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Opinião

Quando o hedge do açúcar causa dúvidas

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Açúcar

Por: Arnaldo Luiz Corrêa

O mercado futuro de açúcar em NY encerrou a semana cotado a 19.94 centavos de dólar por libra-peso no contrato para vencimento março/22, 86 pontos de alta em relação à semana anterior (cerda de 19 dólares por tonelada). Ao mesmo tempo, o real se recuperou frente ao dólar valorizando 1.9% na semana (encerrando a R$ 5,5400). A combinação dos dois eventos provocou uma queda no valor do açúcar em reais por tonelada para as próximas safras. A média das cotações da safra 22/23 (correspondente aos contratos de maio, julho e outubro de 2022 e março de 2023) caiu R$ 21,00 por tonelada e a safra 23/24, um encolhimento de 43 reais por tonelada.

A queda dos fretes marítimos fruto da desaceleração da economia chinesa provoca timidamente o retorno das atividades das tradings no açúcar. O fortalecimento dos spreads em NY pode ser sinal desse movimento. Os contratos futuros de açúcar em NY com vencimentos mais curtos apreciaram muito mais que os vencimentos mais longos. A curva de preços ficou mais invertida. O ritmo de negócios precisa ganhar mais força para que o fluxo de caixa das tradings volte ao normal e evite a necessidade de dinheiro novo. Resta saber se a demanda vai pegar.

Nosso comentário da semana passada acerca das fixações de preço do açúcar para exportação, em reais por tonelada, ao longo da curva de até dois anos sugeridas aqui nesse espaço desde que acompanhadas da compra de uma call (opção de compra) com preço de exercício 200 pontos acima do mercado, suscitou discussões e reflexões por parte de alguns leitores. Um experiente usineiro argumenta que “num governo como o nosso se você faz uma fixação de dois anos e enfrenta uma inflação de 10% ao ano, que no cenário de hoje é bem factível, isso basta para levar toda a margem que você considerou maravilhosa no momento da fixação”.

Evidentemente há prós e contras nesse debate. É verdade, no entanto, que muitos dos decisores dentro das organizações sentem-se cada vez mais desencorajados quando estruturas que visam proteger as empresas contra oscilações desfavoráveis de preços, papel exercido pelos contratos futuros e outros derivativos, perdem sua eficiência por fatores exógenos e, portanto, fora do controle dos mercados, agravados por políticas econômicas e fiscais destrambelhadas.

Vejam a situação crítica em que o Brasil se encontra nesse momento. A eventual aprovação do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) dos precatórios é a institucionalização do calote (do Tesouro), aumentando a insegurança jurídica dos contratos e afastando os investidores estrangeiros que, ao saírem do País, pressionam a moeda brasileira. A alta do dólar atinge insumos agrícolas, gasolina, diesel e provoca um efeito dominó em toda a cadeia produtiva, gerando inflação. Ato contínuo, o Banco Central é obrigado a aumentar os juros para controlar o aumento de preços. Juros altos acarretam retração na economia e o PIB do ano que vem será desastroso. A MB Associados estima um crescimento pífio de 0.4% enquanto o Banco Itaú projeta uma queda de 0.5%. Mas, espere. Estamos em 2021. O ano que vem será muito pior.

Nesse cenário, os argumentos do desacorçoado usineiro ganham força contrária mesmo para a compra de uma simples put (opção de venda) com preço de exercício abaixo do mercado, pois a conversão do preço de exercício em reais torna-se inócua se o real se desvalorizar de forma ainda mais intensa. Com o citado usineiro fazem coro todas as usinas que apenas fixaram os preços em reais sem comprar nenhuma proteção acima do mercado.

O paradoxo dessas argumentações é concluir que o melhor hedge é não fazer hedge nenhum. Isso é um erro e não devemos cair nessa tentação. Toda estrutura de hedge que por algum motivo não deu o resultado esperado requer minuciosa análise para apontar o que deu errado e tentar corrigir o rumo. Por exemplo, são poucas as usinas que fazem o hedge de insumos (um dos custos mais afetados) que pode ser via troca de insumos por açúcar (barter), e apenas algumas compram opções de diesel na NYMEX. Certamente alguns provedores de operações de balcão possuem produtos derivativos com essas finalidades. Temos que pensar fora da caixa. Ganhar dinheiro e/ou preservar margem demanda constante criatividade e dá trabalho.

É bom lembrar que o grande vilão do descolamento do preço do açúcar em reais por tonelada é o câmbio. E ele é fruto de um governo medíocre e descompromissado com o que se propôs na campanha eleitoral e de seu ministro da economia que traria enorme contribuição ao País se optasse, por exemplo, pela profissão de animador de auditório. O desempenho vergonhoso do presidente de república na reunião do G-20, grupo das 20 maiores economias do planeta, escancarou a distância abissal entre o Brasil e seus pares. E reflete o clima ruim do País àqueles que pretendiam investir aqui.

E os números não mentem jamais. A volatilidade do câmbio no primeiro mandato de Lula foi 20% menor do que aquela observada no atual governo, parecida com o primeiro mandato de Dilma, 20.5% abaixo. Pelo menos no quesito estresse, esse governo está de parabéns.

Voltando ao mercado, as usinas deverão começar a próxima safra privilegiando a produção de etanol. Só não digo maximizando-a, pois estimamos que 45% do açúcar a ser exportado na próxima safra já está fixado e terá que ser produzido. Mesmo aquelas empresas que de certa forma se arrependeram de ter fixado preços em reais por tonelada quando os comparam aos preços atuais de mercado, avaliam que preços mais elevados do etanol no início da próxima safra irão compensar parte do que deixaram de ganhar no açúcar. O etanol terá a função — do ponto de vista da usina — como uma reserva de valor, ao mesmo tempo que desaceleram as fixações de preços do açúcar para 22/23. Vamos ver como essas questões se desdobram ao longo do tempo.

Por:  Arnaldo Luiz Corrêa, diretor analista de mercado na Archer Consulting

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