Os acionistas e as empresas do setor precisam estar antenados para todas as oportunidades que poderão aparecer e que permitirão um crescimento sustentável ainda maior do setor
*Mário Campos
A condução de um negócio familiar ao longo de várias gerações exige um grande planejamento e disciplina na gestão, que precisa ser repassada de pai para filho, principalmente dentro do setor sucroenérgetico. O setor já foi 100% nacional, 100% familiar, mas hoje convive com o capital estrangeiro e a gestão profissional. Essa fusão do conhecimento familiar de décadas com as práticas de gestão modernas norteará o crescimento do setor nos próximos anos.
Tive a oportunidade de fazer, recentemente, uma palestra para os representantes da quarta geração de um grande grupo do setor. Sentimos um orgulho ao ver uma empresa do setor chegar na sua 4ª geração forte, moderna e pronta para novos desafios. Assim como essa empresa, temos outros muitos cases de sucesso, mas também muitos de fracasso.
Coloque uma liderança de nosso setor para conversar por dez minutos com qualquer pessoa, que tenho certeza que o interlocutor sairá convencido do nosso potencial. Recentemente, uma colunista de política/economia de Belo Horizonte mostrou, em sua coluna, uma impressão muito positiva sobre o setor após conversar com este autor por poucos minutos. Ela ficou impressionada ao conhecer mais sobre nossa produção e como que o setor pode gerar uma agenda positiva em tão diferentes aspectos. Nossos assuntos são extremamente cativantes aos olhos de nossos interlocutores, mas será que estamos fazendo isso chegar a quem precisa ser comunicado?
A agenda positiva do setor é muito extensa e importante para o Brasil. O setor sucroenergético é hoje um grande gerador de divisas para o país, sendo o segundo segmento do agronegócio em exportação, que por sua vez representa quase 50% das vendas externas brasileiras. Além disso, é um grande gerador de empregos, mais de 800 mil diretos, e com presença em mais de 1 mil municípios brasileiros.
Cerca de 70 mil produtores rurais plantam cana para entrega nas unidades industriais, que somam mais de 370 espalhadas em mais de 20 estados do Brasil. Somado a isso, o setor é um grande vetor de desenvolvimento econômico regional, gerando renda e negócios no interior do Brasil. E a lista não acaba, os produtos do setor têm sua grande importância estratégica nos seus respectivos mercados. O açúcar é um dos principais energéticos da vida humana, o etanol é o combustível verde do Brasil e já é usado para diversas outras finalidades como na alcoolquímica, além da bioeletricidade que torna as indústrias autossuficientes em energia e ilumina as casas de milhões de brasileiros.
O lado ambiental é um capítulo à parte, preocupação mundial materializada no recente acordo climático decidido em Paris, a COP 21. Não canso de afirmar que de todos os setores do agronegócio nacional, o setor sucroenergetico é aquele com maior nível de adequação ambiental, isso em um país que possui uma das mais rígidas legislações ambientas do planeta.
Dizem que todo ser humano precisa, dentre outras coisas, plantar uma árvore em sua vida, sempre digo a amigos que ao colocarem etanol durante todo o ano, eles terão plantado o equivalente a cerca de 35 árvores/ano. Recentemente a Siamig apoiou uma expedição pelo Brasil de um consultor de vendas de Belo Horizonte. Com sua Kombi anos 80, com um motor novo flex, ele foi do Chuí ao Oiapoque, realizando mais de 50 palestras em diversas cidades pelo país, rodando sempre com etanol. Ao realizar o balanço final dos mais de 12 mil km percorridos, o consultor não acreditou nos números ambientais gerados na sua expedição. A mitigação de CO2 ultrapassou 4 toneladas, o equivalente a 30 árvores plantadas fazendo fotossíntese por 20 anos.
O ano de 2015 foi o mais quente no mundo dentro do histórico das medições de temperatura e o uso de combustíveis fósseis tem grande participação neste fato. Até o Papa Francisco externou suas preocupações com o uso desses combustíveis e os líderes do G7, assumiram o compromisso de até 2100 afastar a economia do seu uso. Além disso, pela primeira vez as preocupações com as consequências das mudanças climáticas lideram o ranking dos riscos globais do Fórum Econômico Mundial.
Vários países também já estudam medidas de taxação do carbono para penalizar o uso dos combustíveis fósseis e arcar com as consequências negativas à sociedade. O Brasil, em suas metas na COP 21, prometeu reduzir em 43% as emissões de gases de efeito estufa – com base em 2005 – até 2030. Ou seja, a agenda ambiental é real e o setor precisa estar inserido e ser protagonista na contribuição do cumprimento da meta. Como uma submeta, a proposta do governo brasileiro eleva dos atuais 28 bilhões de l de consumo de etanol para mais de 50 bilhões de l em 2030. Na mesma direção estaria a bioeletricidade que também está inserida na meta brasileira.
Já para o açúcar, as notícias de curto e médio prazo são boas. Após seis anos de preços em reais muito baixos, os preços estão hoje atingindo patamares mais remuneradores. Com déficits mundiais e estoques em queda, que deverão durar mais duas safras, as perspectivas são mais positivas do que nos últimos cinco anos.
No lado dos riscos, há dois movimentos que precisamos ficar atentos. O primeiro ocorre no mercado automobilístico, com a dúvida de qual modelo de carro/combustível teremos no futuro. Os carros híbridos e elétricos ganham importância com grandes incentivos, mas tecnologias ainda mais inovadoras como a célula de hidrogênio também estão no radar.
Durante as Olimpíadas do Rio, a Nissan apresentou um protótipo com célula de hidrogênio que utiliza o etanol como fonte para o carro. Especificamente no caso brasileiro, apesar desta tendência de mudança no mercado mundial, o que se tem hoje é uma perspectiva de um grande déficit no mercado de combustíveis, o que aumentará a necessidade do Brasil de importação para atender a demanda. Abre-se, então, uma oportunidade que o setor de etanol não pode desperdiçar.
O segundo item é o consumo de açúcar. Apesar de boa parte do mundo ainda ter uma dieta bastante pobre em função das desigualdades sociais, há um forte movimento global, e que já chegou ao Brasil, de crítica ao açúcar como uma das causas da obesidade com impacto na saúde pública, a exemplo do que passou as gorduras e o sódio nos últimos anos.
Com todos esses fundamentos, é certo que o setor vive um dilema. E pela sua importância econômica/social, um dilema do setor é também um dilema do governo e de toda a sociedade. Claramente, o mundo clama pelo aumento da produção de açúcar brasileira, maior produtor e maior exportador do produto. Também é bastante claro que o Brasil clama por uma maior produção de etanol para reduzir a dependência externa de combustíveis e para atender a agenda ambiental. Contudo, o setor não tem recursos para investir e atender esses anseios. Como resolver?
A solução é complexa, mas não impossível e passa por uma conjunção de fatores que precisam ocorrer para que os investimentos possam voltar. O primeiro deles é de base institucional, aproveitando a mudança da política internacional do governo brasileiro, precisamos ver nossos governantes falando bem do setor dentro e fora de nosso país como vimos em um passado não distante. Isso modifica a direção dos olhares dos investidores nacionais e internacionais além de induzir a adoção de políticas públicas positivas ao segmento. O segundo fator decorre do primeiro, para solucionar o grande problema da dívida setorial, dinheiro novo será necessário e novos processos de fusões e aquisições deverão ocorrer.
Mas nada adiantará se o setor não solucionar seus entraves na área comercial, terceiro fator. Apesar de sermos produtores de commodities a condição atual do mercado nos obriga a ter um contato direto com nosso consumidor e essa barreira terá que ser quebrada. Como induzir de forma mais efetiva um consumidor a colocar etanol em seu veículo se não temos contato com ele no momento do abastecimento. Além disso, como poderemos lutar de forma mais efetiva contra a onda de redução do consumo de açúcar se não tivermos acesso direto aos grandes players industriais e do varejo brasileiro, e ao consumidor em frente às gondolas do supermercado. Talvez a solução esteja na tecnologia e seu potencial disruptivo. O Uber está aí para nos ensinar.
Um quarto ponto, extremamente importante é o setor continuar olhando para dentro na busca de redução de custos e aumento de eficiência. Em quinto, e não menos importante, é a necessidade de investir e difundir as novas tecnologias de produção, desde novas variedades a novos produtos como o etanol 2G e o biogás.
Por fim, temos a comunicação de todo esse universo canavieiro, cheio de boas notícias e potencialidades. Não temos o histórico de grandes campanhas, e alguns poucos acabam financiando por todos. Contudo, o segmento precisa fazer uma grande reflexão considerando o mundo atual e as novas formas digitais de comunicação. Possuímos um exército de pessoas dentro do setor, a maioria conectada com o mundo digital. Temos todas as condições de movimentar esse universo com ideias criativas e com um custo muito menor do que muitos possam imaginar. Ainda há milhões de brasileiros que nunca abasteceram seus veículos com etanol e nossas entidades representativas precisam ter recursos suficientes para comunicar com todo esse público. Somente assim poderemos criar uma consciência ambiental, conceito de grande relevância para o futuro do setor.
Os acionistas e as empresas do setor precisam estar antenados para todas as oportunidades que poderão aparecer, estar preparados e prontos para parcerias que possibilitarão o aumento de escala e toda sinergia comercial e de gestão que permitirão um crescimento sustentável ainda maior.
* Mário Campos é presidente da Siamig (Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais)