Conecte-se conosco
 

Edição 200

Produtores e usinas ganham com o uso do terceiro eixo

Publicado

em

Alisson Henrique

Natália Cherubin

Há quase duas décadas, o Programa Cana IAC preconiza o uso de uma matriz de produção que considerava dois fatores: épocas de colheita – outono, inverno e primavera – e ambientes de produção – favorável, médio e desfavorável – para fins de alocação de variedades e determinação de época de colheita. A partir de 2007 o instituto passou a considerar um terceiro fator que é o ciclo da planta, considerando que o mesmo é determinante na resposta da cultura ao déficit hídrico e a adaptação a situações restritivas do ambiente. Este terceiro fator foi apelidado como terceiro eixo.

De acordo com Marcos Landell, o conceito tem como principal objetivo mitigar déficits hídricos com o estabelecimento de estratégias que levem em consideração estes três fatoresSegundo Marcos Landell, pesquisador do Instituto Agronômico (IAC), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, foi observado que, a cada corte o sistema radicular da cana se avoluma e se aprofunda no perfil do solo. “Com a adição do terceiro fator, a outrora Matriz Bidimensional passou a ser Tridimensional, que nada mais é do que um sistema de colheita que busca mitigar e reduzir a exposição dos canaviais a déficit hídrico, em especial daqueles com maior potencial de produção – cana planta e socas de segundo e terceiro corte. “O conceito tem como principal objetivo, considerando que quase 100% da canavicultura brasileira é de sequeiro, reduzir déficits hídricos com o estabelecimento de estratégias que levem em consideração estes três fatores.”

O principal resultado do conceito é o aumento da produtividade agrícola como um todo, decorrente da menor “desconstrução” da produtividade dos ciclos que se seguem, o que resulta em uma maior longevidade do canavial. “Em outras palavras, o principal resultado tem sido o aumento de produtividade agrícola e agroindustrial de todos os ciclos, trazendo como consequência uma maior longevidade dos canaviais, proporcionando assim uma maior sustentabilidade econômica da atividade. Estimamos que a cada 100 mm de redução de déficit hídrico no ciclo da cultura, é possível aumentar a produtividade de 7 a 10 t/ha”, detalha.

O sistema funciona assim: primeiro é colhida toda a cana planta, seguida das socas de segundo corte e, posteriormente, de terceiro. E assim sucessivamente. No ano seguinte, a colheita da área será realizada sempre com um mês de atraso. Se neste ano foi em abril, no próximo será em maio. O objetivo é ganhar um mês de idade do canavial. Um maior período para crescimento resultará em melhor maturação e maiores taxas de produtividade.

Embora a execução possa ser um pouco complicada, o conceito é simples. O produtor de cana, Paulo Rodrigues, diretor do Condomínio Agrícola Santa Izabel, conta que tem tido respostas positivas com a adoção do sistema. “A gente tinha um conceito de que o sistema radicular era renovado todo ano. Mas os estudos mostraram que uma parte se renova, mas em outra o crescimento é contínuo. Especialmente o sistema radicular que dá a sustentação e faz retenção de água. Então, qual é a cana que sofre menos? A que tem mais raiz para absorver água. Portanto, se você colhe uma cana jovem no início da safra, ela será a que tem menos raiz, ou seja, está exposta a um menor déficit hídrico, produz melhor e tem condição de se estabelecer para o próximo corte. Fazendo isso na sequência, a planta passa por um processo de adaptação e de desenvolvimento de raiz, sofrendo menos no final”, explica.

Rodrigues complementa que, no segundo corte deve-se sobrepor a matriz do primeiro com o segundo corte. “Antes de acabar o primeiro corte você já está colhendo o segundo. Quem você colhe primeiro? A variedade precoce que está no pior ambiente. Com isso, vai se criando diversas matrizes. O processo fica mais complexo, no entanto, as respostas são muito mais significativas. Na safra passada, que foi uma safra ruim, tivemos a melhor produtividade de segundo e de terceiro corte, que eram os cortes que estavam no terceiro eixo. Mostrando que mesmo em uma condição adversa o sistema funciona.”

NA PRÁTICA

Foi no ano de 2010 que o produtor Daine Frangiosi resolveu adotar a metodologia em sua propriedade. Sua fazenda, localizada na cidade de Campo Florido, MG, tem hoje mais de 4,4 mil ha de cana. Ele revela que a decisão de implementar o terceiro eixo surgiu após uma palestra de Marcos Landell, na CanaCampo (Associação dos Fornecedores de Cana), em sua cidade.

“Na palestra ele mostrou um novo conceito de colheita. Achei tão interessante essa nova proposta que logo na safra seguinte (2011/2012) comecei a colocar em prática. A execução não é tão complicada. O que facilita esse manejo é você possuir sua própria frente de colheita, te dando autonomia e facilitando o seu planejamento”, observa.

Atualmente, 100% do manejo de colheita da fazenda é realizada com o sistema. Ele conta que logo na safra seguinte já pode observar os benefícios da adoção da matriz. “Realmente o resultado vem rápido, sendo que o benefício maior é conseguir um canavial mais estável em relação ao TCH. Ao longo da safra é observado variedades que se adaptam melhor a matriz. Além disso, com a adoção consegue-se TCH constante e, em alguns casos, a produtividade sobe mesmo com o avanço da idade do canavial.”

No quesito logística, o produtor explica que a única coisa que se deve ter em mente é colher as canas mais novas no início da safra, deixando as mais velhas para o final. “Tira-se primeiro a cana planta, independente se for variedade precoce, média ou tardia. Na sequência é a vez da soca de segundo corte e assim sucessivamente. É bom lembrar que devemos saber que, ao adotar essa modalidade de manejo, sacrificaremos o ATR de início de safra, ou melhor, de algumas variedades. Sendo que a compensação virá na próxima com TCH mais estável ou até mais alto”, salienta.

Para avaliar se a matriz está dando resultado, não se deve analisar as variáveis TCH e ATR de forma isolada, mas sim o ponto de equilíbrio de ambas que é o TAH, sendo que a meta é atingir as 15 toneladas de açúcar por hectare. “Hoje vejo que a matriz é umas das responsáveis pelo aumento do TCH, que temos conseguido manter acima dos três dígitos após o segundo ano de prática desse manejo. Saímos de 70 de TCH antes da matriz e logo após a implementação aumentamos a média para 86 t/ha na safra seguinte, mesmo com um canavial mais envelhecido. Também posso afirmar que colho os frutos desse manejo conseguindo atingir e até superar a meta das 15 TAH, sendo que fechamos a safra passada com 116 de TCH, 136 de ATR e aproximadamente 16 de TAH”, finaliza.

A Usina Jalles Machado também implementou o sistema em sua usina. Localizada em Goianésia, GO, a empresa resolveu aderir o terceiro eixo a partir de 2007, com o início do projeto de Manejo Varietal desenvolvido junto com o IAC. “Entre a implementação e a plena aplicação do conceito tivemos um período de três a quatro anos, período em que se ajustou os aspectos de logística, devido a necessidade de irrigação de salvamento em todo o canavial colhido no período de maio a setembro, e onde não se tem a possibilidade da utilização da irrigação de salvamento. Desta maneira, a aplicação do conceito do 3º Eixo ocorre em grande parte das áreas, mas não em área plena da Jalles Machado”, ressalta Edgar Alves, gerente Agrícola da companhia.

Daine Frangiosi: “fechamos a safra passada com 116 de TCH, 136 de ATR e aproximadamente 16 de TAH”Para a usina, os primeiros benefícios também foram observados logo no ano seguinte as primeiras ações de antecipação dos ciclos mais novos. Alves conta que a unidade teve ganhos na brotação e perfilhamento após as suas colheitas, resultando em produtividades agrícolas mais próximas do corte anterior. “Ou seja, a ‘desconstrução’ da produtividade agrícola foi atenuada, promovendo como consequência um aumento da longevidade dos canaviais. ”

A Cofco Internacional também implementou a matriz do terceiro eixo. Patrícia Rezende Fontoura, gerente Agrícola da empresa, conta que implementou o sistema em 2015 com algumas adaptações. “Não dava para implementar de um ano para o outro. Em 2016 já colhemos bons resultados em cima deste método de colheita. Adotamos em quase 80% dos canaviais. Em 2016 tivemos recorde de cana planta de segundo e terceiro corte, que é onde está o benefício do terceiro eixo. Com isso ganhamos mais idade e antecipamos um pouco as canas mais novas, o que no final dá um resultado muito melhor em TCH. Fizemos uma adaptação a nossa realidade e a tendência é continuar com resultados ainda melhores.”

Para se ter ideia, o ganho para a Cofco foi de mais de 35 t/ha. Em torno de 12 t/ha na cana planta, mais de 10 t/ha na cana de segundo corte e cerca de 13 t/ha na cana de terceiro corte. “A tendência é manter este números.”

Patrícia destaca que na questão da logística da cana é preciso mudar um pouco os conceitos, otimizando a estrutura, isto porque a unidade passa a trabalhar com blocos. “É como se fossem usinas independentes. Então cada frente é como se fosse fornecedora de uma usina. É complexo, mas vemos que na prática não é um bicho de sete cabeças. Com o tempo vai melhorando a idade do canavial e é possível adotar o método como um todo. Alguns conceitos devem ser deixados de lado, como a questão da colher precoce, média e tardia. E é isso que o setor precisa entender.”

É PRECISO PLANEJAR

Antes de adotar o sistema é necessário associar uma série de conhecimentos, o que traz uma complexidade um pouco maior nas decisões. Landell destaca que a antecipação da colheita dos ciclos mais jovens (1° e 2° cortes) é uma prática que deve ser adotada de maneira disciplinada. “Isso traz inúmeras consequências no perfil varietal adotado, assim como no uso de produtos maturadores. Como há um aumento expressivo da população de colmos para os ciclos mais avançados, haverá uma outra dinâmica da matocompetição, reduzindo custos de controle e da própria colheita que passa a ser beneficiada por esta nova estratégia”, detalha.

Os resultados são potencializados ao longo de cinco anos, conta o pesquisador IAC, mas os primeiros resultados são palpáveis na produtividade dos primeiros cortes. Ele conta que teoricamente qualquer unidade pode adotar o sistema. No entanto, reforça que o terceiro eixo foi desenvolvido para certos modelos. “Os modelos foram desenvolvidos a partir de unidades que ficam em regiões com estresse hídrico mais pronunciado, portanto, precisam de uma melhor validação para regiões como Mato Grosso do Sul, Paraná e Sul de São Paulo”, conta.

Hideto Arizono, doutor em Agronomia na especialidade de Genética e Melhoramento de Plantas pela Esalq/USP e consultor em Manejo de Variedades, explica que todas as unidades podem adotar essa estratégia, mas a aderência deve ser parcial para que seja possível outro nível de otimização do manejo.

Muitos especialistas ressalvam a importância de planejamento. Para Arizoto, levando em consideração todos os fatores como ambiente de produção, variedade, vinhaça, controle de praga de solo e distância média, não há como otimizar a rentabilidade da unidade sem planejamento meticuloso e com melhorias contínuas, safra a safra. Não há espaço para improvisações, pois muitas das necessidades são conflitantes entre si.

“O planejamento deve ser feito considerando todas as áreas de uma unidade e não com foco somente em um fundo agrícola. O plantio já deve levar em consideração as épocas de colheita de toda a ‘frente’. Há softwares para planejamento de colheita, mas nenhum amplamente utilizado em planejamento de plantio que considere todas as premissas importantes. Não podemos esquecer da interação variedade com época de colheita. As floríferas e as sensíveis à seca têm janelas de colheita mais restritas. Outras com suscetibilidade à podridão do colmo também não devem ser colhidas tardiamente”, adiciona.

Ainda de acordo com ele, apesar dos ganhos serem reais, não é recomendado a adoção de 100% do sistema. Para ele, os ganhos são mais perceptíveis nas variedades médias e tardias em região com inverno úmido e a RB867515 ainda é, em diversas unidades, a mais adaptada a esse manejo de colheita. “Os gargalos então nas áreas que são plantadas com cana de inverno ou cana de ano, que não possibilitam colheita no início da safra. Ou seja, se não adotar esquema ‘dois verões’ é impossível acrescentar um mês a cada colheita. Há necessidade de liberação contínua para otimização do preparo do solo das áreas de reforma e também controle de pragas de solo. O ‘terceiro eixo’ libera as áreas no final de cada safra, então, se houver tentativa de 100% de aderência, se perderá parte das oportunidades que outros modelos de manejo poderiam somar nos pontos indicados como gargalos”, opina.

A IMPORTÂNCIA DA PEDOLOGIA

A Pedologia, ciência que permite classificar os solos, possibilita o acesso a informação básica sobre as potencialidades e as limitações dos solos, que são muito importantes para a qualificação dos ambientes de produção e também para a decisão do tipo de manejo que será realizado, como é o caso do terceiro eixo.

De acordo com Hélio do Prado, especialista em Pedologia e pesquisador do IAC, solos eutróficos e mesotróficos possuem alta concentração de bases, especialmente de cálcio e de magnésio abaixo da camada arável, até pelo menos a profundidade de 100 cm e consequentemente apresentam alta capacidade de água disponível (CAD), desde que não sejam compactados nas operações mecânicas. No outro extremo, solos distróficos, álicos, ácricos e mesoálicos possuem, em sub superfície, baixos valores dessas bases, baixa CAD e por isso são ressecados, mesmo se o teor de argila for elevado.

O projeto AMBICANA do Centro de Cana do IAC, que qualifica os ambientes de produção no Brasil, identificou milhões de hectares de solos predominantemente com CAD baixa; representados, entre eles, pelos latossolos ácricos que, além de vermelhos possuem alto teor de argila (maior que 35%), ocorrendo desde a região nordeste do Estado de São Paulo, interligando-se com o Triângulo Mineiro, Brasília, Goiás, até São Raimundo da Mangabeiras (MA), e extensas áreas de latossolos álicos com alto teor de argila na região de Dourados (MS).

“Portanto, não se deve sempre associar a cor vermelha nem o alto teor de argila com alta disponibilidade de água no solo. A prática mostra milhões de hectares desses solos como muito ressecados. Por outro lado, existem latossolos com menor teor de argila (15-35% ao longo do perfil) e com muito baixo valor de argila – neossolos quartzarênicos (argila menor que 15% em todo perfil) – que também ressecam muito.”

Sendo assim, ele afirma que todas as unidades podem adotar o sistema, porém é preciso analisar antes o solo, pois existem alguns que são menos indicados para a implementação do terceiro eixo, já que apresentam maior dificuldade da água infiltrar devido à proximidade do lençol freático da camada arável. Sendo assim, alagam no período da colheita na época de outono, período posterior as chuvas de março. “São os gleissolos, comuns em todo Brasil nas áreas de várzeas e alguns solos, que apresentam mosqueamento dentro da profundidade de 150 cm desde a superfície (alguns neossolos quartzarênicos na região de Nova Olímpia, MT e alguns argissolos da região Oeste Paulista). As unidades que possuem solos que ficam alagados no período inicial da safra não devem aplicar o modelo mais ‘ortodoxo’ do terceiro eixo. Sendo assim, usinas e produtores que não possuem levantamento de solos semi detalhado ou detalhado não têm condição de aplicar adequadamente o terceiro eixo”, conclui o pesquisador.

Cadastre-se e receba nossa newsletter
Continue Reading