Agrícola
Boro e Zinco via folha em cana planta
Produtores de cana realizam pesquisa inédita para avaliar os resultados da aplicação foliar de boro e zinco em cana planta e seus impactos no TCH
Natália Cherubin
Mesmo com todo o avanço do melhoramento genético e surgimento de novas variedades com maior potencial produtivo e longevidade na última década, uma família de engenheiros agrônomos e produtores de cana da macro região de Ribeirão Perto, SP, começou a observar em seus canaviais que a cana planta, durante a segunda metade do seu ciclo de desenvolvimento, começava a apresentar sintomas de deficiência de alguns micronutrientes, em especial de boro e de zinco, o que acabava promovendo um decréscimo de 5 a 10% na produtividade já no primeiro corte.
O que intrigava os produtores e pesquisadores da AgroQuatro-S, Sérgio Gustavo Quassi de Castro e Saulo Augusto Quassi de Castro, também doutorando da CENA/Esalq-USP, era que durante o plantio da cana havia sido feita uma aplicação de micronutrientes no sulco de plantio.
“Levantamos a hipótese de que, nas nossas condições edafoclimáticas [clima tropical e solo de textura argilosa], a aplicação de micronutrientes no sulco de plantio não estava sendo eficiente a ponto de suprir a demanda nutricional da cana planta durante todo o ciclo de desenvolvimento.”
Diante dessa observação, os produtores decidiram usar o programa de boas práticas no uso de fertilizantes desenvolvido pelo IPNI (International Plant Nutrition Institute) – 4´C – ou seja, fonte, dose, modo e época correta com foco no fornecimento de micronutrientes – no caso, o boro e o zinco em cana planta.
MICRONUTRIENTES VIA FOLHA
Cientes de que nos últimos cinco anos a adubação com micronutrientes não estava sendo eficiente agronomicamente em suas condições, através da comprovação científica e utilizando a experimentação agronômica, os pesquisadores – após ensaio piloto que já havia sido feito no ano de 2018 para definir as épocas e doses de micronutrientes a serem aplicados via foliar – decidiram, no plantio realizado no ano de 2019, entre os meses de fevereiro e março, instalar um campo experimental e outras áreas comercias demonstrativas para fazer a comparação entre a aplicação dos micronutrientes via sulco de plantio e via aplicações foliares ao longo do ciclo de desenvolvimento da cana-de-açúcar.
“Nesse sentido, toda a área de plantio de cana no ano de 2019, cerca de 135 hectares, foi manejada com a aplicação de micronutrientes, em especial boro e zinco, via folha ao longo do ciclo de desenvolvimento da cana planta”, explicam os produtores.
A AgroQuatro-S possui entre terra própria e arrendada 1.200 hectares onde cultiva cana-de-açúcar, realizando todas as operações agrícolas. Os ensaios científicos abrangem uma área de 5 hectares, sendo que também há campos demonstrativos na área comercial de cana planta (135 hectares).
No ensaio científico a variedade utilizada foi a RB975201. Nas lavouras comerciais as áreas demonstrativas abrangeram as variedades RB966928, RB975242, RB855536 e RB965902. O ambiente de produção no ensaio científico é B2 e nas lavouras demonstrativas A2/B1.
Como o foco do trabalho eram os micronutrientes boro e zinco, os produtores utilizaram o ácido bórico e o óxido de zinco da Yara Brasil, por meio de uma parceria. As formas de aplicação adotadas foram:
1) Boro e zinco no sulco de plantio;
2) Boro e zinco em aplicações foliares (duas aplicações) ao longo do desenvolvimento da cana;
3) Tratamento controle sem boro e zinco.
“As aplicações foliares ocorreram 45 dias após o plantio, em maio de 2019 e também 270 dias após este, em dezembro do mesmo ano. As aplicações na área experimental, em ambos os modos, foram feitas com bomba pressurizada de CO², com vazão de 150 L por hectare”, detalham os pesquisadores.
A questão climatológica, assim como chuvas e temperatura, também são considerados nos estudos como fatores que impactaram nos resultados, porque influenciam diretamente no desenvolvimento da cana-de-açúcar, já que a cultura é conduzida em condições de sequeiro.
Todos os parâmetros climatológicos vêm sendo monitorados desde então para a realização do cálculo do balanço hídrico durante o ciclo da cana planta. “Com as condições climáticas favoráveis ao desenvolvimento da cana, a planta bem nutrida tem um aumento exponencial de produção, ao passo que, caso as condições climáticas sejam desfavoráveis, a realização adequada de nutrição do canavial reduza a queda da produtividade”, afirmam.
RESULTADOS OBSERVADOS
Os resultados finais serão colhidos no início da safra 2020/21, por volta do mês de abril, quando será avaliada a produtividade final, extração de nutrientes e qualidade tecnológica da matéria-prima, mas, até o momento, os pesquisadores já puderam fazer algumas conclusões.
“A priori existe a tendência de que a hipótese da pesquisa seja confirmada, ou seja, a aplicação foliar de boro e zinco é mais eficiente e promove maior desenvolvimento e produção de biomassa no ciclo da cana planta, visto que esta apresenta maior desenvolvimento em relação aos demais tratamentos, os quais começam a demonstrar deficiência nutricional, principalmente em relação ao boro”, afirmam.
Ainda segundo os pesquisadores, a produtividade da cana-de-açúcar no Centro-Sul do Brasil está estagnada há quase uma década, e somente com alterações e adoção de inovações tecnológicas no manejo agronômico e nutricional é que será possível alavancar a produtividade.
“A maior contribuição da pesquisa será em chamar atenção do setor para que nas mais diversas condições edafoclimáticas de cultivo seja possível avaliar se a aplicação de micronutrientes no sulco de plantio está sendo eficiente ou não, bem como, caso não esteja sendo – como relatado em nossas condições, a adoção de aplicação via foliar seja possível orientando os usuários em relação a época de aplicação, dose e fonte a ser utilizada”, salientam.
Nesse contexto, existe a possibilidade de incremento de produtividade e qualidade tecnológica da cana-de-açúcar devido a maior eficiência no fornecimento de boro e zinco a planta. Após a validação em cana planta desse manejo proposto, os produtores irão avaliar o programa 4´C em cana soca, já que tradicionalmente a aplicação foliar de boro e zinco ocorre uma única vez na época de máximo crescimento vegetativo da planta (no caso do Centro-Sul, durante o verão).
“Com esse novo manejo a expectativa é que os ganhos de produtividade sejam na ordem de 15% a 20%, de acordo com os dados que vem sendo analisados. Não dá para fechar um número porque nas nossas condições, de acordo com o solo e as variedades alocadas, há um potencial produtivo diferente. Temos variedades que chegam a 120 t/ha em primeiro corte, outras que dão 100 t/ha, outras com 130 t/ha”, concluem.
Boro e Zinco: seus impactos na cana-de-açúcar
BORO
Os sintomas da deficiência Boro (B) aparecem principalmente nas folhas mais jovens da cana e são geralmente confundidos com a fitotoxidade causada por herbicidas.
A deficiência do Boro ocorre em pontos de crescimento e em folhas novas, reduzindo o número de estômatos (transpiração da planta). A falta do micronutriente também reduza a taxa fotossintética e consequentemente reduz a síntese de carboidratos, o que leva a um aumento na concentração de CO2 livre intercelular. Os sintomas de deficiência do Boro em cana-de-açúcar são: manchas cloróticas nas folhas (forma estriada), morte da gema terminal, aumento da incidência de fusarium (pontuações avermelhadas) e enrugamento das bordas, fazendo com que as folhas do topo se amarrem umas às outras.
As principais causas de deficiência do Boro no solo são:
1) A acidez severa do solo, pois a maior disponibilidade do B ocorre com pH de 5,0 a 7,0.
2) O baixo teor de matéria orgânica do solo também afeta sua disponibilidade por ser dependente da capacidade de troca de ânions (CTA).
3) O regime hídrico do solo altera muito a disponibilidade de B, tanto pelo excesso de água que promove a lixiviação, quanto pela falta de umidade que limita a absorção deste nutriente pelas plantas.
ZINCO
Existem poucos trabalhos dedicados a esse micronutriente em cana. Mas, dentre as diversas funções do Zinco (Zn), constata-se que este é responsável pelo alongamento e crescimento celular das plantas. A redução do entrenó, culminado com a paralisação do desenvolvimento e excesso de folhas secas são os sintomas característicos de quando há deficiência de zinco.
Os sintomas se iniciam nas folhas mais jovens, quando suas nervuras se tornam cloróticas, apresentando estrias não simétricas. Nas pontas das folhas o tecido internerval permanece verde e com o desenvolvimento da deficiência todo o limbo foliar se torna clorótico, com exceção de duas faixas, uma de cada lado da nervura principal. Nota-se a redução dos entrenós, com diminuição do crescimento da cana.
Pode ocorrer também o “lequeamento” das folhas, ou seja, nas plantas deficientes em Zn as folhas saem do vértice foliar, todas na mesma altura formando o aspecto de leque. Além disso, é comum a observação de manchas vermelhas em folhas de cana deficientes em Zn. Estas manchas estão associadas ao fungo Helminthosporum stenospilum que se desenvolve em condições de baixos teores do elemento.
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