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Usineiro defende biocombustível e diz que indústria do século 21 deve explorar subprodutos da cana-de-açúcar

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Aprovada em dezembro pelo Senado, a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) é considerada a “tábua da salvação” do setor sucroenergético. Isso porque, o plano que amplia o uso de biocombustíveis no país deve elevar a produção de etanol dos atuais 28 bilhões para 50 bilhões de litros por ano.

Acontece que isso não vai ocorrer da noite para o dia. Após a sanção do presidente Michel Temer (PMDB), ainda faltam ser definidas as metas para reduzir a emissão de gases do efeito estufa e, a partir delas, metas individuais que serão aplicadas aos distribuidores de combustíveis.

Além disso, as usinas de açúcar e etanol que sobrevieram à crise e que há pelo menos quatro anos passam apenas por manutenção anual, precisam se adequar tecnicamente. É urgente ainda a renovação dos canaviais, que estão suportando a sexta ou sétima colheitas seguidas.

“Estamos estáveis para o próximo ano, esperamos um crescimento orgânico, é uma visão realista. Primeiro, não temos recursos para fazer investimento em áreas novas de cana. Segundo, repetir a safra e manter a produtividade já é um grande negócio”, diz o usineiro Jairo Balbo.

Diretor industrial das usinas São Francisco e Santo Antônio, na região de Ribeirão Preto (SP), e membro do conselho de administração da usina Uberaba (MG), Balbo entende do que fala: nasceu literalmente dentro da indústria e é a terceira geração da família à frente dos negócios.

Engenheiro agrônomo por formação, o usineiro afirma que essa é, sim, a pior crise que já enfrentou e destaca que, apesar de a RenovaBio ser fundamental para reerguer o setor, o que de fato mantém a indústria “viva” é a capacidade de agregar valor à cana-de-açúcar.

Aos 64 anos, Balbo explica que a expressão “monocultura” não cabe mais à lavoura canavieira do século 21. Atualmente, de um pé de cana é possível extrair muito mais do que apenas etanol, açúcar e cachaça, marca registrada do Brasil.

Até agora já foram explorados 109 subprodutos da planta, entre eles medicamentos, plástico biodegradável, papel, óleo para fabricação de cosméticos, tecidos, ração animal, defensivos agrícolas, biogás e até energia elétrica.

Em entrevista ao G1, Balbo faz uma análise do cenário atual e conta um pouco da experiência à frente de um dos grupos pioneiros em mecanização da lavoura, em geração de eletricidade a partir do bagaço da cana e produção sustentável.

Atualmente, o grupo Econômico Balbo processa 6,3 milhões de toneladas de cana, produzindo 334,3 milhões de litros de etanol, 263,3 toneladas de açúcar, 10,4 mil megawatt/hora de energia, e detém uma das marcas de produtos orgânicos mais conhecidas no país, a Native.

G1 – Depois de concluir a graduação pela Esalq/USP, o senhor se tornou assessor industrial da diretoria da Usina São Francisco. De lá para cá, são 38 anos à frente dos negócios. Na sua opinião, qual o maior desafio do setor?
Jairo Balbo – O maior desafio é estar vivo. E como você fica vivo hoje? Com produtividade e baixo custo de operação, porque os preços foram congelados devido à política adotada pelo governo de querer segurar a inflação. Isso nos causou grande problema. Então, o maior desafio é se manter vivo, e se manter vivo com novas tecnologias, com o desenvolvimento de tecnologias, com produtividade agrícola e industrial maiores.

G1 – Qual sua avaliação sobre o ano de 2017? Essa foi a pior crise que o senhor já enfrentou?
Jairo Balbo – Essa não foi, ela está sendo a pior crise do setor. Preços péssimos por causa do mercado, e diria com safras normais em termos de produção, eficiência e produtividade. Em 2016, os preços foram muito bons, com safras normais. Em 2017, tivemos safras normais, mas com preços muito baixos, em torno de 40% menores. Houve uma administração econômica errada com objetivo eleitoreiro, populista, segurando preços para segurar a inflação, para ter votos na eleição. Isso levou o país ao caos.

G1 – Na sua opinião, qual a maior dificuldade do empresariado no país?
Jairo Balbo – A maior dificuldade é não ter uma política que seja clara e definida. Hoje, o país inteiro vive isso, em todos os setores. Se você me perguntar `vai haver investimento na indústria?´ – e não estou falando em construir novas indústrias -, sou obrigado a responder que não sei.

Hoje, para manter nossas três empresas, é preciso uma fortuna. E apenas para deixá-las tecnicamente adequadas, substituir caldeiras, etc. Então, o maior problema independe da administração das empresas. Nós precisamos de uma direção bem definida, saber para onde estamos indo, para fazer investimentos que vão gerar desenvolvimento e empregos.

G1 – O consumidor reclama do preço do etanol nas bombas. Os donos de postos de combustível jogam a culpa nas distribuidoras e essas, nas usinas. O que o senhor diz a respeito disso? Por que o preço do etanol não volta a patamares de anos atrás?
Jairo Balbo – Se voltar ao preço que já foi um dia, quando o consumidor estava muito feliz, não vai ter álcool porque as empresas vão quebrar. Aquele preço é irreal. O que nós precisamos é de preço real, tanto para consumidor, quanto para as indústrias, e é essa a nossa meta.

O preço do nosso combustível, mesmo com o crescimento de produtividade do setor, tem uma tendência a ser decrescente, enquanto o preço do petróleo tende a ser ascendente. O petróleo tem preço político, o petróleo tem tarifa. Quem tem preço de mercado é o álcool. Então, o que precisamos é um custo real, que seja bom para o consumidor e para a usina.

Os preços precisam ser corrigidos para o setor continuar vivo. De nada adianta abastecer o mercado por dois, três anos e fechar 40 ou 50 usinas por ano.

G1 – O Programa RenovaBio é a tábua da salvação do setor?
Jairo Balbo – Nós acreditamos nisso, que ele venha dar um equilíbrio muito grande para o setor. Uma vez adotado, além de o país estar na direção certa em termos de sustentabilidade e proteção do meio ambiente, cumprindo os compromissos assumidos em Paris, estaremos abrindo uma nova perspectiva para o setor. Isso significa colocar de pé a indústria de base de Sertãozinho, Piracicaba e toda as regiões que têm setor sucroalcooleiro.

G1 – Haverá um dia em que a indústria metalúrgica de Sertãozinho voltará a crescer?
Jairo Balbo – Sim, é claro. Por causa da crise, nós deixamos de ter empresas preocupadas com tecnologia. As indústrias se mantiveram como estavam, deixaram de investir. Em Sertãozinho, as empresas têm uma capacidade muito grande de responder à demanda, só falta essa demanda. Na verdade, faltam a estabilidade dessa demanda e o crescimento.

G1 – Em 2017 foi possível fazer investimentos?
Jairo Balbo – Nós fizemos investimentos, principalmente na [usina] Santo Antônio, com o objetivo de uma produção maior de açúcar. Com o investimento que foi feito, tivemos um ganho de 3% a 4% em eficiência industrial. Por si só, direcionando para o açúcar, teríamos pagado o investimento. Mas, isso não aconteceu, porque tivemos queda no preço do açúcar. Quem reagiu foi o álcool hidratado e tivemos problemas na administração desses investimentos.

G1 – O grupo Balbo foi pioneiro na mecanização, na geração de energia a partir da biomassa e também com o projeto Cana Verde, em um momento em que ainda não se falava em produção sustentável e preocupação com o meio ambiente. De onde vem esse pioneirismo?
Jairo Balbo – Agregar valor à cana: é isso que move o nosso grupo. O nosso presidente Menesis Balbo tinha 80 anos e dizia `quero agregar valor sem ter que plantar mais um pé de cana´. É um DNA da nossa família. Quando surgiu a primeira colheitadeira, ninguém sabia mexer, e meu tio Alcides já tinha duas delas fazendo testes no campo. Nós fomos pioneiros na cogeração de energia há 35 anos. Hoje, temos bioenergia nas usinas e ainda vendemos o excedente para a rede.

Estamos com vários projetos de subprodutos em andamento. A gente parte de um hectare de terra cultivada com cana. Além de gerar trabalho, a cada quatro anos que eu renovar o canavial, vou destinar 20% dessa área ao plantio de cereais, culturas de ciclo curto.

A cana processada gera caldo e biomassa. Do caldo, eu produzo açúcar, que é a indústria sucroquímica, e o álcool, que é a alcoolquímica. Além disso, tenho a possibilidade de fazer vários produtos: glicose, frutose, cristalina… Posso fazer cera de cana, nós usamos também a torta de filtro, quando se faz açúcar, para adubar a terra.

No álcool, posso usar como solvente, medicamentos e outros. Posso tirar gás carbônico da fermentação, comprimir e vender. Na química fina, posso tirar o PHB, que é o plástico renovável e biodegradável. A cada três quilos produzidos de açúcar, temos um quilo de resina de plástico.

Além disso, temos milhares de profissionais trabalhando no setor sucroalcooleiro: químicos, médicos, assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras, economistas, contadores, engenheiros mecânicos, engenheiros químicos. O que a gente faz é especializar essa mão de obra, que é fundamental dentro de todo esse processo.

G1 – Na sua avaliação, quais são as perspectivas do setor sucroenergético para 2018?
Jairo Balbo – Deve ser uma safra com disponibilidade de cana menor em termos de setor como um todo, porque houve uma quebra na safra e também os canaviais estão muito velhos. Os cortes foram sendo adiados e os canaviais envelheceram. Antigamente, nós renovávamos o canavial com uma frequência maior. Se durava quatro, cinco cortes, estamos chegando a seis, sete. A renovação está demorando mais por causa da crise. Você faz uma economia no caixa, mas isso leva a uma perda de produtividade.

Então, estamos estáveis para o próximo ano, esperamos um pequeno crescimento orgânico, é uma visão realista. Primeiro, não temos recursos para fazer investimento em áreas novas de cana. Segundo, repetir a safra e manter a produtividade já é um grande negócio. Mesmo com o RenovaBio, o canavial não responde em um ano.

G1 – Quanto tempo para o setor sucroenergético voltar a crescer?
Jairo Balbo – Essa é uma pergunta difícil de ser respondida. Em quem vamos votar na próxima eleição? Quem será o próximo presidente? Qual será a equipe econômica do país? O setor energético no mundo inteiro depende da política energética adotada. Nós não queremos subsídios, não queremos nada disso, apenas uma política energética clara e bem definida, para poder continuar investindo e produzindo. 

Fonte: Portal G1

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