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Governo reformula área de biocombustíveis e promete nova coordenadoria

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Uma mudança na estrutura do Departamento de Biocombustíveis (DBio) do Ministério de Minas e Energia (MME) promete impactar no andamento de políticas ligadas ao setor, inclusive as relacionadas com o agronegócio.

Em janeiro de 2021, Paulo Costa, que coordenava o DBio e foi responsável por estruturar o crédito de descarbonização (CBio), foi exonerado do cargo. Em setembro do ano passado, Miguel Lacerda, responsável pelo desenvolvimento do Renovabio, já havia sido afastado.

Questionado pela Revista Globo Rural, o MME informou que o Departamento de Biocombustíveis passará a ter três coordenações, em vez das duas atuais, “em função da ampliação das atividades para a agenda 2021”. Mas a pasta não especificou quais serão as atividades, quem ocupará o cargo nem o motivo das exonerações.

Costa contou, em entrevista à Revista Globo Rural, que o DBio começou a perder força logo após a aprovação da Lei do Agro. “A visão ficou um pouco mais retrógrada e a gente bateu de frente”, afirmou o ex-coordenador.

Entre as divergências, também estava, conforme Costa, a tributação implicada ao produtor. Segundo a lei, o produtor é tributado em 15% sobre a receita, o que difere de outros ativos que estão no mercado.

“O produtor perde no valor de mercado do CBio. Qualquer pessoa pode comprar esse crédito, inclusive a distribuidora, que pode vender com lucro. Se você tivesse mais pessoas interessadas, o mercado não estaria apenas na mão dos distribuidores”, observa

Desafios

Descentralizar a comercialização do CBio das distribuidoras, na perspectiva do ex-coordenador de do DBio, é o maior desafio do MME em 2021. “A maior participação da parte não obrigada foi de 0,3%, que é muito pequena. Falta estímulo para o interesse da população”, critica.

Costa também aponta a insegurança jurídica, já que “algumas corretoras de valores não deixam as pessoas físicas comprarem CBios e começam a barrar pela insegurança de serem oneradas por falta da tributação secundária”. “Cinco distribuidoras entraram com ação alegando cobrança abusiva e falta de tempo para avaliar o crédito”, conta.

Para ele, o MME terá de criar ações que destravem o CBio para a parte não obrigada. “A entrada de pessoas físicas na bolsa de valores aumentou 86% no ano passado, mas os CBios não estavam sendo negociados, e perdeu-se a oportunidade”, lamenta.

Costa ainda afirma que seria importante manter as metas de compra obrigatória por parte das distribuidoras. “Temos visto o produtor pedindo que a meta suba, e as distribuidoras que a meta desça. É importante seguir com o que foi acordado”, destaca. Para 2021, a meta das distribuidoras é comprar 24,5 milhões de CBios.

A Revista Globo Rural procurou a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) para comentar sobre o comportamento das corretoras de valores mencionado por Costa, mas a entidade não se pronunciou.

Desestímulo

Luís Flávio Neto, advogado tributarista do escritório Koury Lopes Advogados, afirma que a tribuição é um dos fatores que faz com que a parte não obrigada ainda esteja distante do CBio.

“Obriga a pessoa física a especular, só podendo vender a partir de um momento em que estaria vantajoso, incluindo a recuperação do valor que foi investimento mais o imposto com alíquota de 15%. Muitas vezes, a compra pode não valer a pena”, diz.

“O avanço do CBio reflete o amadurecimento das questões ambientais no Brasil e isso está sendo refletido na questão tributária, por isso eu sugeriria melhor afinamento” – Luís Flávio Neto, advogado tributarista do escritório Koury Lopes Advogados

Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), admite que o mercado de CBio é pouco atrativo para a parte não obrigada. “O forte ainda é o produtor ofertando e a distribuidora adquirindo. Tem que ser atraente não só à parte obrigada, mas para pessoa física ou jurídica”, ressalta.

Produtor

Padua explica que atualmente 1 CBio equivale a 900 litros de etanol comercializado, mas há potencial de emitir o título com 600 litros do biocombustível.

“O grande negócio é buscar emitir mais CBios pelo menor volume de álcool comercializado. Para isso, é preciso previsibilidade, redução de combustível fóssil e possibilidade de ser mais competitivo”, frisa.

De acordo com ele, as usinas estão em plenas negociações, mas é preciso trabalhar para reduzir a carga tributária, apesar de, até o momento, a tributação não ser “um impeditivo para o mercado”.

“Todo o processo já está regulamentado pela ANP [Agência Nacional do Petróleo], quem define é o Conselho Nacional de Política Energética. Para o produtor, é uma questão de oferta e demanda. O ano fechou em R$ 43 o CBio, o mercado começou com R$ 20, teve momentos de especulação que chegou a R$ 70”, observa Padua ao afirmar que as distribuidoras cumpriram 97,6% da meta do RenovaBio para 2019/2020.

“O grande negócio é buscar emitir mais CBios pelo menor volume de álcool comercializado” – Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da UNICA

Diogo Martins Teixeira, sócio da área tributária do escritório Machado Meyer, diz que a crítica sobre esse modelo de 15%, do ponto de vista tributário é que o peso dessa tributação vai depender da situação do produtor.

“Deveria ter sido colocado como opcional, num regime especial, e isso viabilizaria as usinas de serem tributadas de acordo com a situação fiscal atual, como é o caso do Pis e Cofins para a venda de álcool. O mesmo tratamento tributário serve para as partes não obrigadas”, salienta

Outra característica nebulosa da legislação, segundo os advogados, é a incerteza sobre o tipo de tributação que deve operar no CBio quanto ao Pis e Cofins, pois não há clareza da natureza jurídica do título (serviço, operação financeira ou mercadoria).

“A legislação fomenta [o combustível renovável] e a tributação atrapalha. A espinha dorsal do Renovabio parece factível. O ponto é que a tributação só atrapalha, trazendo insegurança jurídica”, diz Teixeira.

Ele também alerta para um comportamento em que a insegurança jurídica do CBio pode pressionar o preço do combustível. “O produtor que tem prejuízo fiscal e não consegue ter lucro vai aumentar o custo de CBio ao distribuidor, que vai repassar para o consumidor na bomba de combustível”, prevê o advogado.

“Para não causar um problema macroeconômico, foi revista a meta em 2020, por pressão das distribuidoras. E é com isso que o mercado precisa ficar atento”, sugere.

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