Edição 196
Tecnologia Agrícola – Da NA56-79 à RB867515
*Hideto Arizono
A variedade NA56-79 foi a mais cultivada no Estado de São Paulo na década de 80, tendo atingido cerca de 50% da área cultivada na época. Em sequência alcançaram o topo de mais cultivada a SP70-1143, SP71-6163, RB72454, SP81-3250 e, atualmente, a RB867515. As consequências fitopatológicas dessa sucessão e/ou as alterações no ambiente fitopatológico, que gerou necessidade da substituição durante quase meio século, pode nos dar lições importantes.
A primeira distribuição de mudas da NA56-79 foi realizada em 1972 pela Estação Experimental de Cana-de-açúcar de Araras, SP, pertencente ao IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool). Ainda não havia o IAA-Planalsucar (Plano Nacional de Melhoramento da Cana-de-açúcar) que viria a ser criado no final daquele ano, e que na década de 90, depois de extinto o IAA, transformou-se na Ridesa. Quando se iniciava a expansão da NA56-79 a variedade mais cultivada no Estado de São Paulo era a CB41-76, enquanto que no Brasil a CB45-3 era a predominante.
No Estado de São Paulo a CB45-3 havia sido condenada e seu plantio havia sido proibido devido à suscetibilidade ao carvão. Havia a Comissão do Carvão coordenada pelo Instituto Biológico de São Paulo com participação de representantes dos programas de melhoramento e dos produtores. De toda cana moída em SP era recolhido um valor que repassado à essa Comissão tinha por fim custear os testes de resistência/suscetibilidade e principalmente a fiscalização e erradicação das variedades proibidas por essa Comissão do Carvão. As decisões dessa Comissão eram publicadas no Diário Oficial do Estado de São Paulo e tinham força de lei.
Nesse cenário, quando se encontrava um chicote de carvão muita preocupação era gerada. O chicote junto com a touceira era arrancado, embalado em saco plástico para ser queimado na caldeira. A doença era temida por perdas que já tinha causado, mas sobretudo porque a variedade condenada deveria ser erradicada, com todos os prejuízos para o produtor de cana. O objetivo era a exclusão da doença.
A NA56-79, de reação intermediária, nem suscetível nem resistente ao carvão, foi liberada por essa Comissão. Era muito mais precoce que a CB41-76, maior teor de sacarose no pico de maturação, maior produtividade em socas e maior longevidade. A área cultivada pela NA56-79 cresceu muito rapidamente. No final da década de 70 surgiu o Proálcool que resultou em grande expansão da lavoura da cana, quando o plantio da NA56-79 se fez também em solos de menor fertilidade mais propícios à doença e com mudas já altamente infectadas com o carvão. Por outro lado, à medida que a área crescia diminuía a da CB41-76.
O cultivo da NA56-79 diminuiu a ocorrência de mosaico nos canaviais paulistas. Antes dela havia variedades suscetíveis à essa doença, apesar da metade da área ser ocupada com a CB41-76, altamente resistente. Essas, CB40-13, Co740, Co413, CB46-47, que ocupavam baixo percentual de cultivo, somavam considerável proporção e foram rapidamente substituídas pela NA56-79, mais produtiva e menos suscetível ao mosaico.
No final da década 80, a NA56-79, já bastante debilitada por ser cultivada em ambientes estressantes, propiciou intenso ataque do carvão e posteriormente da ferrugem marrom. Nessas condições foi substituída pela SP70-1143 e pela SP71-6163. Mais tarde a SP70-1143 foi descartada pela suscetibilidade à ferrugem marrom e a SP71-6163 devido ao amarelinho, abrindo espaço para RB72454.
A RB72454 que sucedeu a SP71-6163 foi preterida por não suportar a colheita mecanizada, e foi definitivamente descartada com a chegada da ferrugem alaranjada, assim como foi SP81-3250. Em quase meio século, das variedades campeãs, apenas a CB41-76 foi substituída quando ainda apresentava a produtividade igual à de quando iniciou sua expansão. São fatos que validam a afirmativa: a maioria (não todas) das grandes variedades foi e será substituída devido a doenças.
O que podemos aprender com estes fatos? A primeira grande lição é que as variedades mais cultivadas são as que determinam a importância das doenças naquele período. Para que uma doença se torne importante, basta que haja significativas e contíguas áreas de variedades suscetíveis e/ou moderadamente suscetíveis (“nem-nem”) cultivadas em ambiente favorável ao patógeno. A NA56-79 sozinha ofereceu 50% dos canaviais paulistas para o crescimento do carvão e também reduziu de 50% para zero a área da CB41-76, altamente resistente ao carvão. Culminou no descarte da NA56-79.
Os fatos se repetem
Nesses últimos anos acontece redução da área da RB867515 e praticamente erradicou-se a SP81-3250, ambas altamente resistentes ao carvão, como era a CB41-76! Concomitante, há variedades suscetíveis ou moderadamente suscetíveis ao carvão crescendo rapidamente. Estamos trocando o problema da podridão de topo da RB867515 e ferrugem alaranjada da SP81-3250 pelo carvão! Produtores da região Oeste Paulista são os mais ameaçados. Para o carvão, a RB92579, RB966928, SP83-2847, RB975952 e CTC9003 são todas iguais: “nem-nem”.
Com alto potencial de inóculo em ambiente favorável à doença, há um imenso campo para crescimento da doença. A soma dessas totaliza cerca de 25% da área cultivada atual (com tendência de crescimento) que é cerca de duas vezes maior que a área da NA56-79 na década de 80. Não basta cultivar maior número de variedades, é preciso não somar a área das suscetíveis (e nem-nem) a cada doença.
Com a substituição da SP81-3250, SP83-2847, RB855536, RB855453, RB867515, todas resistentes ao mosaico, e a expansão de algumas novas variedades “nem-nem” observa-se o recrudescimento dessa doença. Voltou a ser doença importante em algumas regiões. Em folhas de plantas que perderam parte dos cloroplastos, destruídos pelo vírus que é sistêmico na planta, aplicam-se fungicidas e nutrientes! Na década de 90, quando se alertava para o problema do mosaico na PO88-62 com menos de 5% de infecção, vinha logo a resposta: “mesmo com mosaico ela produz mais que outras”! Em poucos anos chegou a 100% e a produtividade decaiu muito. Não é só doença nova e importada que “quebra” a produtividade. Essa quebra só repercute nas mídias quando é generalizado entre as unidades, pois se é restrita, evita-se a divulgação.
As doenças só diminuem de importância quando os programas de melhoramento têm sucesso em obter variedades novas resistentes e produtivas. A alta resistência da SP70-1143 que ocupou 25% da área cultivada minimizou a epidemia de carvão que desenvolveu-se com a NA56-79. A exitosa seleção de variedades resistentes ao mosaico na década de 80 e 90 minimizou a importância do mosaico a ponto de, hoje, muitos jovens agrônomos não reconhecerem os sintomas e, por isso, subestimarem seu potencial de dano.
MPB
Deve-se alertar que com a adoção da muda pré-brotada combinada com a Meiosi, que amplifica exponencialmente a taxa de propagação, um hectare de viveiro básico fora dos padrões de sanidade pode resultar, em 18 meses, em um grande foco (até 1.000 ha) de doença propagada na muda. Nas linhas de Meiosi a dificuldade de roguing é muito maior. A probabilidade de ocorrer focos de doenças é perigosamente alto! E se acontecer em meio a variedades nem-nem, a partir do foco pode haver grande disseminação.
Na busca de mudas sadias pode haver aumento de doenças. A principal doença foco das pré-brotadas, o raquitismo, volta aos níveis pré-tratamento em poucas multiplicações, assim como a bactéria causadora da escaldadura das folhas. Elas sobrevivem ao tratamento térmico e ou cultura de meristema. Além disso, esses tratamentos na muda tornam as plantas mais suscetíveis a infecções das outras doenças por uma ou duas gerações.
Nas mudas pré-brotadas a possibilidade de posteriormente rastrear até a origem da muda básica (talhão em soca), de onde foram retiradas as gemas, é uma qualidade intrínseca e importante da muda. Caso se depare com doenças nas plantas de pré-brotadas, será possível discernir se veio na muda ou se é infecção pós-transplantio. Também é possível que as plantas sejam infectadas na casa de vegetação e pátio de endurecimento das mudas.
Para essas variedades “nem-nem”, a qualquer doença o zelo dos produtores (todos, não isoladamente) em manter viveiros de muda em baixo nível de contaminação será determinante na vida útil (um ciclo, dois ciclos?) de cada variedade. A recompensa será maior produtividade e talvez, um terceiro ciclo sem royalty.
Não é plantando demais que se perde uma variedade precocemente por doença (CB41-76 é a prova), mas sim porque em uma variedade “nem-nem” ela própria multiplica o patógeno que lhe é adaptada e que depois lhe será fatal, como foi com a NA56-79. Está acontecendo com a RB867515, cada vez mais atacada pela podridão de topo.
Ouve-se lamúrias porque não há tão bem estruturadas instituições de pesquisa e assistência aos produtores como houvera entre 1970 até 1990 (IAA-Planalsucar, Copersucar), mas as lições aprendidas a duras penas tendem a ser esquecidas.
Essas variedades, nem resistentes nem suscetíveis às doenças seguem inexoravelmente ao descarte. Esse breve histórico sustenta essa afirmativa, tanto mais rápido quanto menor o zelo pela sanidade. O tempo entre a necessidade de substituir e de realizar será determinante na perda de produtividade. Mas, as escolhas das substitutas também envolvem riscos.
* Hideto Arizono é biólogo, mestre, doutor em Agronomia e especialista em Genética e Melhoramento de Plantas pela Esalq. Hoje é consultor em Manejo de Variedades para usinas no PR, MS, SP e MG.
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