* Beatriz Resende
Em tempos de convívio com outros povos e culturas, seja na comparação entre as relações sociais ou as profissionais, quando o que temos e o que nos falta ficam tão evidentes, uma reflexão desconfortável, mas necessária, que não consigo tratar como algo já dito o suficiente para eu não me dedicar mais. Emerge sempre que eu paro para pensar nas empresas, nas pessoas, nas relações, nos ambientes de trabalho, e falar sobre eles, como agora. Na verdade eu não paro de pensar nisso.
E sabe por que isso não se cala dentro de mim? Porque é o que eu ouço diariamente. De um lado, as empresas descontentes e, muitas vezes, perplexas com o que têm visto e vivido, e, de outro, profissionais que acham que estão vivendo o seu inferno astral crônico nas relações de trabalho.
O mantra é sempre o mesmo, por parte dos proprietários, dirigentes e gestores: está cada dia mais difícil encontrar pessoas que se envolvem, que se comprometem, que saibam a posição delas no desafio profissional e que tenham aquele portfólio que nós precisamos: aplicar bem o conhecimento trazido e adquirido; ter a dose e ritmos adequados para conduzir seus compromissos, estar nos desafios e aprimorar sua visão de contribuição; demonstrar maturidade para entender e estar em situações que exijam maturidade de cada um de nós na relação diária com público diversificado, de interesses e entregas díspares; perseguir sua caminhada e suas escolhas sem se deixar levar pela massa e pelo senso comum, muitas vezes não lapidado; ter interesse em, de fato, construir e deixar um legado que possa se orgulhar no futuro, servindo de exemplo para seus liderados, pares, família e seguidores. É pedir muito?
Como mudar esse cenário? Temos nos perguntado o tempo todo. Onde temos nos equivocado, empresas e profissionais? E aqui eu volto de onde comecei, embora eu tenha grande resistência em falar sobre a tradicional pecha de malandragem, leniência, improdutividade e outros rótulos que o brasileiro carrega. Confesso, não gosto nada disso. Mas me preocupa sim o perfil atual do nosso profissional e quando busco analisar as situações que se apresentam à minha frente, nos trabalhos que realizo e cenários que transito, e eles têm características bem matizadas, tenho uma grande ansiedade ao perceber que embora a lógica pudesse ser diferente, pois hoje temos muito mais ferramentas e recursos para tal, os problemas têm piorado e vão piorar. Prefiro associar isto a uma crise interna que as pessoas possam estar vivendo, diante de um algoz que as amedronta ou as reduz, um mundo rápido e que se agiganta à nossa frente, cobrando, a todo o momento, posições e posturas ambíguas, que ora são aceitas por uma grande maioria, ora são rechaçadas por outros. Está difícil se posicionar sim, mas, nunca como antes, isto se faz necessário. Prefiro pensar no ser humano impactando no ser profissional, do que somente trazer explicações rápidas como, por exemplo, a culpa dos novos perfis geracionais que têm entrado nas empresas. Até porque os problemas não se reduzem a eles. De jeito nenhum.
Gostamos quando somos taxados de predicados ruins, que não nos orgulha em nada? Ou já nos acostumamos a isso e ainda rimos desse atributo a nós dado? Uma grande preocupação que tenho é de que assim como incorporamos rapidamente hábitos e costumes que são confortáveis e fáceis de serem aplicados e mantidos, que as empresas se acostumem com o fato de que há pessoas difíceis de lidar e continuem trocando-as quando a situação sair do controle delas; que os profissionais continuem a exercer o padrão de mínimo esperado, pois este é aceito e tolerado, e garante os seus empregos; e que nós, brasileiros, continuemos a nos contentar com o estigma que nos foi forjado, sem fazer nada para mudar a história que passa aos nossos olhos, debochando da nossa melhor boa vontade.
Minha grande inquietação é: até quando vamos achar que a mudança não está ao nosso alcance? Até quando esse discurso vai continuar se perdendo no fato maior de que estamos vivendo muitos problemas nas empresas, embora alguns holofotes de evolução ofusquem isto? Até quando vamos continuar andando em marcha reduzida, achando que não vale à pena gastar um watt a mais do que já temos feito no dia a dia? Eis a minha contribuição para um despertar necessário.
*Beatriz Resende é consultora, palestrante e conselheira de Carreiras da Dra. Empresa Consultoria Empresarial. (www.draempresa.com.br)