Agrícola
Cana irrigada por gotejamento reduz emissões de CO2 e contribui para geração de Cbios
Utilizando dados da Bevap, comparando a cana irrigada por gotejamento versus cana de sequeiro/salvamento, estudo mostra uma redução de 52% na emissão de Co2 por tonelada de cana produzida quando irrigada por gotejo
*Natália Cherubin
Você sabia que irrigar cana-de-açúcar via sistema de gotejamento pode impactar não só descarbonização da produção como também elevar a geração de Cbios (Créditos de Descarbonização do Programa RenovaBio) das usinas sucroenergéticas?
Isso foi o que mostrou um estudo idealizado pela Netafim, empresa especializada em irrigação por gotejamento, em parceria com a Fundação Espaço Eco e participação do Pecege, que utilizou dados de cinco safras de cana-de-açúcar da usina Bevap, localizada em João Pinheiro, MG, mostrando que a produção de cana, quando irrigada por gotejamento, além de reduzir emissões de CO2, garante Cbios extras para as usinas.
De acordo com Daniel Pedroso, engenheiro agrônomo e especialista da Netafim, que liderou o projeto, o trabalho nasceu com o objetivo inicial de fazer um estudo sobre a pegada de carbono da irrigação por gotejamento.
“A ideia inicial era correlacionar a irrigação por gotejamento com a questão de pegada de carbono. Procuramos a Fundação Espaço Eco, que fez um trabalho de pegada carbono usando dados de gotejamento versus área de sequeiro/irrigação por salvamento da Bevap”, explicou Pedroso.
Foram necessários dados de pelo menos cinco safras da Bevap, referentes à uso de insumos, óleo diesel, uso de eletricidade e defensivos, que foram coletados e correlacionados com a produtividade da usina.
“Isso gerou os dados de emissão de carbono, tanto para área de sequeiro quanto área irrigada, mas como queríamos trazer os ganhos possíveis para o RenovaBio, fornecemos os dados ao Pecege, que os transferiu para a Renovacalc, gerando a composição do NEEA (Nota de Eficiência Energética Ambiental), que foi transformado em Cbios”, detalha Pedroso.
Emissão de carbono no gotejo é 52% menor, segundo estudo
Na metodologia da primeira parte do estudo, foi utilizado o PAS 2050, um guia que explica como avaliar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) de um produto durante todo o seu ciclo de vida – desde a matéria-prima até as etapas de produção, distribuição, uso e descarte/reciclagem.
Ao analisar a área agrícola de produção de cana-de-açúcar da Bevap entre os anos de 2017e 2021 e todo o manejo de ambos os canaviais, tanto irrigação por gotejamento quanto os de sequeiro/salvamento, considerando uso da água, uso de corretivos, fertilizantes, defensivos, combustíveis utilizados no maquinários, uso de eletricidade e a MUT (Mudança do Uso da Terra), chegou-se ao resultado de que a irrigação por salvamento emite a 0,161 kg CO2 por kg de cana produzida, enquanto na área de irrigação por gotejamento a emissão é de 0,077 kg de CO2 por kg de cana produzida, ou seja, 52% menor.
De acordo com Pedroso, é possível observar a redução nas emissões de MUT (mudança no uso da terra), no consumo de combustível, nos fertilizantes e nos corretivos quando utilizada a irrigação por gotejamento em relação a sequeiro/salvamento relacionados a emissão de carbono na natureza.
Renovacalc estimou Nota de Eficiência Energético-Ambiental
Com ajuda do Pecege Projetos, os dados levantados no estudo a partir das informações da Bevap, foram transferidos para o Renovacalc, que foi utilizada como instrumento de processamento de dados a fim de se estimar a Nota de eficiência energético-ambiental (NEEA).
A RenovaCalc é uma calculadora do Programa RenovaBio, gerada pela ANP (Agência Nacional do Petróleo) e a NEEA conta a intensidade de carbono de um biocombustível (em CO2 g eq./MJ), comparando-a com a de seu combustível fóssil equivalente. O preenchimento de dados da RenovaCalc consiste em três fases: agrícola, industrial e distribuição.
De acordo com Haroldo Torres, gerente de Projetos do Pecege, as fases industrial e de distribuição foram padronizadas a fim de isolar o efeito da fase agrícola no cálculo da Nota de Eficiência Energético-Ambiental. A base de dados fornecidas pela Bevap foi composta de variáveis que foram comparadas com a sua respectiva interpretação em relação ao efeito na NEEA gerada pela RenovaCalc (Veja abaixo).
“Para aumentar a NEEA, recomenda-se a redução do uso de fertilizantes sintéticos que possuem maior intensidade de emissão de carbono, como o Nitrato de Amônio, Ureia e Fertilizantes Nitrogenados e Fosfatado (MAP)”, disse Torres, que explica que o cálculo da NEEA é realizado da seguinte forma: NEEA = fóssil substituto – intensidade de carbono.
Após o preenchimento da RenovaCalc com a base de dados fornecidos pela Bevap, os resultados para a produção de etanol a partir da cana-de-açúcar irrigada (gotejamento) mostraram que o valor do fóssil substituto (gasolina) foi de 87,40. Subtraindo-se a intensidade de Carbono de 25,92 g CO2 eq/MJ correspondente a etanol anidro, obtém-se a NEEA de 61,48. Esse valor equivale a uma redução de emissões de gases de efeito estufa de 70,34%.
Da mesma forma que para o etanol anidro, a NEEA de etanol hidratado é encontrada pela subtração da intensidade de Carbono de 26,27 g CO2 eq/MJ do valor do fóssil substituto (gasolina) de 87,40. Logo, obtém-se uma NEEA de 61,13, equivalente a uma redução de emissões de gases de efeito estufa de 69,94%.
Já os resultados obtidos para a produção de etanol a partir da cana-de-açúcar em regime sequeiro (salvamento) mostraram que a NEEA de etanol anidro foi de 35,28, resultado da subtração da intensidade de Carbono, 52,12 g CO2 eq/MJ, do valor das emissões do fóssil substituto 87,40. Esta nota corresponde a uma redução de 40,37% das emissões de gases de efeito estufa. Já para o etanol hidratado, a NEEA foi de 34,93, obtido a partir do cálculo: 87,40 (fóssil substituto) – 52,47 (intensidade de Carbono).
Segundo o economista e gerente de projetos do Pecege, considerando-se apenas o etanol hidratado para comparação, cuja NEEA foi de 61,13 para o etanol produzido a partir da cana-de-açúcar irrigada e 34,93, a partir da cana-de-açúcar de regime sequeiro (salvamento), observa-se uma diferença de 26,20 g CO2 eq/MJ.
“A quantidade de fertilizantes sintéticos utilizada foi o que mais influenciou a NEEA e, consequentemente, os resultados do CBIO. Com isso, a redução nas emissões em função do sistema de produção tende a refletir-se na geração de CBIOs, fonte de receita adicional das usinas sucroenergéticas.
Irrigação por gotejo contribui para elevar geração CBIOs
Para fazer a análise do efeito da NEEA na quantidade de Cbios emitido, o Pecege considerou uma produção de 2 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, considerando as características dadas nesses dois regimes – irrigado (gotejamento) e sequeiro (salvamento) – estimado o efeito na quantidade de CBIOs emitidos.
Para cada tonelada de cana-de-açúcar produzida, considerou-se uma produção de 85 litros de etanol. Logo, pode-se obter o volume de biocombustível comercializado assim: 2.000.000 * 85 = 170.000.000 litros.
Os valores de 0,809 para massa específica [t/m³] e 26,38 para PCI (Poder Calorífico Inferior [MJ/kg]) são especificados pela ANP. O volume elegível corresponde a fração entre a quantidade de biomassa elegível processada pela unidade produtora e a quantidade total de biomassa processada na unidade produtora. A quantidade de CBIOs emitidos pode ser estimado conforme a equação:
Em que é o volume de biocombustível comercializado (litros); é a Nota de Eficiência Energético-Ambiental (em g CO2 eq/MJ); é a fração do volume de biocombustível elegível (em decimal); é a massa específica do biocombustível (t/m³); é o poder calorífico inferior do biocombustível (MJ/kg).
Em 10/04/2023, o valor do CBIO comercializado na B3 foi de R$ 94,819. Portanto, multiplicando-se a quantidade de CBIOs emitidos pelo seu preço de mercado, encontra-se o valor comercializado na B3.
Ao comparar a quantidade de CBIOs emitidos na comercialização de etanol produzido a partir de cana-de-açúcar irrigada (gotejamento) com o etanol de cana-de-açúcar de regime sequeiro (salvamento), percebe-se uma diferença de 66.522,40, o que corresponde a R$ 6.307.587,75 considerando o valor do CBIO do dia 10/04/2023. Essa variação, segundo Torres, é efeito da diferença das NEEA entre os dois regimes de produção estudados.
“Suponha a Usina A que tenha 30% de sua área aos moldes dos resultados verificados a partir dos dados da Bevap com regime irrigado (gotejamento), e o restante (70%) aos moldes do regime sequeiro (salvamento); e a Usina B que tenha 100% de sua área aos moldes do regime sequeiro (salvamento). Ao observar as diferenças de produtividade, diante de uma mesma produção de 2 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, constata-se um efeito poupa-terra de 7.298 ha. Isso significa que o ganho de produtividade contribui para uma redução da área de cultivo de cana-de-açúcar”, disse.
O economista e gestor de projetos do Pecege destaca que ao ampliar a análise para os moldes do RenovaBio, considerando o modelo de cálculo, verifica-se uma quantidade de 121.309,58 CBIOs emitidos pela Usina A e 88.713,60 CBIOs emitidos pela Usina B.
Isso corresponde a uma variação do valor comercializado na B3 de R$ 3.090.718,00. “Com apenas 30% da área irrigada, a Usina A conseguiu reduzir a área de cultivo em mais de 7 mil hectares e obteve um ganho de 36% no valor comercializado na B3, em comparação com a Usina B”, destacou Torres.
“Com os resultados obtidos, pudemos concluir que a irrigação por gotejamento reduz a emissão de carbono na natureza, principalmente em áreas de abertura” de novos canaviais, promove aumento na NEEA (Nota de eficiência energética – ambiental), variável predominante para pontuação e ganhos monetários de CBIOS e leva ao aumento de produtividade e redução nos custos de produção quando relacionados R$/tonelada de cana produzida”, finalizou Pedroso.
Natália Cherubin para RPAnews
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