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Edição 188

Por que ainda ocorrem acidentes de trabalho no CTT das usinas?

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Apesar dos esforços com treinamento para alcançar o índice zero, as grandes companhias apontam o comportamento humano como o principal fator causador de acidentes

Natália Cherubin

Atropelamentos, esmagamento e corte de membros, tombamentos ou colisão de maquinários, incêndios e explosões são alguns dos riscos aos quais os colaboradores que atuam na área de CTT – Corte, Transbordamento e Transporte – das usinas sucroenergéticas estão expostos durante todo o período de uma safra canavieira. Mas por que será que mesmo com a mecanização dos processos e todos os programas de treinamento e capacitação oferecidos pelas usinas, os acidentes ainda continuam expondo os funcionários a estes perigos? A RPAnews procurou especialistas da área de Saúde e Segurança do Trabalho e usinas para entender por que é tão difícil zerar o índice de acidentes nesta área.

Apesar do assunto ainda ser espinhoso para um setor que carrega em sua bagagem uma imagem um tanto quanto negativa com relação ao trabalho do homem nos canaviais, já se comemoram os muitos avanços conquistados no campo da Saúde e Segurança do Trabalho. Ao longo dos últimos dez anos, período também de maior expansão da mecanização dos canaviais, as unidades passaram a entender que oferecer melhor qualidade de vida e segurança aos seus colaboradores torna a organização muito mais competitiva.

Só para se ter uma ideia, no ano de 1999 o número de acidentes envolvendo o cultivo da cana-de-açúcar, de acordo com o banco de dados da Previdência Social (órgão responsável por este levantamento), chegava a 11.643, número que caiu para 8.359 em 2005 e chegou a 7.604 em 2009. Entre 2010 e 2012, o número de acidentes de trabalho caiu ainda mais, despencando de 6.519 para 4.731 por ano.

Os dados da Previdência Social mostram uma queda ainda maior de acidentes envolvendo o cultivo da cana-de-açúcar entre 2013 e 2015, último levantamento disponível pelo órgão. Segundo as estatísticas, o número de acidentes na produção de cana caiu de 4.096, em 2013, para 2.132, em 2015, uma redução de 1.964 acidentes. Dos 2.132 acidentes, 1.851 casos registrados são relacionados a atividade agrícola em si, enquanto 109 acidentes ocorreram durante trajeto ao trabalho e 32 foram registrados como doenças desenvolvidas a partir das atividades.

O setor definitivamente atravessa uma nova fase. No Centro-Sul, responsável por 92% de toda a produção brasileira de cana-de-açúcar, a mecanização substituiu o trabalho humano no corte da cana. Até 2016, a região alcançava 96% da sua colheita mecanizada, número que, segundo a RPA Consultoria, deverá chegar aos 98% em 2017. A eliminação da figura dos cortadores também foi acompanhada por uma melhora das condições de trabalho daqueles que se dedicam a operação das máquinas envolvidas no corte, carregamento e transporte da cana.

José Darciso Rui, diretor executivo do Gerhai (Grupo de Estudos de Recursos Humanos na Agroindústria) avalia uma grande evolução por parte do setor, que desde o cumprimento da legislação, bem como a implantação de programas de saúde e segurança com foco na sustentabilidade e responsabilidade social, fez uma verdadeira revolução na área de segurança e saúde do trabalhador.

“No passado pouco se falava em PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional), em PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais), em áreas de vivência e em projetos de saúde e segurança. Aliás, muitas empresas nem cumpriam os dispositivos legais quanto a estas questões. Hoje, com a atuação do Ministério Público do Trabalho, que nos casos de descumprimento da legislação tem aplicado multas pesadas e obrigado às empresas a assinarem TACs (Termos de Ajustamento de Conduta), a situação mudou”, afirma Rui.

No entanto, muitas empresas saíram na frente e anteciparam-se na implantação destes programas e no cumprimento de todo o aparato legal, que não é nem um pouco barato, evitando, com isso, uma maior pressão dos empregados, sindicatos e órgãos fiscalizadores governamentais. “Certamente, estas empresas ganharam em qualidade, produtividade e satisfação no ambiente de trabalho”, acrescenta Rui.

Diversos cursos são ministrados dentro do CTT como primeiros socorros,
uso de EPIs, operação segura do equipamento entre outros, que são exigidos
pela NR 31 e/ou aqueles que fazem parte da política de segurança da empresa

ACIDENTES POR COMPORTAMENTO

A mecanização dos processos de CTT podem até ser uma das explicações para a redução do número de ocorrências no campo. No entanto, acidentes continuam acontecendo, mesmo que em menor escala. Poucos são noticiados pela mídia, mas em 2016 há registros de acidentes fatais em áreas agrícolas de usinas brasileiras.

Em maio de 2016, um funcionário de 53 anos de uma usina de Batatais, SP, faleceu eletrocutado em um trator. O operador de máquinas prestava um serviço em um canavial às margens da rodovia Candido Portinari quando recebeu uma descarga elétrica no trator em que trabalhava. Ele teve socorro imediato, mas sua morte foi constatada no local.

A Usina Batatais emitiu uma nota à imprensa esclarecendo o acidente. Segundo a direção da empresa, o operador manobrava um trator reboque na lavoura de cana-de-açúcar quando encostou-se em um poste de eletricidade que veio a pender e encostar um de seus fios sobre o equipamento. Ao perceber que havia algo de errado, o operador teria descido da máquina e recebido uma descarga elétrica sobre seu corpo.

Em julho de 2016, um auxiliar de engate de 27 anos morreu depois que uma máquina empilhadeira utilizada no transporte da cana-de-açúcar passou em cima dele. O acidente ocorreu em um canavial no bairro rural Ribeiro do Vale, em Guararapes, SP.

Em agosto do mesmo ano, um motorista de 55 anos morreu após o tombamento de um caminhão carregado com cana-de-açúcar, em Narandiba, SP. De acordo com as informações da Usina Cocal ao Portal G1, o funcionário seguia por uma estrada de terra na zona rural que dá acesso à unidade, quando o veículo tombou.

Em setembro de 2016, um operário morreu depois que o canavial onde ele estava trabalhando pegou fogo, em Santa Isabel, SP. De acordo com a empresa onde ele trabalhava, as chamas teriam atingido a máquina e o trabalhador ficou sem ter para onde fugir. A suspeita da empresa é de que ele teria se asfixiado com a fumaça.

Em novembro de 2016, um motorista de 49 anos morreu prensado entre um caminhão e um trator em uma estrada rural de São Manuel, SP. O acidente ocorreu no trajeto para a colheita da cana de uma usina de Barra Bonita. O motorista dirigia o caminhão para a usina, mas ao trafegar em uma estrada de terra bastante íngreme e com pedregulhos, o veículo não conseguiu subir e precisou ser rebocado por um trator também da mesma empresa. Quando o motorista desceu do caminhão para encaixar o cabo do reboque entre os veículos, o trator, mesmo com o freio acionado, teria descido e prensado a vítima.

Um vídeo de um trabalhador preso no elevador de uma colhedora de cana-de-açúcar, da unidade Tamoio, da Raízen, localizada em Araraquara, interior de São Paulo, chamou a atenção no início deste ano quando circulou na internet. A gravação de pouco mais de um minuto mostrava os colaboradores da empresa tentando resgatar um homem que ficou preso na máquina enquanto fazia a manutenção do equipamento.

O incidente aconteceu em outubro de 2016 e no momento do ocorrido, a operação estava parada por conta da chuva. A equipe apenas realizava a limpeza e manutenção da máquina, o que agilizou o socorro do colaborador. Em nota, a Raízen informou que o acidente ocorreu em razão do não atendimento a procedimentos de segurança. Em conversa por telefone com a RPAnews, Fábio Fernandes Sant’Anna, gerente de Saúde, Segurança e Meio Ambiente da Raízen, explicou que o incidente ocorreu por um descuido na hora da manutenção. “Um de nossos gestores foi fazer uma manutenção no exaustor secundário de uma colhedora e ao mesmo tempo ele cometeu o deslize de pedir para uma outra pessoa fazer a manutenção na estação RTK. Para fazer a configuração da RTK é preciso ligar a colhedora e colocá-la para configurar este equipamento. Como o colaborador estava em cima do elevador, a máquina ligada acabou puxando-o, causando algumas lesões. Felizmente ele se recuperou e já voltou a trabalhar.”

Estes são apenas algumas das ocorrências de 2016. De acordo com Carlos Eduardo Gava Mercado, técnico em Segurança do Trabalho com mais de dez anos de experiência em usinas sucroenergéticas, os acidentes ainda ocorrem porque são vários os riscos que os colaboradores correm no CTT. Os mais frequentes são:

– Corte: em situações específicas, algumas unidades ainda realizam o corte manual, que pode originar acidentes envolvendo cortes, ataques de animais peçonhentos, quedas, lesões diversas relacionadas ao esforço físico etc. Já no corte mecanizado e na área de CTT em geral, é necessário entender que há todo um suporte para que a atividade seja realizada como, por exemplo, o transporte e armazenamento de produtos perigosos necessários para abastecimento, lubrificação e reparo do maquinário, que no período de safra quebram com frequência. Esta atividade pode gerar danos pessoais, materiais e ambientais. Pode-se incluir nesse exemplo os caminhões oficina, que além de diversos equipamentos e ferramentas, transportam cilindros de gases potencializando o risco de incêndios e explosões.

Outro risco em potencial no corte mecanizado é de incêndio/eletrocussão nas colhedoras devido à palha da cana e contato do elevador com e rede elétrica rural. Podem ainda haver acidentes na troca de facas e faquinhas das colhedoras de cana.

– Transbordamento: atividade que envolve engate e desengate de máquinas e implementos, movimentação de matéria-prima, movimentação de maquinário e, em alguns casos, circulação de moradores da região. Neste caso, os acidentes mais comuns são relacionados à prensamento, esmagamento, amputação, atropelamento, contato com rede elétrica, colisão, tombamento ou capotamento.

– Transporte: de modo geral, os riscos são inerentes à atividade de transporte, somando-se a isso a baixa velocidade de locomoção dos caminhões, mas podem ocorrer na entrada e saída das áreas de colheita, por conta da má conservação de estradas e fatores pessoais relacionados ao motorista etc.

“Há alguns anos era comum notícias sobre mortes por esgotamento físico. Hoje, infelizmente as mortes ainda acontecem, em menor número, mas acontecem por várias causas como o descuido do operador, o não cumprimento de normas e falta de capacitação. Vale ressaltar que, de modo geral, os órgãos fiscalizadores contam com efetivo reduzido e fiscalizações acontecem com maior frequência quando há uma denúncia, acidente grave ou fatal”, complementa Mercado.

Luiz Nitsch, especialista em Motomecanização da Sigma Serviços Automotivos, conta que os acidentes mais comuns no CTT são as colisões e esbarrões entre equipamentos, principalmente no período da noite. “Tombamentos e incêndios de colhedoras infelizmente ainda ocorrem. No caso de tombamentos de colhedoras, a causa mais comum é alguma anomalia no solo, que surge abruptamente e que o operador não percebe a tempo. Nas unidades que assessoro, por exemplo, por duas vezes e em unidades diferentes, colhedoras colidiram com dispositivos demarcatórios de cimento armado cobertos pela cana. Três tombamentos ocorreram por buracos grandes que surgiram na linha da colheita das canas, não se sabe bem o porquê. Já os incêndios, na maioria das vezes, são causados por negligência na limpeza periódica das palhas secas acumuladas, principalmente no compartimento do motor, truques de esteiras e rolos transportadores. Alguns ferimentos de gravidade acontecem com engatadores de reboques por pura falta de atenção dos operadores”, destaca Nitsch.

Fabiano Lima Souto, gerente de Saúde e Segurança do Trabalho da Guarani Tereos Açúcar & Energia Brasil, conta que na época da colheita manual, as unidades tinham muitas ocorrências relacionadas a lesões do sistema osteomuscular. “Com a mecanização do setor, a adequação do homem à máquina passa por transformações na rotina de trabalho, ajustes e proteção das máquinas e equipamentos para adequação ergonômica dos processos às pessoas. Hoje, os acidentes [mais de 90%] estão associados ao comportamento humano. Existem fatores pessoais, como a pressa, frustração, complacência e outros, que contribuem diretamente para a ocorrência de acidentes. Qualquer atitude humana pode colocar em risco nossas atividades laborais, e a percepção dos riscos associados ao nosso comportamento é muito importante para mantermos uma atitude segura na nossa rotina de trabalho.”

Na Usina Diana, antigamente, os acidentes que mais ocorriam eram torções e cortes superficiais dos funcionários. De acordo com Carlos Umberto Costa Toledo, responsável pela Segurança do Trabalho, hoje em dia, a unidade treina todos os seus funcionários para evitar acidentes, entretanto, devido às condições do piso/terreno, ainda existem ocorrências causadas por movimentos involuntários, como torções.

O gerente de Saúde, Segurança e Meio Ambiente da Raízen afirma que a área de CTT hoje em dia tem um índice de incidentes muito baixo e de menor gravidade, se comparados aos últimos dez anos. “Hoje o ambiente é mais controlado e muito disso se deve a mecanização. A Raízen reconhece este avanço tanto que estamos com 98% de mecanização e temos visto inúmeros benefícios nas condições de trabalho.”

Ainda de acordo com Sant’Anna, o acidente, independentemente da área, é dividido em dois blocos: acidentes ligados à infraestrutura ou ligados ao comportamento. “Mais de 90% dos acidentes estão ligados ao comportamento. Quando saímos do corte manual, que é uma atividade que dependia essencialmente do comportamento e do uso de EPIs, tínhamos uma fragilidade maior e uma quantidade maior de pessoas envolvidas em acidentes. Quando partimos para a mecanização houve uma mudança radical no perfil dos riscos, isto porque a pessoa trabalha dentro de máquinas e com maior conforto.”

Mesmo assim, ele admite que deslizes acontecem, como foi o caso do gestor da Unidade Tamoios. “O cuidado fundamental é o isolamento do equipamento na hora da manutenção de peças. Por exemplo, se você vai fazer uma manutenção na correia do seu carro, tem de ter a garantia de que ninguém vai dar partida no motor na hora que você estiver mexendo na correia. Fazendo uma analogia, foi mais ou menos isto que ocorreu neste acidente”, observa.

Uma das práticas adotadas por muitas usinas para o controle de
riscos é o Diálogo Diário de Segurança (DDS)

SEGURANÇA DO TRABALHADOR É MISSÃO

O setor já entendeu que o fator humano é o elemento diferenciador para o crescimento da corporação. Afinal, uma empresa que busca ser competitiva e que deseja exportar açúcar ou etanol para outros países, cada vez mais exigentes, precisa criar um ambiente onde o trabalhador sinta-se bem ao desempenhar suas funções. Isto exige cada vez mais investimentos em programas e ferramentas que priorizem a segurança e a qualidade de vida no trabalho.

De acordo com uma publicação anual brasileira, que destaca os resultados das 500 maiores e melhores empresas do País, as corporações mais bem colocadas são aquelas que atuam permanentemente no controle e redução dos riscos associados aos seus processos de trabalho, produtos e serviços, e que asseguram a integridade e o bem-estar físico e mental de seus colaboradores.

As usinas têm buscado atender tais quesitos. Rui afirma que diversos cursos são ministrados dentro do CTT como, primeiros socorros, uso de EPIs, operação segura do equipamento entre outros, que são exigidos pela NR 31 e/ou aqueles que fazem parte da política de segurança da empresa.

“É comum nas empresas um quadro satisfatório de profissionais voltados para a Segurança e Saúde no Trabalho como enfermeiros do trabalho, técnicos de segurança, médicos do trabalho, engenheiros do trabalho, que tem como função fiscalizar as atividades operacionais, orientar os empregados e fazer cumprir as leis em vigor. Estes profissionais também são os responsáveis por ministrarem cursos sobre estes temas ou então encontrar a melhor opção para que sejam realizados cursos desta natureza com entidades externas”, afirma.

O gerente de Saúde e Segurança do Trabalho da Guarani Tereos Açúcar & Energia Brasil, revela que todos os anos, antes do início de cada safra, os colaboradores envolvidos nestes setores da empresa passam por treinamentos com a área de segurança, onde a análise de risco das atividades do CTT são apresentadas, bem como as medidas de controle de riscos para as atividades.
Além dos treinamentos de segurança, os operadores recebem treinamentos específicos de especialistas que definem os procedimentos de trabalho de acordo com a eficiência pretendida, seguindo os padrões de segurança e qualidade pretendidos pela empresa.

Outra prática de controle de riscos é o Diálogo Diário de Segurança (DDS) onde o líder tem a possibilidade de transmitir à sua equipe as boas práticas de operação e controle de riscos para aquele dia de trabalho. “Além disso, são feitas análises de riscos de todas as operações, onde os riscos inerentes as atividades são analisados caso a caso, e as medidas de controle são definidas. As medidas de controle estão descritas nas ordens de serviço e no manual de segurança “Risco Zero” da empresa. Todos os colaboradores recebem estes manuais de boas práticas, e são responsabilizados pela prática segura de seus equipamentos”, complementa Souto.

Carlos Umberto Costa Toledo, responsável pela Segurança do Trabalho, João Silva Parra, supervisor de Colheita Mecanizada, Eduardo Alvares, responsável Jurídico e Itamar Andreatta, da Medicina do trabalho da Usina Diana, esclarecem que na unidade, os líderes instruem os funcionários através de treinamentos e do Diálogo de Segurança aplicado todas as manhãs.

São realizados também orientações através de OSS (Ordem de Serviço de Segurança), treinamentos diversos como, por exemplo, direção defensiva, NR 6, NR 31, NR12, NR 23, prevenção e combate a incêndio, orientação através de empresa terceirizada (CTEEP) sobre trabalhos próximos à  redes energizadas, procedimento para condutores e operadores de máquinas e veículos em vias de tráfego rural e mudança de área, normas de sinalização para entrada e saída de veículos longos no campo, campanhas internas e análise de falhas, realizado pelo setor agrícola quando ocorre algum acidente veicular.

“Temos ainda o POP [Procedimento Operacional Padrão] abrangendo este setor, o manual do colaborado e o jornal interno, onde mensalmente divulgamos conteúdos voltados a segurança e saúde”, adicionam.

Sant’Anna afirma que saúde e a segurança dos funcionários são as prioridades máximas da Raízen. Sendo assim, a empresa conta com o Sistema Integrado de Gestão de Operações (SIGO) para identificar e gerenciar os riscos inerentes às atividades produtivas. “Por meio do SIGO, controlamos a gestão de Saúde, Segurança e Meio Ambiente (SSMA) da empresa. O sistema estabelece padrões e metodologias para o gerenciamento dos riscos das operações, abrangendo as atividades agrícola e industrial. Desde a sua implantação, conseguimos diminuir ocorrências e afastamentos significativamente.”

O SIGO é composto por nove elementos que orientam as ações dos funcionários e estimulam um comportamento adequado no desempenho das funções. “Um dos nove e principais elementos leva em conta o comportamento do funcionário. Hoje trabalhamos com um conceito no qual cada colaborador é responsável por observar a segurança de todos. Ou seja, eles são fiscais de si mesmos. Só para se ter uma ideia da nossa preocupação, hoje temos 280 funcionários ligados diretamente à área de Saúde, Segurança e Meio Ambiente. É um contingente grande, mas diante de 25 mil funcionários, estes 280 não conseguiriam atuar, por isso que todos os funcionários têm também o papel de fiscalizadores da segurança. Mais do que ajudar é reconhecer que este é de fato um papel de todos”, explica o gerente de Saúde, Segurança e Meio Ambiente da Raízen.

Devidamente treinados, os funcionários tornam-se multiplicadores de práticas e comportamentos adequados em ambiente de trabalho. “Vemos que esta cultura de segurança do trabalho está chegando a todos quando ocorre um acidente e o próprio colaborador reconhece o que foi feito de errado e como o acidente poderia ter sido evitado. Quando chegamos neste estágio de maturidade do colaborador entender que o maior beneficiado é ele mesmo, isso é uma ótima mensagem e uma ótima conquista.”

ZERO ACIDENTES?

Hoje a busca das grandes companhias é pelíndice Zero Acidente”. Mas seria possível eliminar os riscos de acidentes? A Raízen acredita que sim. Isso inclusive é uma meta da companhia, que vem investindo na conscientização individual e coletiva a respeito da importância de atitudes seguras.

De acordo com o relatório de sustentabilidade da companhia, na safra 2015/16, foram 27 acidentes com afastamento e duas mortes de funcionários, números que a Raízen ainda interpreta como inaceitáveis e que só poderão ser revertidos com a realização de ações contínuas que focam o comportamento das pessoas. Houve uma redução de 87,5% no índice LTIF (Lost Time Injury Frequency) e de 88,4% no número de acidentes com afastamento, quando comparados ao primeiro ano de atuação da Raízen (Gráfico 1).

Cerca de 92% das instalações da companhia operaram sem nenhum acidente com afastamento durante a safra 2015/16. No mesmo período, 11 das 23 unidades produtoras em operação não tiveram nenhum acidente com afastamento. “De acordo com relatório da companhia, considerando que essas unidades produtoras têm maior exposição ao risco quando comparadas a outras operações da Raízen, o resultado demonstra que a meta de Zero Acidente é possível”, afirma Sant’Anna.

O gerente de Saúde e Segurança do Trabalho da Guarani Tereos Açúcar & Energia Brasil, conta que a companhia monitora seus resultados da segurança com os índices de acidente de trabalho e teve uma redução na ordem de 92% em relação às últimas cinco safras. A meta também é o Acidente Zero.

“No início da implantação de qualquer sistema de gestão de segurança, a partir de um diagnóstico das instalações e processos, as ações e investimentos são definidos para atingir um único objetivo: acidente zero. Ao longo das últimas oito safras, a Guarani investiu em instalações seguras e procedimentos de trabalho que garantem o padrão de eficiência pretendido pela empresa. Hoje, possuímos o programa ‘Risco Zero’, que conduz nossas ações de segurança e controle de nossas operações, e trabalhamos intensamente no comportamento de nossos colaboradores, para que todos atinjam seus resultados com responsabilidade e segurança.”

Para o diretor executivo do Gerhai, o conceito “zero acidentes” é uma utopia. “Nunca acreditei nisso, porque somos humanos e humanos tem falhas. Assim, enquanto o homem continuar a existir nas operações estaremos sujeitos a acidentes”, destaca.

Ainda de acordo com Rui, um dos principais fatores para a ocorrência de acidentes do trabalho é o ato inseguro, ou seja, praticar as atividades fora dos padrões exigidos e orientados pela empresa. “O excesso de confiança e a experiência adquirida naquela função faz com que cometamos equívocos que geram acidentes do trabalho. A maioria dos casos de acidentes graves ou com consequências fatais são analisados pela CIPA em suas reuniões mensais. Pelo que conhecemos, a grande maioria esmagadora conclui-se pelo ato inseguro e não pela condição insegura. Ou seja, a empresa deu totais condições de trabalho com segurança, com entrega de EPIs, treinamentos, fiscalização entre outros pontos, porém em algum momento o trabalhador deixou de respeitá-las.”

João Francisco Cintra, Técnico de Segurança do Trabalho e proprietário da Cintraseg, concorda. Sua experiência, de mais de 20 anos, mostra que a maioria acidentes ocorrem por excesso de confiança do colaborador. “Nas análises dos acidentes do trabalho infelizmente é a falha humana e a falta de conhecimento dos riscos os principais responsáveis pelos acidentes. As usinas precisam investir mais em treinamento e análise preliminar de riscos.”

Segundo Rui a redução do número de acidentes nos últimos deu-se por vários motivos, mas principalmente pela evolução tecnológica das máquinas. “Dificilmente o acidente ocorre por falha mecânica ou do equipamento. A falha geralmente é humana e por atos inseguros. Os motivos principais desta redução de acidentes foram: tecnologia avançada, treinamentos operacionais e de segurança do trabalho, cumprimento da legislação em vigor e implantação de programas de qualidade de vida voltados para a segurança e saúde do trabalhador”, enfatiza.

No entanto, Mercado destaca que apesar da mecanização ter diminuído muito a quantidade de trabalhadores expostos a determinados riscos, diminuindo a quantidade dos acidentes, por outro lado traz riscos, principalmente relacionados à manutenção, tanto no campo quanto nas oficinas. “A manutenção realizada no campo ocorre em qualquer circunstância como exposição ao sol, frio, chuva e no período noturno, onde a falta de iluminação dificulta bastante a atividade.”

GESTÃO DA SEGURANÇA

O primeiro passo de qualquer unidade que deseja chegar ao índice Acidente Zero, é encarar a segurança do trabalho não como um custo, mas sim como benefício traduzido em diminuição de acidentes, afastamentos, ações trabalhistas, autuações, aumento da produção e, consequentemente, melhora da imagem ou marca da empresa perante seus clientes e fornecedores.

De acordo com Mercado, a base de todo sistema, o monitoramento e atualização constante requer atenção principalmente em relação à legislação. “Existem sistemas de gestão que de tão burocráticos acabam se tornando engessados. A burocracia é tamanha que não sobra tempo hábil ou a percepção de fazer o mais simples que é ouvir o trabalhador. O conhecimento e a percepção que os trabalhadores têm do processo de trabalho e dos riscos ambientais presentes, incluindo os dados consignados no mapa de riscos, previsto na NR-5, deverão ser considerados para fins de planejamento e execução do PPRA em todas as suas fases.”

Há um grande campo de atuação para a segurança do trabalho principalmente em empresas de pequeno porte ou terceirizadas, já que a imensa maioria não conta com Serviço Especializado em Segurança e Saúde no Trabalho Rural – SESTR ou Comissão Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho Rural – CIPATR, mesmo quando são obrigadas a manter pela NR 31. “Cabe então à empresa contratante realizar uma gestão de contratadas bem estruturada e eficiente”, adiciona Mercado.

Para Rui o segredo de uma boa gestão da Segurança do Trabalho é cumprir os dispositivos legais como CLT, NRs e Acordos Coletivos de Trabalho, implantando programas de conscientização quanto a segurança do trabalho, promovendo campanhas, aplicando punições quando pertinentes e treinando os colaboradores em suas operações cotidianas.


LEIS A FAVOR DO TRABALHADOR

A Norma Regulamentadora NR-31, que trata da Segurança e Saúde no Trabalho na Agricultura, Pecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e Aquicultura, é a principal fonte normativa quando se fala em medicina e segurança no trabalho rural.

Fábio Luiz, advogado da Pereira Advogados, explica que a NR 31 também se aplica aos trabalhadores do setor de CTT. Entretanto, ao todo, existem 36 normas regulamentadoras, algumas específicas para certas atividades – como a NR 18 que trata da Indústria da Construção – e outras, de conteúdo mais geral, que podem estabelecer procedimentos de saúde e segurança no trabalho extensíveis ao CTT das usinas. “Como exemplo, temos a NR 16, que cuida das atividades e operações perigosas (inflamáveis, explosivos e energia elétrica), integralmente aplicável às operações do caminhão comboio, que provê o abastecimento da frota. Convenções e acordos coletivos sindicais também podem estabelecer regras adicionais para prevenção de acidentes.”

Mas como todos estes acidentes que mostramos na reportagem, quando ocorrem, impactam negativamente as unidades sucroenergéticas? A lista de danos é bastante extensa. Resumidamente, a depender da gravidade do evento, o acidente pode implicar em prejuízos ao local de trabalho, à lavoura, à máquina ou implemento em uso. Pode gerar, também, perda de insumos e outros produtos. Mas, efetivamente, o maior prejuízo que pode ocorrer é em relação à vida e saúde dos trabalhadores e outras pessoas que possam estar envolvidas.

“Nesta condição, constatada a culpa do empregador para a ocorrência do sinistro, lhe serão impostas penalizações severas, buscando educá-lo para que tais situações não se repitam. Nestas hipóteses, a Justiça determina o pagamento de indenizações por danos morais, materiais e estéticos aos possíveis lesados. Além disso, o empregador pode ter seu estabelecimento interditado, no caso de se manter a condição de risco, além de arcar com as multas previstas em lei e impostas pelos órgãos de inspeção”, explica Pereira.

Nesta hora, é preciso que as equipes jurídicas e de medicina e segurança no trabalho atuem em conjunto para correta aplicação das normas em vigor, pois a atuação preventiva é sempre o melhor caminho para o empregador manter seu estabelecimento livre de acidentes no trabalho.

Pereira afirma que a equipe jurídica auxilia na interpretação da norma, visando aperfeiçoar as condições de trabalho, que serão implantadas em termos de segurança e de medicina pelo setor especializado (SST). Este setor, por usa vez, além de implantar, deve fiscalizar as condutas, exigindo o cumprimento das normas pelos empregados e por prestadores de serviço (terceiros).

“Periodicamente, estes equipes devem se reunir para avaliação das ações de melhoria implementadas, acompanhar o andamento dos trabalhos da CIPA, investigar eventuais acidentes e suas circunstâncias para aprimorar as condutas, de modo a não haver novos infortúnios, verificar a vigência dos instrumentos básicos necessários [PPRA e PCMSO], promover treinamentos e reciclagens, propor melhoria nas cláusulas contratuais de prestadores de serviços, entre outras ações”, conclui.

Nota ao leitor: Para obter dados mais recentes sobre o setor, a RPAnews entrou em contato com a Unica (União da Indústria da Cana-de-açúcar) para coletar as estatísticas de acidentes envolvendo o cultivo da cana-de-açúcar. No entanto, a entidade nos informou, via assessoria de comunicação, que o levantamento anual realizado com suas associadas não poderia ser divulgado. Sendo assim, a RPAnews utilizou-se das informações dos anuários da Previdência Social, órgão que produz estatísticas sobre acidentes de trabalho. Os dados informados nesta reportagem constam nos levantamentos anuais da Previdência e segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que, no caso, foi delimitada especificamente em “Cultivo da cana-de-açúcar”. A pesquisa até 2005 informa apenas os dados totais sobre os acidentes, com e sem CAT (Comunicação de Acidentes de Trabalho) registrada.

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