Agrícola
Due Diligence Agrícola adequada na compra de usinas evita fracassos
Due diligence: hoje, ¾ do custo de produção de etanol e açúcar de uma usina reside na cana. É justamente por isso que a due diligence agrícola é essencial para o sucesso ou fracasso de quem comprará a usina
* Ricardo Pinto
Depois de uma forte onda de fusões e aquisições de usinas na segunda metade dos anos 2000, este movimento caiu muito de 2012 até 2017 (Figura 1). Contudo, com a maior oferta de usinas brasileiras para venda, inclusive várias delas dentro de processos de Recuperação Judicial e/ou de Falência – os chamados distressed assets (ativos depreciados), o preço das usinas caiu bastante, trazendo de volta o interesse pela compra parcial ou total. Tanto é que em 2018 foram sete casos, número igual ao de 2013.
COMO SE DESENROLAM OS PROCESSOS DE M&A DE USINAS?
Ainda há quem acredite que usinas ou grupos de usinas sejam vendidos por corretores, como acontece com apartamentos, fazendas e carros. Desde 2006, quando a Infinity comprou a antiga Coopernavi (hoje Usinavi) e também a Alcana, não existe mais a figura de corretores em tais operações. Quem costuma fazer as vezes de corretor nestes negócios são os bancos de private equity.
Um processo de M&A de usina (ou grupo de usinas) é bastante complexo e dificilmente acontece em menos de seis a oito meses.
De forma bastante sucinta, o quadro de processos de M&A mostra as duas óticas: do vendedor e do comprador da usina (Veja no infográfico).
O QUE É UMA DUE DILIGENCE?
Quando vamos comprar um carro usado, é bom não acreditarmos em tudo que o vendedor diz do seu carro, não visitarmos o carro à noite (quando a iluminação ruim pode nos impedir de ver danos e amassados na lataria) e é recomendável que levemos um mecânico junto para que ele faça uma averiguação do estado do veículo, principalmente dos itens com maior risco de nos deixar arrependidos depois da compra se pifarem rapidamente, como o motor e o câmbio.
Guardadas as proporções, a due diligence é um processo similar de averiguação das informações fornecidas pela empresa à venda e também de investigação de demais itens e fatores que apresentem risco de surpreender negativamente o potencial comprador após assumir a empresa comprada.
E POR QUE A DUE DILIGENCE AGRÍCOLA É TÃO IMPORTANTE NUMA AVALIAÇÃO DE COMPRA DE USINA CANAVIEIRA?
Atualmente, temos observado que a participação do custo agrícola no custo operacional total (ou Operational Expenditure: Opex) de uma usina canavieira na região Centro-Sul do Brasil varia entre 76% e 79%.
Aliás, uma pesquisa realizada há vários anos pela empresa Sucrotec demonstra que o custo agrícola tem crescido sua participação no custo final das usinas ao longo dos anos (Figura 2), tendo saído de 69,8% na safra 2006/07 para, 10 anos depois, atingir 76,6% na safra 2016/17.
Logo, três quartos dos custos e, obviamente, três quartos dos riscos e surpresas (positivas ou negativas) de uma usina estão na sua parte agrícola. Esta é a razão da importância da Due Diligence Agrícola na compra de usinas canavieiras.
COMO É UMA DUE DILIGENCE AGRÍCOLA?
Agora precisamos detalhar como é composta uma Due Diligence Agrícola completa e eficaz de usina candidata à venda. Costumamos dividir a due diligence em 20 temas, sendo que alguns se entrelaçam:
1) Avaliação das condições edafoclimáticas da região e uso da terra onde a usina está inserida:
• quais são os tipos de solo e topografia da região;
• como é a distribuição de chuvas, as temperaturas e suas amplitudes;
• qual é o balanço hídrico, a evapotranspiração e a necessidade de irrigação da região;
• quais os valores de referência para arrendamento de terra (t cana/ha e R$/t cana) na região;
• quais os tipos de contratos de arrendamento e de compra de cana na região;
• quais as demais culturas agrícolas e usinas competidoras por cana e terra na região;
• qual a infraestrutura de rodovias, ferrovias e hidrovias para escoamento de produção de açúcar e/ou etanol para os mercados interno e externo.
2) Identificação do mais apropriado sistema de produção de cana para a usina, considerando:
• A definição matemática do período útil de industrialização da cana (número de dias úteis por safra);
• principais práticas agrícolas recomendadas para a região;
• definição dos melhores períodos ao longo do ano para plantio de cana;
• potencial de mecanização para colheita e plantio de cana;
• cálculo do ciclo econômico ótimo do canavial na região em número de cortes através da metodologia PORC (Ponto Ótimo de Renovação dos Canaviais);
• estabelecimento da curva de produtividade agrícola potencial da região (t/ha em cada corte) segundo o mapeamento de Ambientes de Produção da região e as atuais melhores práticas e tecnologias de manejo dos canaviais;
• cálculo da curva de maturação dos canaviais (valores mensais mínimo, médio e máximo de Pol%Cana) na região através do cruzamento das curvas de déficit hídrico e de amplitude térmica;
• riscos de eventos climáticos extremos como geadas, furacões e inundações;
• distância média de canaviais à indústria e número ideal para usinas similares na mesma região;
• verificação de documentação do Plano de Aplicação de Vinhaça (PAV) e status do cronograma de atendimento à norma CETESB P4.231, se usina estiver no Estado de São Paulo;
• verificação de documentação do Plano de Eliminação de Queima de Cana (PEQ) e status de atendimento;
• potenciais ameaças à continuidade do negócio, como presença de movimentos sociais, descumprimento de leis atuais ou futuras, áreas de pragas endêmicas e biomas ou ambientes protegidos.
3) Checagem do planejamento agrícola informado pela usina na safra atual e para as safra futuras, incluindo:
• o plano de manejo da cana nos próximos anos (quadro de evolução da lavoura, área de plantio e métodos de plantio – 12 meses, 18 meses e/ou de inverno);
• os mapas de solos, ilustrando os ambientes de produção de cana que estão e serão ocupados;
• o planejamento de uso de insumos agrícolas e a utilização de resíduos agroindustriais.
4) Avaliação das variedades de cana em uso e em plantio recente, incluindo:
• quadro varietal atual versus o quadro recomendado em função da matriz de variedades para cada ambiente de produção da usina;
• potencial de variedades e as recomendações para seu emprego na usina;
• análise dos viveiros existentes e seu estado fitossanitário;
• avaliação dos contratos existentes com provedores de novas variedades.
5) Avaliação das atividades agrícolas e de seus KPIs (indicadores-chave de desempenho ou, em inglês, key performance indicators) a partir de controles informatizados agroindustriais instalados na usina, tais como:
• plantio de cana manual e mecanizado;
• colheita manual e mecanizada, carregamento/transbordo e transporte;
• técnicas adotadas de conservação do solo para o controle da erosão;
• verificação da evolução da produtividade agrícola e do rendimento de açúcares (t/ha e ATR/t);
• número de cortes por ciclo e porcentagem de renovação anual dos canaviais;
• porcentual realizado e tipos de operações agrícolas mecanizadas;
• infraestrutura e equipamentos de irrigação existentes, incluindo verificação de outorgas existentes para uso de água para irrigação de cana;
• benchmarking de rendimentos agroindustriais (t/ha e ATR/t) de usinas da região, separando cana própria de cana de fornecedores.
6) Vistoria em campo (site visits) dos canaviais, subdivididos em:
• canaviais instalados atualmente (cana soca), onde será identificada a real qualidade destes canaviais em termos do que já foi realizado (tratos culturais de cana soca, irrigações e/ou fertirrigações, nível de controle de plantas daninhas, infestação de pragas, danos por doenças, falhas de stand e estágio de desenvolvimento dos canaviais);
• canaviais recém-plantados, onde se verificará o seu estado atual em termos de manejo do campo (falhas de stand, nível de controle de plantas daninhas, ajuste da variedade, nutrição realizada, identificação de doenças, presença de insetos, dentre outros).
7) Construção da projeção independente de produção da cana própria (cana em terras próprias da usina e em terras arrendadas) para a próxima safra e pelo menos das 4 safras subsequentes, incluindo estimativa de produtividade agrícola por corte e de ATR e ART mensal da cana entregue à indústria.
8) Estimativa de cana disponível de fornecedores contratados na safra em curso e nas seguintes, juntamente com avaliação de cana disponível de fornecedores atualmente na região, dentro de uma distância econômica para venda à usina em avaliação.
9) Verificação de contratos de parcerias agrícolas e arrendamentos de terra, de forma a se definir o risco de redução de disponibilidade de terras ano a ano, caso os contratos não sejam renovados.
10) Verificação de contratos de compra de cana, seja de fornecedores, seja do mercado spot, com o objetivo de se definir o risco de redução de disponibilidade de cana comprada ano a ano, caso os contratos não sejam renovados.
11) Estimativa de moagem total de cana da usina nas próximas cinco safras considerando em separado a cana própria e a de fornecedores já contratados, ilustrando prováveis gaps de capacidade industrial e demanda por expansão e/ou maior compra de cana ano a ano.
12) Cálculo de demanda por renovação de canaviais próprios pelo menos para os próximos cinco anos.
13) Verificação (ou cálculo, se indisponíveis) dos custos operacionais (Opex) realizados e projetados de Preparo de Solo, Plantio de Cana, Tratos Culturais de Cana Planta, Tratos Culturais de Cana Soca e CCT (Colheita, Transbordo e Transporte de cana) da usina, comparando-os com os de mercado para identificar processos que não sejam competitivos e suas causas.
14) Diagnóstico das principais causas do desempenho agrícola da usina na safra em curso e risco destes fatores persistirem nas safras seguintes, bem como ações mitigadoras e/ou saneadoras a serem tomadas.
15) Avaliação detalhada da frota existente na usina com identificação e produção de laudo do estado de cada equipamento, incluindo equipamentos de irrigação/fertirrigação.
16) Verificação dos contratos de terceirização de serviços agrícolas e de locação de frota, visando averiguar a existência de valores fora do mercado ou inviáveis.
17) Avaliação do quadro de funcionários, do organograma e da qualidade da gestão agrícola.
18) Projeção independente da demanda atual de investimento (Capital Expenditure ou Capex) para aquisição e/ou renovação de frota (colhedoras, tratores, caminhões, máquinas e implementos) para realização de serviços agrícolas demandados de formação, tratos e/ou CCT de canaviais da usina, além de projeção para pelo menos mais quatro safras.
19) Apoio completo ao Adviser na construção de cenários de Fluxo de Caixa descontado no tocante às assumptions (premissas) agrícolas, de forma a se obter um seguro valuation da usina para ser apresentado como Binding offer.
20) Análise final de riscos (com sua materialidade, ou seja, impacto financeiro provável) e oportunidades agrícolas oferecidos pela usina à venda,
Para investigar estes 20 temas numa usina e produzir um relatório detalhado, é necessário empregar uma equipe multidisciplinar com especialistas – como a que a RPA Consultoria possui.
Vale dizer que, tendo realizado 90 due diligences agrícolas de usinas, tanto no Brasil como no exterior nos últimos 14 anos, a equipe da RPA Consultoria desenvolveu muitas das metodologias hoje adotadas em projeções e avaliações de due diligences agrícolas de usinas, como a do cálculo do potencial de produtividade agrícola, a de definição do ciclo ótimo (em anos) de canaviais e a da projeção da curva potencial mensal de ATR.
ALGUNS FRACASSOS EM M&A DE USINAS
Como se pode depreender de tudo o que foi apresentado até aqui, é impossível que apenas um especialista consiga sozinho fazer uma due diligence agrícola completa, seja ele um ótimo professor de universidade, um experiente ex-gerente agrícola de usinas ou mesmo um preparado consultor.
Afinal, se todos os temas listados acima não forem averiguados correta e profundamente, há grande chance de problemas e/ou riscos importantes deixarem de serem vistos, causando brechas para arrependimentos e até pesadelos posteriores.
Há vários casos de usinas e grupos comprados nos últimos anos que, por falta de due diligence agrícola ou por due diligence agrícola superficial e/ou malfeita, não conseguiram concretizar os planos de negócio traçados quando do momento da aquisição. É como comprar carro usado à noite sem levar o mecânico junto. Vale a pena?
* Ricardo Pinto é engenheiro agrícola, administrador de empresa e mestre em Agronomia, além de fundador da RPA Consultoria, com 31 anos de experiência no setor sucroenergético, sendo 24 anos como consultor
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