Edição 195
Tecnologia Agrícola – Preparo profundo do solo: bom ou ruim para a cana?
Mesmo após alguns anos e com casos de sucesso, este método de preparo de solo divide opiniões. Segundo especialistas, ele pode ser benéfico, mas também pode se tornar um grande problema para a lavoura de cana-de-açúcar
Natália Cherubin
Ao longo dos últimos anos, o aumento da compactação do solo nas áreas canavieiras, causado principalmente pelo intenso tráfego de máquinas e implementos no campo – decorrentes da mecanização da colheita – vem causando uma série de impactos no crescimento e desenvolvimento radicular dos canaviais.
Uma das ações que vem sendo implementadas por algumas usinas e produtores de cana ao longo dos últimos anos é o preparo profundo de solo, que tem como finalidade romper as camadas mais compactadas em profundidade de 60 cm a 80 cm, proporcionando uma maior penetração de água da chuva, com menor corrimento superficial, e aprofundamento do sistema radicular da cana, resultando em maior absorção de água, nutrientes e aumento da produtividade dos canaviais. Como a técnica vem sendo aplicada mais intensamente há pouco mais de cinco anos – depois do surgimento de implementos específicos para esta operação – o assunto continua polêmico, pois apesar de comprovados os seus benefícios à lavoura, dependendo da área, o preparo profundo pode virar um grande problema para a produção de cana. Então como saber em quais áreas este tipo de preparo de solo pode ser realizado?
Primariamente é importante saber qual é o tipo de solo onde se encontra a cana, pois as características físicas (textura, teor de argila, areia, umidade, impedimento físico etc) ajudarão na determinação do preparo mais adequado. De acordo com o executivo e engenheiro agrônomo Marco Lorenzzo Cunali Ripoli, atualmente são empregados diversos tipos de preparo e cada usina ou produtor aplica as sequências de operações que acreditam serem as mais adequadas. “Escolhe-se o melhor método buscando atender ao nível de compactação do solo e também de incorporar a matéria orgânica (palha) remanescente da colheita, no caso de cana soca.”
Segundo Isabella Clerici De Maria, pesquisadora do IAC (Instituto Agronômico), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo e os pesquisadores da APTA (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios), André Cesar Vitti, Raffaella Rossetto e Wellingthon Júnior, na escolha do preparo do solo para cada lavoura o objetivo deve ser trabalhar ou revolver a superfície o mínimo possível e se as condições permitirem, o ideal é que seja feito o plantio direto.
“A melhor técnica e o melhor preparo do solo estão associados com a época, com o tipo de solo e com o objetivo que se pretende: incorporar corretivos (eliminar impedimentos químicos) e resíduos, eliminar camadas compactadas (melhorar aeração, trocas gasosas e infiltração de água), expor pragas de solo e adequar o terreno (sistematizar)”, afirmam os pesquisadores do IAC/APTA.
O preparo do solo é importante por seu efeito na longevidade dos canaviais. Se as operações realizadas resultarem em formação ou manutenção de camadas compactadas, principalmente em subsuperfície, essa compactação pode ser agravada em menor tempo resultando na necessidade de reforma do canavial.
Segundo os pesquisadores do IAC/APTA, no solo bem preparado não há impedimentos, quer sejam de natureza química (incorporação adequada dos corretivos), física (elimina a compactação favorecendo também a infiltração) e/ou biológica (expõem as pragas do solo diminuindo a população). “O preparo permite o aprofundamento do sistema radicular e favorece a infiltração melhorando a água disponível para as plantas, o que consequentemente resulta em maiores produtividades e longevidade dos canaviais. Outro ponto é que elimina plantas daninhas e inviabiliza a germinação de suas sementes.”
O engenheiro agrônomo e consultor da Canassit Assessoria em Sistematização para Cana-de-açúcar, Armene Conde, adiciona que durante a reforma do canavial uma descompactação eficiente deve ser feita para eliminar a camada compactada, principalmente nas linhas da cultura. “O sistema radicular da cana explora grande volume de solo pela sua arquitetura peculiar, com três tipos de raízes: 1) raízes aerotróficas: que se desenvolvem na camada superficial do solo e sob a palha da colheita em busca de nutrientes (exploram até 40 cm de profundidade e representam de 50 a 60% de todo o sistema radicular da cultura; 2) raízes suporte: que tem função de dar sustentação física aos colmos da cultura e ficam na posição de 45º até a profundidade de 30 a 50 cm; 3) raízes cordão: que desenvolvem-se na vertical, atingindo profundidades acima de 3 m dependendo do solo. Portanto, o perfil do solo não deve ter restrição química e física para a boa formação do novo canavial. A presença de matéria orgânica também é muito importante”, explica Conde.
BOM OU RUIM?
O equipamento que faz o preparo profundo – que teve como origem o Penta, fabricado pela Mafes – é um subsolador com uma haste que trabalha a uma profundidade efetiva de 80 cm, com uma caixa para aplicação de corretivos e adubos em profundidade, uma enxada rotativa destorroadora que incorpora insumos a 30-40 cm de profundidade, e um aleirador, que conduz a palha restante da colheita da cana-de-açúcar no sentido da haste e da enxada rotativa, com o intuito de incorporá-la ao solo.
“Quando falamos preparo profundo, subentende-se o preparo canteirizado feito com implemento dotado de hastes que mobilizam o solo a uma profundidade de 60 a 80 cm e com enxada rotativa para destorroamento da camada superficial do solo. O termo preparo canteirizado é devido ao formato final que lembra um canteiro de hortaliças. As hastes destes implementos trabalham de 50 a 80 cm de profundidade dependendo do fabricante”, afirma Conde, que diz ser contra o preparo profundo de solo.
“Na minha opinião nunca se deve fazer o preparo profundo. Um estudo realizado por mais de 30 anos pelo CTC (Centro de Tecnologia Canavieira), onde foi feita uma análise da densidade de solo em trincheiras, concluiu que a camada de solo compactada pela mecanização da cultura não ultrapassa 40 cm de profundidade, sendo assim, trabalhar o solo a uma profundidade maior para descompactar não é necessário”, opina.
De acordo com Conde, quando se trabalha o solo a uma profundidade maior do que a compactação há uma redução da sua densidade, o que é prejudicial para a cultura e para a vida microbiana do solo, porque aumenta a aeração e a taxa de evaporação de água. “As raízes precisam encontrar um pouco de resistência à penetração no solo para melhorar o contato e assim efetuar absorção de água, exsudação e absorção de nutrientes. A redução da densidade de solo a níveis muito baixos a uma profundidade acima de 60 cm durante o plantio, aumenta a dificuldade operacional. Durante a colheita quando o transbordo passa sobre esta faixa ocorre o afundamento da soqueira, aumentando as perdas e danos para a colheita da próxima safra.”
Os pesquisadores do IAC/APTA defendem a ideia de que a decisão de aplicar ou não o preparo profundo dependerá das condições do solo. Para eles, como o objetivo do manejo deve ser a redução máxima do preparo do solo, considerando intensidade de mobilização, superfície mobilizada e profundidade da camada mobilizada, o preparo em profundidade deve ser realizado apenas quando houver necessidade, seja para criar um ambiente adequado para as raízes, seja para aumentar a infiltração de água no solo.
“Quanto mais intenso o preparo e maior a superfície preparada, mais o solo estará suscetível à erosão, principalmente se for realizado em desnível. Além disso, em alguns solos a resposta ao preparo profundo não é favorável. A desvantagem do preparo profundo associado à enxada rotativa é fragmentar a estrutura do solo, produzindo agregados pequenos e partículas soltas que caminham em profundidade obstruindo poros importantes para a respiração das raízes e movimentação da água no solo. Isso pode resultar em compactação em profundidade, que é de mais difícil recuperação”, destacam.
Ainda de acordo com os pesquisadores do IAC/APTA, o preparo profundo com a canteirização e o controle de tráfego associados resultam em menor superfície trabalhada; favorecem a infiltração de água; oferecem melhor incorporação dos resíduos e corretivos com a rotativa; em uma única operação deixam o solo pronto para o plantio; e ainda melhoram as condições para maior crescimento das raízes.
“Como pontos negativos destacamos que o preparo profundo exige tratores de alta potência (maiores investimentos); pode causar aumento da lixiviação na região trabalhada devido ao aumento da VIB; causa maior risco de erosão se for feito em desnível devido à concentração da enxurrada na faixa preparada; e é limitado e indicado apenas para alguns tipos de solo. Além disso, os canteiros com preparo profundo apresentam uma baixa capacidade de suporte de carga e exigem o controle de tráfego para que não ocorra compactação adicional”, salientam os pesquisadores.
Para Ripoli, o preparo de solo mais adequado para cultura de cana-de-açúcar, independentemente do tipo de solo, deve atingir no máximo a profundidade de 45 a 50 cm e deve ser localizado, pois a maior massa radicular das plantas está até esta profundidade.
“Quanto mais profundo o preparo, maior o esforço necessário para a operação e consequentemente maior requerimento de potência. O preparo de solo pode ser feito de forma eficaz e menos custosa se bem dimensionado. É comum muitas variedades de cana apresentarem raízes e radicelas que chegam a mais de dois metros de profundidade nos solo, mas são de grande significância. Com alimento e a água em um solo adequadamente preparado estando (devendo estar) a 45-50 cm, as plantas não têm necessidade de expandir as raízes para maiores superfícies”, adiciona.
Os pesquisadores do IAC/APTA afirmam que observações de campo e os resultados de ensaios têm indicado que o preparo profundo pode ser feito em solos com estrutura granular no horizonte de subsuperfície (denominado horizonte B), como os Latossolos e solos arenosos. Já em solos com estrutura em blocos no horizonte de subsuperfície, em geral com maior teor de argila que o horizonte superficial (horizonte A), como nos Argissolos e Nitossolos, o preparo profundo não tem apresentado bons resultados. “Nesse caso, além do preparo não ficar uniforme, a estrutura do solo e sua capacidade de manter uma reserva de água para a cultura da cana-de-açúcar podem ser alteradas para uma condição pior.”
Conde concorda. Ele diz que apesar do preparo profundo poder ser feito em solos com perfil homogêneo, sem ocorrência de pedras, em solos abruptos com os Argissolos, a técnica deve ser evitada. “Deve-se evitar também áreas com declividades acima de 6% e solos com teores de argila menor que 15%”, aponta.
Para Gustavo Casoni da Rocha e Murilo Olyntho Machado, professores do curso de Aperfeiçoamento em Conservação do Solo na Cultura da Cana-de-açúcar da Esalq/USP, o preparo profundo de solo é uma tecnologia promissora e que tem trazido bons resultados a diversos produtores, no entanto, destacam que é preciso estar atento ao seu uso, pois há uma desestruturação intensa do solo. “A vantagem da técnica é o aumento da capacidade de infiltração da água no solo e desenvolvimento radicular. Em solos sem problemas de fertilidade em profundidade e sem impedimento físico (compactação) os ganhos são menores que em solos com problemas químicos e físicos.”
Uma usina paulista, que não quis ser identificada, vem realizando o preparo profundo canteirizado em espaçamento alternado há aproximadamente três anos. De acordo com Francisco Pedro dos Santos Filho, líder de colheita desta unidade, os principais benefícios observados são com relação aos custos com o preparo de solo, que reduziram bastante devido a quantidade de operações que podem ser realizadas de uma só vez com o mesmo consumo de combustível. Além disso, afirma que é notável a melhora na produtividade do canavial por conta da maior absorção de água e nutrientes, o que também vem reduzindo os impactos causados nos longos períodos de estiagem. “Um dos pontos que devem ser destacados é que não podemos utilizar este preparo em qualquer área de cana. Além disso é preciso investir em tratores adequados e bem dimensionados para obter máxima eficiência com o implemento, que por ser multifunções é muito mais pesado.”
ESTUDO
Estudos sobre o preparo profundo do solo tem sido realizados principalmente associando-o a canteirização, em comparação com sistemas convencionais em que a superfície total do solo é preparada. A pesquisadora Camila Cassante de Lima, realizou, em 2016, um trabalho de pós-graduação do IAC com este objetivo, mostrando os reflexos dos preparos na distribuição do sistema radicular e nos atributos físicos e mecânicos do solo.
A pesquisa foi realizada no município de Piracicaba, SP, em um Nitossolo Vermelho Eutrófico latossólico. Os tratamentos foram preparo profundo canteirizado e preparo convencional do solo, e as amostragens de solo foram realizadas no canteiro e na rua de tráfego agrícola, em cinco camadas de solo a cada 0,2 m. Foram avaliados os atributos físicos que predizem a relação massa/volume dos constituintes do solo, atributos mecânicos como a resistência do solo à penetração e a pressão de preconsolidação e foi realizada a análise visual da estrutura do solo. A amostragem do sistema radicular da cana-de-açúcar foi realizada pelo método do perfil, com a contagem do número de raízes visíveis e pelo método da sonda para avaliação da massa seca de raízes, comprimento, área, volume e densidade radicular por meio do software Safira.
O trabalho concluiu que no sistema canteirizado com preparo profundo do solo há maior concentração de raízes, tanto nos canteiros quanto nas ruas, quando comparado ao sistema convencional de preparo do solo. O preparo profundo resultou em melhor qualidade física do solo na área do canteiro, com consequente aumento da biomassa radicular e do volume de solo explorado pelas raízes em relação ao preparo convencional.
No sistema canteirizado com preparo convencional, o tráfego de máquinas resultou em redução da qualidade física do solo e limitações ao crescimento das raízes abaixo da camada de 0-0,2 m, reduzindo a produtividade da cultura em 23%. Já no sistema canteirizado com preparo profundo, observou-se que a capacidade de suporte de carga do solo no canteiro é reduzida, indicando que as operações de cultivo devem ser realizadas com tráfego controlado.
“Foi verificada melhor qualidade física no preparo profundo do solo (PPC), principalmente onde o preparo com enxada rotativa e subsolador reduziu a densidade, aumentou a porosidade total e macroporosidade do solo, reduziu a resistência do solo à penetração das raízes e pressão de preconsolidação, o que refletiu em um baixo escore, permitindo maior crescimento do sistema radicular da cana-de-açúcar. No sistema convencional a redução da qualidade física do solo decorrente do tráfego de máquinas sobre o solo que foi revolvido pelas operações de preparo, resultou em limitações ao crescimento das raízes abaixo da camada 0,0-0,2 m reduzindo 23% a produtividade da cultura”, afirma Camila em pesquisa.
Os pesquisadores do IAC/APTA afirmam que observações de campo e os resultados de ensaios têm indicado que o preparo profundo pode ser feito em solos com estrutura granular no horizonte de subsuperfície (denominado horizonte B), como os Latossolos e solos arenosos. No entanto, em solos com estrutura em blocos no horizonte de subsuperfície, em geral com maior teor de argila que o horizonte superficial (horizonte A), como os Argissolos e Nitossolos, o preparo profundo não tem apresentado bons resultados.