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Edição 193

Uso de pulverizadores autopropelidos cresce na cultura da cana

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Na aplicação terrestre, principalmente de herbicidas, a tecnologia destes pulverizadores, aliada a outras aplicações, tem se tornado cada vez mais comum nas usinas que buscam alta produtividade, precisão e segurança na operação

Natália Cherubin

No setor sucroenergético as aplicações terrestres mais comuns são de herbicidas em pré ou pós-emergência e controle de cigarrinha (na época das chuvas) com uso de pingentes e dessecações para reformas de canaviais. Diferentemente de outras culturas, onde é mais comum a utilização de pulverizadores automotrizes de grande porte, na cana-de-açúcar a expansão do uso deste tipo de equipamento é algo mais recente e vem se tornando cada vez mais comum nas usinas em função principalmente da alta produtividade diária, precisão e segurança proporcionada ao operador.

Nem por isto a aplicação aérea, o uso de pulverizadores menores (acoplados no trator) e até dos pulverizadores costais tem diminuído. São diferentes ferramentas para serem aplicadas em diferentes situações. “É muito comum, por exemplo, um pulverizador automotriz trabalhar junto à um de pequeno porte, sendo que o menor faz a aplicação nas ‘biqueiras’, ou seja, áreas pequenas e com muitas manobras, enquanto o grande efetua a pulverização na área de tiros maiores e que exigem menos manobras”, afirma o engenheiro agrônomo e gerente de Vendas para o Mercado de Cana-de-Açúcar da Jacto, Fábio Pernassi Torres.

Vitor Kaminski, supervisor de Marketing de Produtos Pulverizadores AGCO avalia que houve um crescimento deste mercado nos últimos anos. “Atualmente, tanto as usinas quanto fornecedores de cana e prestadores de serviço estão migrando rapidamente para o uso de pulverizadores autopropelidos. Essa mudança visa principalmente a melhor qualidade de aplicação, maior disponibilidade do equipamento e rendimento operacional, e menor custo de operação (R$/Hectare) em comparação com os modelos tratorizados (trator + implemento).”

Lucy Pereira, especialista em Tratos Culturais da John Deere também confirma o crescimento deste mercado. Para ela, os fatores responsáveis pela expansão deste mercado são a dificuldade de mão de obra e o aumento do número de aplicações numa safra. “Vemos que as empresas precisam de máquinas que ofereçam uma aplicação de maior produtividade para um controle eficiente.”

Fernando Kassis Carvalho, engenheiro agrônomo, pesquisador e consultor na AgroEfetiva, também afirma que é visível, nos últimos anos, a modernização da frota de pulverizadores utilizados para a aplicação de produtos fitossanitários na cultura da cana-de-açúcar, com uma presença maior de pulverizadores automotrizes, que apresentam melhores sistemas de estabilidade de barras, sistemas eletrônicos de controle de vazão, navegação e tecnologias novas em pontas de pulverização.

PULVERIZADOR AUTOMOTRIZ

Os modelos de pulverizadores autopropelidos oferecidos hoje no mercado oferecem alto nível tecnológico e muitos recursos à disposição do usuário. Leandro Maria Gimenez, professor no Departamento de Engenharia de Biossistemas da Esalq/USP, afirma que estas máquinas apresentam a vantagem de possuir maior vão livre, o que permite realizar aplicações em estágios mais avançados de desenvolvimento da cana. Além disso, apresentam capacidade de se deslocar entre uma área e outra em maiores velocidades, reduzindo a necessidade de transportes nos casos em que houver estradas rurais e carreadores adequados.

“São equipamentos projetados tendo em mente a elevação da capacidade operacional. Eles possuem barras extensas e peso relativamente alto, portanto, são voltados a áreas com tiros mais longos e relevo menos acidentado. O uso desses equipamentos em áreas com muitas ruas mortas e recortes pode não ser interessante. Nestas circunstâncias, o uso de sistemas que permitam a abertura e fechamento de seções ou bico a bico de modo automatizado é praticamente obrigatório para evitar sobreposições em excesso ou falhas de aplicação”, destaca.

De acordo com Torres, os modelos automotrizes vem cada vez com mais recursos visando reduzir desperdícios e evitar erros de operação e consequentemente contaminação do meio ambiente. A telemetria é um destes recursos, que monitora e armazena todas as informações da operação efetuada. Com telemetria é possível programar alguns alertas para que, quando operador efetuar algo não adequado, o encarregado de tratos culturais ou o gerente agrícola seja avisado imediatamente.

“Este sistema gera mapas de tudo o que foi executado em campo e com estes dados é possível que a equipe de tratos culturais analise e melhore a operação (ciclo PDCA). Não se melhora o que não se mede. Com dados e uma boa análise com todos envolvidos é possível ir ‘lapidando’ a operação. Dados da telemetria mostram redução de 2% em gastos com defensivos somente aprimorando a operação com uso de dados da telemetria”, adiciona o gerente de Vendas para o Mercado de Cana-de-Açúcar da Jacto.

Além disso, este tipo pulverizador pode ser guiado por satélites, ou seja, ligam e desligam também através do posicionamento por satélites, desligam automaticamente a pulverização onde já há produto aplicado, possuem sensores de temperatura ambiente, umidade relativa do ar e muitos outros recursos visando minimizar erros de operação. “Diria que os prós destes equipamentos são o alto rendimento operacional, a alta tecnologia (recursos disponíveis), a qualidade de aplicação, pois permite pulverizar em plantas altas, e a versatilidade e facilidade de deslocamento entre talhões. Já de contras, acredito que posso destacar o custo inicial de aquisição e a necessidade de mão de obra qualificada para operação e manutenção”, acrescenta Torres.

Para o consultor da AgroEfetiva, há muitos aspectos positivos sobre o uso de pulverizadores automotrizes, principalmente aqueles ligados à tecnologia embarcada, que permitem aplicações mais precisas. No entanto, ele acredita que todos esses aparatos devem ser utilizados respeitando as premissas da tecnologia de aplicação, como o respeito às condições meteorológicas adequadas, velocidade de deslocamento, altura de barras, volume de aplicação, dentre outros.

CLIMA É GARGALO DA APLICAÇÃO

Nas aplicações terrestres, principalmente considerando pulverizadores de grande porte, as condições climáticas acabam tendo um impacto significativo nos resultados de aplicação, podendo aumentar a deriva, a volatilização, reduzir os efeitos do tratamento ou até mesmo causar fitotoxidade na cultura da cana-de-açúcar. Segundo Torres, tecnicamente recomenda-se não pulverizar em temperaturas ambientes acima de 35°C, abaixo de 60% de umidade relativa do ar ou com ventos superiores a 10 km/h. “Em muitas regiões as condições climáticas são bastante severas e não é possível evitar estas situações, então deve-se recorrer à utilização de bicos de baixa deriva e fazer a pulverização noturna buscando as condições climáticas mais próximas do ideal”, detalha.

A umidade relativa do ar representa a capacidade que o ambiente tem de reter água na forma de vapor, sendo assim, quanto maior a temperatura, maior essa capacidade. Portanto, maiores temperaturas e menores umidades aumentam as chances das gotas pulverizadas evaporarem e não atingirem os alvos, como a planta daninha ou a cultura. Isso resulta em redução da quantidade de produto fitossanitário depositado nos alvos e, consequentemente, reduz a eficiência das aplicações.

Segundo Carvalho, o vento também exerce grande impacto nas pulverizações, principalmente quando acima dos limites recomendados, ocasionando o deslocamento das gotas pulverizadas para fora do alvo da aplicação. “Isso é o que chamamos de deriva sendo esse um dos principais problemas que devem ser evitados nas aplicações. Tanto a deriva, quanto a evaporação, reduzem a qualidade das aplicações, aumentam os custos e afetam de forma negativa a sustentabilidade do tratamento fitossanitário, com possíveis efeitos negativos ao ambiente. Por isso, muitos esforços têm sido feitos com o intuito de incentivar as boas práticas de aplicação por meio de programas de extensão rural no Brasil.”

Kaminski afirma que se uma usina tiver estiver experimentando alguma das situações abaixo, a pulverização deverá ser interrompida imediatamente:

– Temperaturas superiores a 30°C;

– Ventos com velocidade zero ou superiores a 12 km/hora;

– Umidade relativa do ar inferior à 60%.

“Os principais riscos que temos é de não se conseguir um controle adequado da doença ou praga alvo, ter um índice de deriva muito alto, além de, em muitos casos, ter que repetir a aplicação, o que gera gastos extras”, adiciona.

Como o clima é um dos principais gargalos para a eficiência de aplicação, uma forma de resolver isso, segundo Jonas Rafael Reis, engenheiro agrônomo e Marketing de Produto da Stara, é fazendo um monitoramento constante durante a aplicação. Para isso as novas tecnologias oferecem ferramentas cada vez mais importantes como, por exemplo, estações meteorológicas que possibilitam o monitoramento em tempo real das condições através da telemetria.

LARGURA DA BARRA, SISTEMATIZAÇÃO E VELOCIDADE

Os pulverizadores automotrizes apresentam a vantagem de possuirem maior vão livre, o que permite realizar aplicações em estágios mais avançados de desenvolvimento da cana

Nos poucos trabalhos acadêmicos sobre o assunto, discute-se, além das condições climáticas, que a largura da barra dos pulverizadores, assim como a velocidade de operação e a sistematização de solos, podem ser fatores importantes na qualidade da aplicação.

Hamilton Humberto Ramos, pesquisador do Centro de Engenharia e Automação do IAC (Instituto Agronômico), de Campinas, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, explica que a largura das barras interfere diretamente na redução do custo operacional. Quanto maior a barra, menor o tempo para se tratar uma área, no entanto, não tem a ver necessariamente com a qualidade. “Neste conceito, qualidade estará ligada muito mais a estabilidade da barra (manutenção da altura em relação ao solo) do que ao seu tamanho.”

Kaminski destaca dois pontos que, em sua visão, mais interferem na aplicação:

1) Tamanho das barras: é importante destacar que nem sempre o maior tamanho de barra vai ser a melhor escolha. Existem variáveis que devemos levar em consideração na hora da escolha do tamanho de barras. Por exemplo, se os talhões tiverem formato e topografia irregulares muitas vezes é preferível ter uma barra menor, pois vai diminuir o tempo das manobras, o estresse do operador e dará maior estabilidade das barras, o que é fundamental para a qualidade da pulverização. Entretanto, se a usina tiver áreas planas e talhões com formatos regulares, o uso de barras maiores trará maior produtividade (ha/dia).

2) Motor: deve ter a potência necessária para que a máquina consiga trabalhar na velocidade correta com menor gasto de combustível possível nas mais variadas condições de solo e topografia. Importante ressaltar que, além da potência, é importante que o pulverizador também tenha torque suficiente.

Torres afirma que quanto maiores as barras mais difícil é manter o equipamento na altura ideal de trabalho. Tanto é que enquanto nas culturas de cereais já são comuns barras de 32, 36 ou até mesmo 40 m de comprimento, em cana-deaçúcar a preferência é por barras de 24 m, em função do tamanho e desenho dos talhões. “Com relação a sistematização, quanto mais reto for o ‘tiro’ do pulverizador e mais plano for o terreno, mais fácil será para o operador manter os parâmetros de aplicação na condição ideal, ou seja, volume de aplicação, altura da barra, pressão de trabalho etc. Por outro lado, terrenos muito recortados ou com muitos obstáculos dificultam ao operador manter a qualidade da operação.”

O consultor da AgroEfetiva destaca que a velocidade de aplicação deve ser selecionada em função das condições de terreno para cada modelo de pulverizador, para que haja boa uniformidade nas aplicações. “Estudos têm indicado que pequenas variações na velocidade, para além dos limites recomendados, causam falta de uniformidade nas aplicações, o que gera variação da dose aplicada. Dentre os impactos negativos que isso pode causar, temos a ocorrência da resistência aos produtos, bem como a necessidade futura de catação química ou mecânica das plantas daninhas.”

APLICAÇÃO EM TAXA VARIÁVEL

A agricultura de precisão tem caminhando a passos largos e estamos em um momento em que há muitas tecnologias chegando também para a pulverização. O uso de mapas de aplicação, aplicações localizadas, taxas variáveis, dentre outras ferramentas vão começar a ser introduzidas de forma mais intensa pelas usinas nos próximos anos.

Torres afirma que a aplicação em taxas variáveis para pulverizadores tecnicamente já está pronta, madura, do ponto de vista mecânico das máquinas. No entanto, não houve ainda muito avanço no campo, exceto para o uso de herbicidas que tem dose correlacionada com matéria orgânica. Neste caso aproveita-se o mapa de matéria orgânica para alterar a dosagem de herbicidas, minimizando os gastos e evitando fitotoxidade na cultura.

“Já a aplicação em taxas variáveis para controle de insetos, fungos ou ervas não tem avançado mais em função da dificuldade em mapear pragas, doenças e ervas do que qualquer dificuldade mecânica dos equipamentos. Nas máquinas a solução está pronta. Pensando em termos práticos: se mapearmos a infestação de cigarrinha, por exemplo, e não efetuarmos a aplicação no mesmo dia, certamente a população de insetos vai se mover e o mapa já não terá representatividade, isso não ocorre nos mapas de fertilidade dos solos”, adiciona.

Para Ramos, em pulverizadores de barras, como os utilizados em cana-de-açúcar, a taxa variável por meio da injeção direta de produtos na barra de pulverização é inviável em função do tempo de resposta dos componentes eletrônicos, da distância entre o ponto de injeção e a ponta da barra e da elevada velocidade que estes pulverizadores desenvolvem. Dessa forma, a aplicação teria que ser feita por meio de pulverizadores com mais de uma barra, onde bicos de pulverização pudessem funcionar de forma conjunta ou isolada sobre uma mesma área.

“Esta tecnologia não chegou de forma significativa na cana. Por outro lado, a AP vista como desligamento automático de bicos sobre áreas já tratadas, a elaboração de mapas da qualidade de aplicação ou mesmo equipamentos pequenos com detectores de plantas daninhas para ligar a pulverização apenas onde elas ocorrem na operação de catação ou repasse, já são comuns em usinas”, salienta.

Gimenez diz que existem algumas opções no mercado, variando desde sistemas com injeção direta, sistemas de pulso com modulação, sistemas com capacidade de alterar a ponta de modo automatizado até a simples alteração na pressão. Há diversas alternativas, mas o problema é obter os mapas de prescrição ou utilizar medidas de sensores para alterar a taxa. “Ainda é necessário evoluir, mas há iniciativas no sentido de utilizar informações auxiliares como textura do solo e biomassa.”

QUALIDADE DE APLICAÇÃO

Existem unidades e produtores que estão conseguindo ter resultados satisfatórios no que se refere à qualidade da aplicação. Kaminski destaca como principais fatores para que se tenha sucesso na aplicação com o menor impacto ambiental:

– utilizar de forma correta a tecnologia disponível nos pulverizadores;

– respeitar condições climáticas;

– configurar o pulverizador conforme a realidade de cada propriedade;

– ter frota de pulverizadores adequada à realidade de cada propriedade;

– ter logística eficiente para abastecimento do pulverizador;

– e treinamento de operadores e corpo técnico envolvidos com a pulverização.

De acordo com Torres, os modelos automotrizes vem cada vez com mais recursos visando reduzir desperdícios e evitar erros de operação e consequentemente contaminação do meio ambienteSegundo o consultor da AgroEfetiva um dos grandes desafios com relação aos pulverizadores é reconhecer os limites dessas máquinas. Por exemplo, saber qual é a velocidade correta das aplicações para cada situação de trabalho para garantir a qualidade e a segurança das operações. Outros desafios estão ligados à escolha correta das pontas de pulverização, do volume de calda e também a manutenção dessas máquinas. Dados gerados pelo projeto IPP (Inspeção Periódica de Pulverizadores) mostram a necessidade de dar mais atenção a esses quesitos, de forma a ter melhor desempenho no campo, e garantir melhores resultados de produção. Em breve novas tecnologias devem ser agregadas à essas máquinas, como aquelas responsáveis por aplicação localizada de herbicidas, feitas apenas sobre as plantas alvo das aplicações.

“Existem unidades que adotam parâmetros operacionais com o intuito de obter maior qualidade nas aplicações e consequentemente maiores produtividades. Essas unidades muitas vezes possuem equipes bem treinadas para acompanhar as aplicações, auxiliar na comunicação com vizinhos, apicultores, dentre outras práticas que visam melhorar a qualidade e a segurança das aplicações, inclusive reduzindo os riscos de deriva. Medidas mais rígidas de controle de deriva já têm sido tomadas, garantindo maior sustentabilidade no processo de aplicação. Um exemplo disso é o uso de faixas de segurança ou buffer zones, que são áreas que não recebem aplicações por serem próximas a áreas de proteção”, conclui.

CAPACITAÇÃO EM PULVERIZAÇÃO

Muitos esforços têm sido feitos com o intuito de incentivar as boas práticas de aplicação por meio de programas de extensão rural no Brasil, como o projeto IPP (Inspeção Periódica de Pulverizadores), coordenado pela Fundação de Estudos e Pesquisas Agrícolas e Florestais (FEPAF) em parceria com a Faculdade de Ciências Agronômicas, FCA-Unesp, Botucatu,SP. Através desse programa, dezenas de usinas recebem treinamentos anualmente para a capacitação de operadores, técnicos e engenheiros agrônomos.

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