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Edição 176

Corte mais preciso

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Corte mais preciso 

Tecnologias para controle automático da altura do corte de base, assim como preparo de solo adequado e manutenção, podem reduzir as paradas e a troca de peças durante a colheita mecanizada

Natália Cherubin

Realidade na maioria dos canaviais do Centro-Sul do país, a colheita mecanizada trouxe consigo diversos benefícios, como o fim da queima e corte manual, mas também algumas peculiaridades relacionadas às interações solo-máquina-planta, que ainda causam certa dor de cabeça aos gestores desta atividade. Isto porque, além do aumento de impurezas vegetais e minerais, a colheita mecânica da cana pode trazer perdas de matéria-prima e redução da longevidade dos canaviais. As perdas podem chegar a 15%, sendo o corte de base um dos maiores responsáveis.

Tendo em vista a importância do corte de base na qualidade da operação, ao longo dos últimos dez anos, as empresas fabricantes de colhedoras têm desenvolvido dispositivos para auxiliar o controle de altura do corte a fim de evitar perdas.

Arranjo das engrenagens de acionamento do corte de base (A seta vermelha indica o motor hidráulico que aciona as engrenagens)

 

Fabricantes de colhedoras de cana têm procurado resolver a questão do corte de base com controle automático de altura e divisores de linhas

O mecanismo do corte de base de qualquer colhedora é sempre composto de quatro peças principais: o motor hidráulico de acionamento, a caixa de engrenagens (que acionam os eixos das chamadas “torretas” ou “canelas”); duas “canelas” fixadas na caixa de engrenagens; e dois discos de corte, onde estão fixadas as faquinhas que produzem o corte na base da cana. O motor hidráulico aciona um pinhão que, por sua vez, aciona uma engrenagem que aciona outro pinhão idêntico, o qual, finalmente, através de uma engrenagem, gira o eixo da “canela”, no qual estão fixados, em sua extremidade, os discos de corte e as faquinhas.

“Pelo arranjo das engrenagens, os discos de corte giram no mesmo regime rotacional e sentido do eixo do motor hidráulico. Estas engrenagens e seus respectivos rolamentos operam em banho de óleo, cujo nível é conferido através de um visor ótico”, explica Luiz Nitsch, consultor da Sigma Automotiva e especialista em motomecanização.

A tecnologia do corte de base pouco mudou desde os primórdios das colhedoras mecânicas. Faquinhas rotativas colidem com a base do colmo da cana gerando um corte liso, porque existe um efeito de “escorregamento” da lâmina (faquinha) contra o colmo. Nas colhedoras convencionais de uma linha, os colmos são cortados por ambos os discos de corte (dez laminas atuando) e na de duas linhas, atuam cinco lâminas, devido ao maior distanciamento entre as “torretas” ou “canelas”. Já as colhedoras atuais, incorporaram um controle automático, governado por sensores e microprocessador, que mantém constante a altura de corte pós-colheita.

Todos os componentes do corte de base das colhedoras impactam diretamente na qualidade do corte. No entanto, o “fio” das lâminas de corte, ou seja, a afiação destas peças, pode produzir desde uma decepação perfeita e lisa até um cisalhamento bruto, que gera uma soqueira cheia de fibras e muito propensa ao ataque de fungos e microorganismos.

“Algumas usinas adotam um corte um pouquinho mais alto, deixando um toquinho no solo, em vez de fazer um corte ‘escanhoado’ (rente). Existem duas vantagens nisto: maior durabilidade das faquinhas, pois o contato com o solo é reduzido, e há uma melhor proteção da soqueira contra os habituais inimigos naturais como fungos, bactérias e outros indesejáveis organismos vegetais e animais. Obviamente, a durabilidade das faquinhas está associada ao tipo de solo onde está sendo feita a colheita e ao contato eventual ou constante no terreno. Solos arenosos, por exemplo, geram maior desgaste nas partes cortantes das faquinhas e solos argilosos, menos”, acrescenta Nitsch.

MELHORIAS DAS FABRICANTES

Segundo Gobesso, os ajustes no posicionamento das taliscas e a possibilidade de regulagem do ângulo de ataque dos discos proporcionam uma boa qualidade com baixos índices de perdas mesmo em condições desfavoráveis

Apesar das mudanças ainda não serem muito radicais quando se fala em corte de base, muitas melhorias ocorreram, principalmente na questão dos materiais utilizados nas peças, que passam por tratamento térmico e são mais resistentes, e nas opções de formato liso ou serrilhado das áreas de corte das lâminas ou faquinhas. No entanto, Nitsch alega que até hoje, o sistema de substituição das faquinhas é o mesmo dos anos 70, ou seja, quando desgastadas ou “cegas” têm de ser substituídas uma a uma, causando a parada da máquina.

“Basta um parafuso engripar ou uma porca arrendondar para que um tempo precioso seja perdido em plena colheita. Até hoje, apesar da insistência, não conseguimos ‘vender o peixe’ aos fabricantes de que se houvesse a possibilidade de substituição rápida do disco de corte com suas lâminas, ganhar-se-ia muito tempo no momento da troca delas. Assim, tal e qual uma roda de um Fórmula 1, bastaria uma porca central num eixo estriado com suas roscas inversas ao sentido de giro do eixo das “canelas”, para evitar uma auto soltura. Esta porca especial, tipo borboleta, para ser solta e apertada por martelo, fixaria o disco ao seu respectivo eixo. E o mecânico de campo ou o operador-mantenedor substituiria os dois discos em vez de dez lâminas, o que tornaria a operação muito mais rápida! Depois, com calma, lá no carro-oficina, seriam substituídas as lâminas dos discos removidos da colhedora”, opina Nitsch.

Caroline Serrano, especialista de produto e mercado para cana-de-açúcar da John Deere, diz que as colhedoras da marca vêm hoje com o CICB (Controle Integrado da Altura do Corte de Base), um sistema inteligente que controla eletronicamente a posição de apoio dos divisores de linha flutuantes, em função das irregularidades do solo.

De acordo com ela, as movimentações dos divisores são captadas por sensores de posição que irão coordenar a variação da altura do corte de base em função do alvo pré-estabelecido pelo operador. Além disso, possui o sinal de pressão do circuito hidráulico do corte de base como mais um aliado para a precisão do corte. “Os componentes responsáveis pelo corte mais preciso são os divisores de linha e corte de base flutuante, sensores de posição, controles da cabine para acionamento do CICB, bem como o monitor Command Center, onde é possível fazer os ajustes de altura de corte, pressão dos divisores e pressão do corte de base”, afirma.

As colhedoras da John Deere inicialmente possuíam o sistema CACB (Controle Automático do Corte de Base), que tinha a pressão do corte de base como referência para as variações de altura. No entanto, com a entrada do modelo 2014, o CACB evoluiu para o CICB, o qual passa a ter a altura do divisor de linha como referência para a variação da altura do corte de base.

“A variação da altura ocorre segundos antes do corte de base chegar ao aclive ou declive. A partir do modelo 2015 das colhedoras, foi adicionado ao CICB o sinal de pressão do circuito hidráulico do corte de base, como mais um aliado para a precisão de corte. Além de possuir regulagens simples, o CICB tira do operador a tarefa de regular continuamente a posição dos divisores de linha e discos de corte, já que a função passa a ser automatizada. Desta forma, o operador estará mais atento a outros pontos importantes da operação como, por exemplo, o corte de pontas”, detalha Caroline.

Marco Antonio Gobesso, gerente de marketing de equipamentos de cana-de-açúcar da AGCO, acredita que a qualidade do corte está mais relacionada à rotação dos discos e a condição de desgaste das facas, enquanto a altura do corte é de responsabilidade do operador. “Nas colhedoras de duas linhas é importante ainda o posicionamento das linhas em relação aos discos (relação entre tamanho dos discos, distância de centro a centro dos discos e espaçamento de plantio). Temos trabalhado muito para melhorar a qualidade e diminuir as perdas em nossas máquinas que estão trabalhando na colheita de espaçamentos combinados. Os resultados nos mostram que estamos no caminho certo”, afirma.

O último modelo de colhedora da Valtra vem com sistema hidráulico independente para o corte de base com motor e bomba exclusivos trabalhando com pressão máxima de 5075 psi, característica importante para manutenção da capacidade produtiva, mesmo em canaviais de alta produtividade. Segundo Gobesso, os ajustes no posicionamento das taliscas e a possibilidade de regulagem do ângulo de ataque dos discos proporcionam uma boa qualidade com baixos índices de perdas mesmo em condições desfavoráveis.

Mesmo com tantas melhorias ainda não foi possível chegar à perfeição. Gobesso considera que as coisas melhoraram muito e a busca por capacidade de colheita com qualidade tem exigido cada vez mais melhorias. “O problema que hoje enfrentamos são máquinas operando em condições muito longe das ideais para mecanização.Então, trabalhamos muito para oferecer aos nossos clientes condições para minimizar perdas.”

Ele ressalta que o treinamento correto e bem aplicado é fundamental para diminuição de perdas e melhoria da qualidade no corte de base. “A eletrônica da BE1035 tem conceitos simples para regulagens e a única com sistema de chave eletrônica para diferenciação nos acessos de regulagem e bloqueio para que pessoas não preparadas provoquem perdas e ou trabalhem com um desempenho abaixo do esperado.”

Para Fabio Balaban, especialista em marketing de produto para colhedoras de cana Case IH, os elementos responsáveis por um corte com mais qualidade e rente ao solo são instrumentados por meio de sensores, que operam na pressão do corte e também na altura.

“Os sensores copiam as irregularidades do solo, garantindo sempre um corte mais preciso e com menos abalos nas soqueiras de cana. Por uma questão botânica, a concentração de açúcar na cana está na parte mais rente ao solo. Conversando e escutando as necessidades dos clientes, desenvolvemos o Autotracker, sistema de auto nivelamento do corte. O nível de sensoriamento desse sistema são muito precisos, porém, o preparo de solo para a colheita mecanizada ainda não está sendo contemplado na sua amplitude, podendo gerar, em alguns casos, dificuldades de nivelamento. De um modo geral, investir na sistematização para a colheita, garantindo uma maior eficiência global do processo, é um dos maiores desafios do setor”, afirma Balaban.

MANUTENÇÃO E TROCA DE PEÇAS

Nitsch acredita que o que falta para melhor a operação de colheita é um modo de troca rápida do sistema de facas, reduzindo tempo com paradas

Se não houver acidentes de colisão das “canelas” contra obstáculos no solo, (pedras, tocos, marcos demarcatórios etc) somente a substituição periódica das faquinhas é necessária. Atualmente, o direcionamento no solo, por equipamento eletrônico de georreferenciamento têm auxiliado muito a operação da colhedora, principalmente à noite, quando seguir a linha de cana sem desvios é bem mais difícil.

Caroline destaca que o preparo de solo é o primeiro passo para evitar desgastes desnecessários. “É preciso trabalhar com o melhor nivelamento possível da área, com a remoção de obstáculos que podem danificar o conjunto do corte de base durante a operação de colheita. Em relação à operação, recomendamos que o operador sempre utilize o CICB em todas as situações de campo, a fim de evitar o desgaste prematuro das facas do corte de base, bem como para diminuir perdas e reduzir impurezas minerais na cana colhida.”

Gobesso destaca que, além das facas, o desgaste das taliscas também ocorre bastante e sua substituição varia de acordo com o tipo de solo onde máquina está operando. “Os componentes estruturais (eixos, mancais e carreteis) também podem ter um índice de manutenção maior devido a acidentes e falhas na operação. Acredito que treinamento operacional, técnico e manutenção segundo plano de fábrica, são imprescindíveis para melhoria da vida útil de qualquer sistema. Com o corte de base não é diferente.”

Aguinaldo Raimundo Salvador, gerente comercial da Luma, fabricante de peças para colhedoras, afirma que é recomendável que se faça manutenção preventiva uma vez por ano, que pode ser tanto na safra como na entressafra. Segundo ele, na maioria das vezes as trocas são efetuadas em função de danos causados por acidentes ou mau uso. “Em caso de danos no conjunto, é recomendável conferir o alinhamento e geometria da carcaça e os eixos do corte base antes da montagem, pois o desalinhamento das mesmas pode diminuir a vida útil das peças ou até danificá-las tão logo inicie o funcionamento.”

Alguns ajustes durante a safra podem estender a vida útil das peças, tais como reaperto dos eixos de corte base (perna), evitando folga no conjunto; reaperto da tampa de fechamento da caixa para evitar vazamento e a lubrificação periódica do conjunto.

Moacyr Luis Milanez, gerente comercial  da Agricort, diz que a durabilidade das facas dependem muito da região e condição climática que as máquinas trabalham. Solos arenosos ou argilosos apresentam grande diferença de durabilidade assim como solos secos ou úmidos também apresentam interferência na durabilidade destas peças.

Justamente por isso, a empresa oferece componentes revestidos e sem revestimento, mas dá prioridade para as facas de corte de base e discos de corte de base revestidos com carbeto de tungstênio.

Estes materiais têm uma maior vida útil, segundo Milanez, o que reduz a necessidade de parar a colhedora para substituir as peças. “Fizemos comparativo com uma colhedora com facas revestidas e uma colhedora com facas sem revestimento. Como a faca revestida tem maior durabilidade (três vezes a mais) do que a faca sem revestimento, após um período de 200 dias, a colhedora que utilizou facas revestidas colheu 3 mil t a mais, simplesmente porque não ficou parando para virar ou trocar facas. Outro aspecto importante da faca revestida é ser auto afiante, ou seja, quanto mais trabalha melhor ela corta a cana, desde que seja colocada para trabalhar em solos mistos e arenosos.”

Nitsch conta que, apesar do setor já ter tentado outros sistemas como a segadeira, uma serra de fita, e até corte por jato fino de água, o disco com faquinhas ainda é a melhor opção. “Se conseguíssemos fazer a troca rápida do disco e faquinhas, seria um fator economizador de tempo. Sempre é possível melhorar o que já existe! Talvez algo que poderá acontecer em breve será o corte por quatro discos de faquinhas nas colhedoras de duas linhas. Todavia, o grande obstáculo para esta melhoria (corte melhor e aumento de durabilidade das faquinhas) é seu custo de introdução”, observa.

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