Edição 188
Nova espécie de nematóide seria um perigo para a cana-de-açúcar?
A espécie Meloidogyne ethiopica foi encontrada em canaviais e em outras culturas que estão próximas a maior região produtora de cana do Brasil. Todo cuidado pode ser pouco!
Meloidogyne incognita, Meloidogyne javanica, Pratylenchus zaea e Pratylenchus brachyurs são as espécies de nematóides que atingem a cultura da cana-de-açúcar. Destas, P. zaea é a mais importante, pois é aquela que mais frequentemente é encontrada nos canaviais em população suficiente para causar importantes danos econômicos. No entanto, há relatos de uma nova espécie da praga, a chamada Meloidogyne ethiopica, em hortaliças e em cana-de-açúcar. Qual seria o dano que esta praga poderia causar as lavouras de cana do Centro-Sul, maior região produtora de cana?
Para se ter uma ideia, os nematóides podem trazer perdas de produtividade que podem variar entre 10% e 50% na cana planta e 10% e 24% nas soqueiras. Em consequência das reduções de produtividade a cada ciclo, quando a cana é infestada, é necessário reformar a lavoura antecipadamente.
Plantas de cana parasitadas pelo nematóide apresentam engrossamentos nas raízes denominados galhas, mais facilmente detectados nas extremidades, ocorrendo também, a redução do volume do sistema radicular e a proliferação de radicelas. De acordo com o pesquisador da Embrapa Clima Temperado, Cesar Bauer Gomes, os principais sintomas em plantas infectadas pelo nematóide vão desde a redução do sistema radicular a lesões necróticas de coloração avermelhada a mais escuras, em função da associação com outros patógenos, podendo ainda, ocorrer descolamento cortical. “Nesse sentido, a ação parasitária desses fitopatógenos reflete em menor capacidade da planta em absorver água e nutrientes e, consequentemente, na redução da produtividade da cultura.”
Os nematóides ocorrem em qualquer tipo de solo, mas os danos geralmente são mais elevados em ambientes mais restritivos, pois são os que oferecem menores condições para a planta suportar o ataque desses parasitas. No entanto, segundo Leila Luci Dinardo-Miranda, pesquisadora do Instituto Agronômico (IAC), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, danos elevados podem ocorrer também em ambientes favoráveis como os A e B, dependendo da população dos nematóides.
Mário Massayuki Inomoto, do departamento de Fitopatologia e Nematologia da Esalq/USP, afirma que as três espécies mais importantes estão adaptadas a climas quentes, portanto, atingem maiores densidades populacionais e causam mais danos em locais quentes. “Outra característica que influencia a proliferação desses nematóides, principalmente as espécies de Meloidogyne, é a textura do solo: quanto mais arenosos, maior a proliferação. Por fim, o teor de matéria orgânica é outro fator importante, porque quanto menos matéria orgânica, mais nematóides”, adiciona.
NOVO PERIGO?
A primeira detecção da espécie Meloidogyne ethiopica em canaviais ocorreu em dezembro de 2013, durante um levantamento de espécies de Meloidogyne realizada no Rio Grande do Sul para a dissertação de mestrado de Cristiano Bellé, engenheiro agrônomo e doutorando em Fitossanidade e Fitopatologia da UFPel (Universidade Federal de Pelotas). A pesquisa era uma parceria entre Universidade Federal de Santa Maria e Embrapa Clima Temperado.
A praga foi encontrada em três variedades distribuídas entre os municípios de Frederico Westphalen, Vicente Dutra e Caiçara, na região Noroeste do Rio Grande do Sul: a RB 835486, RB 72454 e a Nova Irai (variedade antiga e ainda utilizada por produtores para a fabricação de cachaça e açúcar na Região Noroeste do RS). Diante disso, foram coletadas amostras das plantas e foram retiradas as fêmeas das raízes a fim de analisar o seu material genético. O pesquisador conta que os ovos extraídos foram inoculados em plantas de tomate (cultivar Rutgers) e cana-de-açúcar (cultivar RB72454).
“A variedade RB72454 foi a escolhida pois foi uma das variedades na qual o nematóide foi encontrado parasitando e também porque era o material que tínhamos disponível quando realizamos o experimento para patogenicidade do Meloidogyne ethiopica”, explica Bellé.
Nos experimentos com as plantas inoculadas, após 70 dias da inoculação, todas elas apresentaram redução de cerca de 70% na altura. A mudança no peso de raízes, nos novos brotos e no desenvolvimento das plantas também foi significativa. “Os danos que está espécie pode causar na cana requerem mais estudo, porém no trabalho que foi publicado na Plant Disease, as plantas da variedade RB72454 inoculadas apresentaram menor crescimento, menor peso da parte aérea e raízes, e também menos perfilhos quando comparadas com as plantas que não haviam sido atacadas por esta espécie de nematóide. A redução foi de 60% nos parâmetros avaliados quando comparados com as plantas sem a presença do M. ethiopica ”, acrescenta o pesquisador.
O estudo confirma o efeito patogênico de M. ethiopica sobre cana-de-açúcar, o que mostra que este nematóide está aumentando seu círculo de hospedeiros. Este foi o primeiro relato de M. ethiopica parasitando raízes de cana-de-açúcar no mundo.
A espécie M. ethiopica é muito relacionada a danos em videiras no Chile e associada a danos nas culturas do fumo e do kiwi no Sul do país. No entanto, tem sido relatada em hortaliças em outras regiões do Brasil. De acordo com a pesquisadora Leila Dinardo, há vários relatos de M. ethiopica causando danos severos em espécies frutíferas, hortaliças e culturas anuais em diferentes áreas do país. “Atacando cana-de-açúcar, esta espécie foi relatada no Rio Grande do Sul, uma região sem grande expressão econômica para a canavicultura. Entretanto, como a taxonomia de nematóides do gênero Meloidogyne é bastante complexa, é possível que esta espécie ocorra em canaviais, mas ainda não tenha sido identificada.”
“Em 2005, o M. ethiopica foi encontrado em tomateiro (raízes) e yacon (raízes e tubérculos), no Distrito Federal, e mais recentemente (2014) em batata (raízes e tubérculos) no Paraná. Portanto, a praga já ocorre em solos de um importante Estado produtor de cana (Paraná) e nas proximidades de outro (Goiás). Sua presença em tubérculos de batata é altamente preocupante, pois a batata é historicamente um dos mais importantes agentes de dispersão de nematóides. Outros agentes importantes podem ser mudas de kiwi, mas também outras frutíferas, como videira e pessegueiro, além do próprio yacon. Porém, o maior perigo é a batata, sem dúvida alguma, pela quantidade de tubérculos movimentada no seu plantio, e pelo reconhecido descuido dos bataticultores brasileiros, que dispensam à sanidade da batata-semente”, observa Inomoto.
Gomes também acredita que mesmo que tenha sido registrada apenas na região do Rio Grande do Sul, existe a possibilidade de estar presente em outros estados brasileiros, principalmente no Sudeste, uma vez que tal espécie se desenvolve bem em clima tropical e em temperaturas mais amenas no inverno, aliado ao fato que nessa grande região produtora existe pouca informação acerca da distribuição de espécies dos nematóides das galhas.
“Se eles não estiverem presentes no Centro-Sul, é possível que sejam introduzidos, por exemplo, por meio de máquinas e implementos sujos que venham de uma região infestada. A probabilidade disso ocorrer, entretanto, é pequena. O mais provável é que essa espécie já esteja por aqui e que ainda não tenha sido adequadamente identificada. Não sabemos ainda certo quais seriam os impactos para o setor, mas as espécies de Meloidogyne geralmente são bastante patogênicas para a cana-de-açúcar, então é preciso conduzir mais estudos a respeito”, afirma a pesquisadora do IAC.
“O primeiro registro de ocorrência de M. ethiopica em cana foi publicado em 27 janeiro 2017 por Bellé e colaboradores, mas o trabalho começou anos antes, em 2013, quando foram encontradas as primeiras plantas de cana com sintomas nas raízes. Na ocasião, os pesquisadores não verificaram sintomas aparentes na parte aérea. Porém, em trabalhos experimentais de casa de vegetação, M. ethiopica causou severos danos, na forma de redução do tamanho das raízes e dos colmos. Logo, é uma praga potencialmente muito danosa à cultura da cana, se não forem tomados cuidados para evitar sua dispersão”, opina o pesquisador da Esalq/USP.
HÁ CONTROLE?
Em caso de chegada da praga aos canaviais, será que haveria formas de controlá-la em caso de alastro nos canaviais? Bellé afirma que apesar de não se ter estudos mais específicos sobre a espécie de Meloidoyne no Brasil, o controle desta se procederia do mesmo modo que para as demais espécies de nematóides que parasitam. “Os nematicidas disponíveis no mercado, na minha opinião, seriam capazes de ajudar no controle desta praga.”
De acordo com o pesquisador da Embrapa Clima Temperado, não se tem informações quanto a resistência genética de cultivares de cana a M. ethiopica, a qual seria a primeira a estratégia a ser utilizada. “No Chile o controle químico tem sido usado no controle dessa praga em pomares de videira infestados pelo nematóide.”
Para Inomoto, a forma mais importante de controle é evitar a sua dispersão. “Infelizmente é um cuidado que quase nunca é tomado, e o próprio histórico de M. ethiopica no Brasil é um exemplo disso. Provavelmente foi introduzido no RS em 1989 por meio de mudas de kiwi e já foi registrado em outras culturas e outros estados, e mesmo no Distrito Federal, que é geograficamente muito distante do RS. Em conclusão, seria importante evitar sua dispersão, mas realisticamente falando, isso não será feito ou se acaso for, com muito pouco entusiasmo”, salienta.
O pesquisador adiciona que a M. ethiopica provavelmente acabará se dispersando sem amarras. E como seus sintomas serão confundidos com os causados por outros nematóides, será feito o controle que já é aplicado contra as três espécies mais importantes da cana, por meio de nematicidas sintéticos ou biológicos, que são métodos relativamente pouco específicos, ou seja, têm ação sobre várias espécies de nematóides. “Com isso, é possível que comece a haver problemas quando métodos mais específicos de controle, como variedades resistentes, forem utilizadas para o controle, pois uma variedade resistente a M. javanica talvez não seja resistente a M. ethiopica. Então, será necessário que programas de melhoramento de cana incluam essa nova praga em seus testes.”
Para Inomoto, a adubação verde poderia ser uma solução para o ataque da nova praga. “O uso de culturas resistentes no período de reforma dos canaviais é outra forma tradicional de controle. Nesse particular, existem informações auspiciosas, pois trabalhos experimentais (Lima et al. 2009 Host status of different crops for Meloidogyne ethiopica control. Tropical Plant Pathology 34: 152-157) demonstraram que espécies vegetais comumente utilizadas para essa finalidade, como o amendoim, o guandu, a crotalaria juncea, a C. spectabilis etc, são resistentes a M. ethiopica”, conclui o pesquisador da Esalq/USP.