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Edição 183

Tecnologia Agrícola – Como estruturar um bom projeto de recolhimento de palha

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Nos últimos anos muita coisa aconteceu no setor sucroenergético e a primeira transformação ocorrida dentro do cenário da indústria estabelecida após o Proálcool foi a introdução da colheita mecanizada. Esta mudança ocorreu em um intervalo de 20 anos, visto que a colheita mecânica sem queima iniciou-se em 1986 e a estabilização do crescimento foi obtido na segunda metade da década passada.

*Marcelo de Almeida Pierossi

*Jorge Luis Donzelli

A introdução da colheita trouxe muitos problemas ao setor e o custo do aprendizado foi alto, porém serviu como modelo para a segunda grande transformação na produção agrícola: a mecanização do plantio. Mecanização esta que surgiu dentro do contexto de modernização das usinas, demandando menor mão de obra itinerante. A terceira e mais recente transformação ainda se encontra em um ponto onde temos algumas certezas e muitas dúvidas, que é o aproveitamento da palha de cana-de-açúcar, seja para geração de energia ou como matéria-prima para produção de etanol de 2ª geração.

Este ambiente de certezas e dúvidas claramente tem dois principais vetores: o vetor tecnologia e o vetor político. As certezas claramente estão relacionadas com o desenvolvimento de tecnologias agrícolas e agronômicas para a utilização sustentável da palha, enquanto que as dúvidas têm no vetor político e regulatório a sua origem.

O desenvolvimento ocorrido nos últimos 15 anos com relação ao aproveitamento de resíduos da colheita de cana, seja pela rota do transporte da palha junto com a cana picada, através da diminuição da capacidade de limpeza da colhedora chamada a partir de agora de limpeza parcial, seja pela rota do enfardamento, mostraram desenvolvimento tecnológico e encontram-se estabelecidas de forma madura no setor. São opções atualmente utilizadas por algumas usinas e a sua escolha ocorre devido às especificidades de cada unidade, que, entretanto, encontra barreiras à ampla utilização da palha.

Os projetos relacionados à utilização da palha para geração de energia adicional não mostram viabilidade devido à falta de uma política bem definida para a geração de energia a partir de biomassa, assim como os projetos de etanol celulósico ainda encontram problemas tecnológicos para uma plena utilização desta biomassa adicional.

RECOLHIMENTO PARCIAL X ENFARDAMENTO

As duas rotas têm características diferentes e na rota de recolhimento baseada em limpeza parcial diminui-se a rotação dos ventiladores e consequentemente a sua capacidade de limpeza, fazendo com que uma maior quantidade de impurezas vegetais seja adicionada à carga de cana, valores entre 10% a 15%. Esta maior quantidade de palha atrapalha o processo industrial e deve ser separada na chamada Estação de Limpeza a Seco, onde a palha será separada dos colmos logo na entrada do processo industrial através de ventilação. Já o enfardamento, ocorre de 7 a 10 dias após a colheita da cana picada, quando se recolhe a palha mais seca com umidades em torno de 15% com a seguinte sequência de operações: aleiramento, enfardamento, recolhimento dos fardos, carregamento e transporte dos fardos até a usina e o seu processamento na unidade industrial.

Os principais problemas enfrentados pelos usuários atuais da rota da limpeza parcial é o alto custo de transporte, em virtude da diminuição da densidade da mistura palha-cana picada, e a eficiência da estação de limpeza a seco, que é muito baixa em alguns modelos e que tem uma ampla variação de acordo com à umidade da palha.

Com relação ao enfardamento, os principais problemas são o manuseio de muitos fardos (fardos de 500 kg apenas), que exige a introdução de uma nova colheita, e o maior de todos, a quantidade de terra incorporada ao fardo no processo. Como nova opção ao recolhimento de palha, a forrageira autopropelida está sendo introduzida e não existem dados ainda para a determinação de sua viabilidade.

Outras dificuldades que apareceram na utilização da palha são relativas às questões agronômicas que podem ser resumidas em duas grandes frentes:

• Palha como fonte de receita agrícola direta;

• Palha como um componente que influi na produtividade agrícola.

Nos dois casos há geração de valor e necessidade de discussão mais profunda de benefícios e perdas relacionadas ao processo. Mas, sob o ponto de vista da utilização da palha como fonte de receita agrícola direta há o desdobramento de quantificar quanta palha deve ser recolhida. Se o valor econômico da utilização final compensar, haveria uma tendência natural de recolher-se o máximo possível de material, pois a outra ponta (geração de energia elétrica e E2G) pagaria a conta de todos os outros benefícios agronômicos.

Agora, um olhar mais atento à realidade do campo, observando-se as tecnologias disponíveis para recolhimento da palha, nota-se que nesta alternativa é possível embutir a segunda opção da palha como um componente da produtividade agrícola. De fato há um limite físico para a operação de recolhimento que faz um balanço entre quantidade de material recolhido e a quantidade de impurezas minerais que influenciam sua utilização. Assim, diversos estudos da quantidade ideal de palha que pode ser recolhida sem a perda dos benefícios agronômicos (vantagens e desvantagens) têm sido realizados. Manechini et al, (2000) e Bellinaso et al, (2015) reportam que as quantidades ideais de palha a serem deixadas no campo podem variar de acordo com a produtividade (estágio de corte), variedade, região climática e tipo de solo (ambiente edafoclimático).

Levantamentos da quantidade ideal de palha a ser recolhida em cada ambiente edafoclimático (Figura 1) podem ser realizados. Simulações destes valores mostram que a viabilidade técnica de projetos de utilização de palha dependem da quantidade gerada (Tabela 1). Unidades localizadas em regiões de ambientes (solos) predominantemente mais fracos deverão observar o balanço entre o benefício da manutenção da palha e a geração de valor direto.

COMO DEFINIR UM PROJETO DE APROVEITAMENTO DE PALHA

Com um olhar mais atento à realidade do campo, observando-se as tecnologias disponíveis para recolhimento da palha, nota-se que é possível embutir a palha como um componente da produtividade agrícola

Considerando-se o cenário atual e analisando o passado, aproveitando as experiências com a colheita e do plantio mecanizados, existe um potencial de redução de custos e melhoria da qualidade da operação devido à curva de aprendizado que se encontra em estágio inicial e do ganho de escala, conforme as unidades aumentem a quantidade de palha aproveitada. Entretanto, em virtude da complexidade dos projetos de biomassa criamos uma metodologia de avaliação qualitativa e quantitativa que pode ajudar o processo de tomada de decisão. A metodologia é baseada em seis fatores:

1) Suprimento de biomassa: Prever a quantidade de palha recolhida durante a operação e a garantia deste suprimento, evitando problemas operacionais para a unidade industrial.

2) Operações agrícolas: Definição da melhor forma de recolhimento da palha no campo, considerando-se a quantidade de palha a ser recolhida e sua distribuição geográfica. Esta variável deve contemplar o custo agrícola de recolhimento.

3) Processamento industrial: Definição das operações unitárias necessárias para recepção e processamento da palha, considerando-se a escala do projeto em função da quantidade de palha a ser processada. Esta variável deve contemplar o custo de processamento industrial.

4) Qualidade da matéria-prima: Avaliação simples da umidade, poder calorífico e quantidade de terra presente na palha recolhida.

5) Armazenamento: Definição da estratégia de armazenamento considerando local de armazenamento, quantidade a ser armazenada e seu período. Devem ser estimados também os custos e riscos desta operação.

6) Investimento: Quantificação de todos os investimentos necessários para o projeto.

Estas seis variáveis deverão ser avaliadas para definição da estrutura do projeto de aproveitamento da palha.

Os autores acreditam que somente o desenvolvimento de equipamentos e sistemas projetados especificamente para o aproveitamento da palha de cana poderão trazer maior viabilidade econômica ao processo

Visto isso, o que então esperar para o futuro do recolhimento da palha de cana? O recolhimento de palha até então foi baseado em duas soluções adaptadas. A primeira veio da produção de feno e forragem, e a segunda, aproveita a estrutura da atual colheita mecanizada de cana. Assim, os desenvolvimentos realizados por fabricantes e instituições de pesquisa visaram inovações incrementais que trazem benefícios também incrementais, por isso, somente o desenvolvimento de equipamentos e sistemas projetados especificamente para o aproveitamento da palha de cana poderão trazer maior viabilidade econômica ao processo.

*Marcelo de Almeida Pierossi é diretor da AgroPerforma Consultoria Agrícola

*Jorge Luis Donzelli é diretor da DZLL Planejamento & Consultoria em Cana-de-Açúcar

Diante das opções tecnológicas existentes no mercado, os autores desenvolveram uma metodologia de avaliação qualitativa e quantitativa que pode ajudar no processo de tomada de decisão das usinas que desejam recolher palha com mais eficiência e menor custo

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