultivo e assessoramento ao governo federal para formular, atualizar e implementar a Política Nacional de Biossegurança. Segundo normativos, em especial, o Art. 35 do Regimento Interno, bem como Art.15 a 18 da Resolução Normativa 05/08 que versa sobre a liberação comercial de OGM, os processos de liberação comercial de OGM e seus derivados serão submetidos a todas as Subcomissões Setoriais Permanentes e será garantido prazo de 90 dias a cada uma das Subcomissões para análise e elaboração de pareceres, podendo ser estendido por no máximo igual período por decisão do plenário da CTNBio. Assim, muito embora o prazo regulamentar seja de 180 dias ao todo, o processo de liberação comercial da cana-de- açúcar tramitou por 17 meses na CTNBio, ou seja, durante um ano e cinco meses. Agora, a liberação da cana-de-açúcar segue para registro e avaliação do Ministério da Agricultura”, afirma trecho da nota.
A CTNBio ainda afirmou que acompanha o desenvolvimento dessa tecnologia desde as etapas de pesquisa em regime de contenção, testes em contenção e controlados em estufas. E que, a partir de 2013, vem analisando e autorizando testes controlados a campo nas seguintes localidades: Paranavaí (PR), Piracicaba, Jaboticabal e Conchal (SP), Uberlândia (MG) e Montividiu (GO).
“Todo o processo de decisão foi construído com extremo cuidado, incluindo a realização de audiência pública em 06 de outubro de 2016, cuja programação foi feita de forma democrática e transparente com a participação de todo o plenário da comissão e participação da sociedade na audiência”, concluiu em nota, sem responder as afirmações dos ambientalistas.
CUSTO POR HECTARE
A cana transgênica vai custar para os produtores cerca de R$ 350 por ha por ano, uma diferença de aproximadamente R$ 100 das variedades convencionais oferecidas pelo CTC e uma diferença de R$ 320, se comparada as variedades convencionais RB que custam, segundo fontes de usinas e fornecedores, R$ 30 por ha. |
ANOS DE PESQUISA
O CTC iniciou a pesquisa e o desenvolvimento da Cana Bt há mais de sete anos e, em dezembro de 2015, submeteu os estudos necessários para aprovação na CTNBio. De acordo com a entidade, esta aprovação da cana Bt é uma grande conquista do CTC e do setor sucroenergético nacional.
“Efetivamente podemos falar de plantio e não de testes. A CTNBio considerou a Cana Bt segura sob os aspectos ambiental e de saúde humana e animal usando padrões aceitos internacionalmente. A liberação contempla não somente a cana, mas também todos os produtos derivados para utilização e consumo humano e animal. Após a conclusão do processo e registro da nova variedade, o CTC iniciará o processo de distribuição que contará com uma equipe dedicada ao apoio dos produtores no plantio e monitoramento da variedade.”
Após a aprovação final e registro da variedade geneticamente modificada (Cana Bt), o CTC irá trabalhar junto aos produtores iniciando o processo de distribuição de mudas e monitorando o plantio. O processo de propagação será similar ao de introdução de uma variedade convencional, com a cana dos primeiros anos sendo usada para expansão da área plantada e não para a produção de açúcar e etanol. Este processo está alinhado com o cronograma de obtenção das aprovações internacionais do açúcar produzido a partir da cana GM. “A cana Bt será inicialmente utilizada como muda tal como ocorre com qualquer nova variedade convencional que venha a ser comercializada, pois é o processo normal de introdução de novas cultivares conhecido como multiplicação.”
Serão distribuídas mudas para plantio de aproximadamente 400 ha e a variedade poderá ser cultivada em toda a região Centro-Sul do Brasil, em solos de alta a média fertilidade.
“A eficiência das operações com a cultivar GM será maior. A cana Bt provê um controle efetivo da broca-da-cana durante todo o ciclo da cultura, da emergência à colheita, ou seja, 24 horas por dia/7 dias por semana/365 dias por ano. Assim, as aplicações de inseticidas ou liberação de predadores da broca são significativamente minimizadas, com grande economia no uso de equipamentos, água, combustível, inseticidas e outros agentes de controle, descarte de embalagens, e no tempo empregado para levantamentos e a gestão logística das operações de controle.”
GANHOS PARA O SETOR
Segundo o CTC, os resultados dos ensaios de campo têm sido altamente positivos, a nova variedade apresenta alta resistência à broca da cana quando comparada a cultivares convencionais. Isso se reflete em menor perda de produtividade, menor utilização de defensivos químicos e maior qualidade de matéria-prima para obtenção de açúcar e álcool.
Estudos técnico-científicos com diferentes variedades de cana-de-açúcar revelaram que, a cada 1% de intensidade de infestação da broca, as perdas são em média de 1,21% a 2,9% na produtividade agrícola de colmos, e na indústria reduzem a produção de açúcar em 0,38% e a de etanol em 0,27%.
O índice de infestação é variável, pois depende da região onde a usina está localizada e do manejo utilizado no controle da broca. Para um potencial de intensidade de infestação natural de broca da cana entre 10% e 20%, as usinas possuem infestação residual, que é aquela obtida após utilização de algum método de controle, cuja média atualmente está entre 3 e 4%. As perdas agrícola e industrial decorrentes desta infestação residual de broca, somadas aos custos dos métodos de controle, representam uma perda econômica da ordem de aproximadamente R$ 5 bilhões por ano ao setor sucroenergético.
“A proteção fornecida pela Cana Bt irá reduzir significativamente tais perdas, fornecendo uma produtividade final maior que a cana convencional. O gene Bt (Bacillus thuringiensis) é amplamente utilizado na agricultura há mais de 20 anos nos principais países produtores do mundo, incluindo o Brasil, em culturas como soja, milho, algodão, entre outras. Inúmeros estudos demonstraram produtividade superior dos cultivos Bt quando comparados aos convencionais, o que comprova-se, na prática, pela alta velocidade de adoção e enormes áreas cultivadas nas culturas que já adotaram a tecnologia.”
O início da comercialização desta cana vai depender da aprovação do CNBS (Conselho Nacional de Biossegurança), o qual deve avaliar os aspectos socioeconômicos da nova variedade, que deverá custar para o produtor, segundo o CTC, R$ 350 por ha por ano, cerca de R$100 a mais do que uma variedade convencional CTC, que custa entre R$ 100 a R$ 275 por ha.
“Durante o período de multiplicação a Cana Bt trará grandes benefícios pela ausência de entrenós danificados pela broca aumentando o número de gemas viáveis, o que resulta em significativa economia de muda e melhor stand do canavial devido a menor probabilidade de infecção dos rebolos por microrganismos do solo”, finaliza o CTC