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Edição 206

Tecnologia Agrícola – Fixação biológica, parcelamento de N e adubação foliar

Publicado

em

*José Luiz Ioriatti Demattê

A descoberta de microrganismos fixadores de N tanto na rizosfera como na superfície das raízes pela pesquisadora J. Dobereiner, em 1961, permitiu que o tema fosse impulsionado por outros pesquisadores, inclusive na época atual de 2016, quando identificaram grande diversidade de bactérias fixadoras de N na cultura assim como observaram serem elas dependentes de variedades de cana. Entretanto, em condições de campo, a fixação biológica tem despertado controvérsias, pois mesmo quando confirmado o efeito positivo da planta sobre o desenvolvimento das bactérias não há evidências de que possa garantir o suprimento de N como observado (Dobereiner, 1992), inclusive em outros países como Austrália, África do Sul. Aliás, pesquisadores destes países enfatizaram que a fixação biológica do N em cana não é uma fonte significativa e confiável deste nutriente, embora bactérias fixadoras de N tenham sido isoladas no campo (para detalhes ver: Vitti et al., In Cana de Açúcar, Dinardo-Miranda et al. 2008).

Na Austrália Biggs et al. (2000), utilizando a técnica de 15 N, observaram que dos oito experimentos testados somente um deu resultado, porém questionável, pois os pesquisadores atribuem que situação específica do solo testado pode ter contribuído para o aumento informando. A contribuição da fixação biológica de N tem sido extremamente variável, mas a maioria dos autores atribuem valores na faixa de 7 kg de N (Ruschel et al. 1992).

Trabalhando com cana planta, Penatti e Donzelli (2000), em dose crescente de N com e sem inoculação da bactéria, não encontraram aumento da produtividade devido a inoculação nas quatro variedades testadas, inclusive na SP701143, tida como responsiva a inoculação. Estes mesmos autores trabalhando em soqueira de 4º corte, em solo arenoso (AQ) e de textura média (LVA9), com doses crescentes de N com e sem a inoculação da bactéria Acetobacter diazotrophicus aplicado na lateral da soqueira, não obtiveram ganho de t/ha com a inoculação. Na mesma época, tais autores aplicaram a bactéria em soqueira de 3º corte em 10 variedades, inclusive na SP 701143, em dose de 40 kg/ha de N e também não obtiveram respostas a inoculação da bactéria.

Em trabalho mais recente e publicado na Revista Brasileira de Ciência do Solo em 2014, o pesquisador Schultz e colaboradores da Embrapa Agrobiologia, realizaram um trabalho em cana, com três cortes, usando inoculação da bactéria diazotrophica e N mineral, controlado em ultissol em usina do Rio de Janeiro e concluíram que “não houve modificação na contribuição da BFN advinda da inoculação”.

Como se observa e apesar dos esforços conduzidos por técnicos e pesquisadores nesta área, ainda não se encontrou resposta razoáveis assim como a segurança necessária para proceder as recomendações comerciais ficando este conhecimento, por enquanto, confinado na área de pesquisa. Entretanto, surge atualmente a oportunidade de estudos relacionados as Bactérias Promotoras de Crescimento Vegetal (BPCV), pois é de conhecimento na área de microbiologia de solos que as bactérias diazotrophicas também influenciam no crescimento de plantas através de indução de hormônios como auxina, citocinina, giberelina etc, causando a um maior desenvolvimento radicular, aumentando a absorção de água e nutrientes, podendo também aumentar a velocidade de brotação das gemas e emissão de raízes em colmos de cana (Chaves et al. 2015). Fica, entretanto, o mesmo questionamento anterior: falta segurança e conhecimento para assegurar a aplicação em escala comercial, por outro lado é de conhecimento há mais de décadas, inclusive em uso comercial na cultura de cana, que os ácidos húmicos e fulvicos existentes na matéria orgânica do solo ou aplicados isoladamente promovem as características indicadas da mesma maneira que os hormônios sintéticos presentes em diversos compostos como fungicidas, inseticidas etc.

PARCELAMENTO DO N EM CANA PLANTA

A ação da mineralização do nitrogênio da MO do solo e provavelmente das bactérias fixadoras no plantio de cana, influenciaram as resposta do N variando de 0 a 60 kg/ha. Seguramente, tais fatores podem também influenciar no parcelamento. Os trabalhos relacionados a este tema são também em grande número, sendo que a maioria enfatiza que os resultados obtidos confirmam a ausência de resposta ao parcelamento de N, independentemente da textura, o que permite recomendar a aplicação do fertilizante numa única operação.

Penatti e Donzelli (2000), trabalhando com 10 variedades, procederam o plantio com 30 kg/ha de N e 45 kg em cobertura em solo argiloso da região de Ourinhos, e em de textura média na região de Araraquara, num total de 75 kg/ha de N e não obtiveram resposta ao parcelamento do N. Com média em Ourinhos de 137 t/ha, com 30 kg de N no plantio e 142 t/ha na cobertura, e em Araraquara com 131 t/ha no plantio e 132 t/ha na cobertura.

Os mesmos autores, em 2000, trabalhando com 16 variedades na região de Ribeirão Preto, em solo argiloso, procederam os mesmos tratamentos que os anteriores e não obtiveram resposta ao parcelamento, com média de 175 t/ha com 30 kg/ha de N no plantio, e 173 t/ha com 45 kg/ha na cobertura. Num trabalho clássico sobre o assunto, Penatti (2001) instalou dois experimentos em solo de textura média a arenosa (Usinas Catanduva e São Jose de Estiva), com 12 variedades e três formas de adubação, em kg/ha, a saber: T1- 60-150-150 (N-P205-K20 aplicado no sulco); T2- 30-150-150 no sulco + 30 kg de N em cobertura; T3- 150 kg de P205 no sulco + 60-00-150 em cobertura. A média dos resultados indicaram não haver diferença significativa para a produtividade da cana assim como da Pol% cana em função do sistema aplicado. A margem de contribuição agroindustrial foi semelhante para os tratamentos e, com isso, indicaram maior facilidade para a aplicação total dos nutrientes no sulco de plantio.

Em 2002 Penatti e Forti, trabalhando com 10 variedades em solo argiloso onde aplicaram teor de N no plantio em kg/ha de 0 a 90, assim como os parcelamentos, de 30+30 kg/ha de N, observaram que no final do experimento não houve efeito significativo do parcelamento do N. Porém, analisaram efeito positivo nos teores de N no plantio de quatro variedades, enquanto nas outras 6 não houve resposta (Tabela 1).

Em solo de textura arenosa, teor de argila na faixa de 12%, Morelli et al., em 1997 na região de Lenços Paulista, trabalhando em cinco grandes experimentos com teor de N no plantio variando de 0 a 120 kg/ha, assim como procedendo as coberturas em doses crescentes de 40 a 120 kg/ha, não obtiveram respostas ao N no plantio assim como os parcelamentos de N.

Como se observa na maioria dos experimentos e testes feitos em solos de ampla variação textural ao longo destes últimos 30 anos, as respostas ao parcelamento do N no plantio não procedem. Eventualmente, se os interessados quiserem proceder ao plantio com MAP e posteriormente cobertura com NK nada impede, porém há necessidade de se verificar a relação custo/benefício.

ADUBAÇãO FOLIAR: ANTES E PÓS-QUEIMADA

Íons e moléculas, para serem absorvidos pelas folhas da cana, devem ultrapassar praticamente duas barreiras: a cuticular, para entrarem no apoplasto em difusão livre (adsorção) e o plamalema, para passarem do apoplasto para o simplasto (absorção que requer energia da planta, portanto, absorção ativa).

Muito se tem comentado a respeito da aplicação aérea de fertilizantes na tentativa de aumento da produtividade. Tal prática se iniciou nos idos 70 no Grupo Zillo Lorenzetti, em Lençóis Paulista, com aplicações baseadas principalmente em N, K e Mo. Porém, a medida que os fertilizantes passaram a ser utilizados em quantidade adequada no solo, começou-se a observar uma redução nas respostas através da aplicação aérea.

Em 1992 Morelli et al., trabalhando com um total de 22 grandes experimentos (parcelas com 4 repetições) nos anos agrícolas de 1992 a 1995 em cana planta e soca, fez a aplicação de 13 kg de N na forma de ureia, 450 g/ha de molibdato de amônia e 10 kg/ha de potássio no período das águas. A aplicação do fertilizante foi feita em parcelas controladas através do auxílio de uma barra aplicadora com pressão constante para garantir uniformidade de aplicação e a dose recomendada, sendo que em 1995 aplicou-se uma dose em dezembro e novamente a mesma dose em fevereiro.

Os resultados mostraram que não houve resposta significativa para a adubação foliar em nenhum dos experimentos. Os autores concluíram que a quantidade de N aplicada no plantio ou soca foi suficiente para a demanda da cana. Do mesmo modo e também ao longo das safras de 92 a 95, foram aplicados os mesmos tratamentos em 11 experimentos na Usina Quatá também sem resultados significativos. Em 1995, nesta usina, quatro experimentos foram montados tanto em cana planta como em soqueira com reaplicações de N com doses de 0-13-26-39 kg/ha, porém os resultados não foram significativos. Resultados semelhantes foram obtidos por Penatti e Forti (1995 e 2001). Em 2005 os mesmos pesquisadores aplicaram adubo foliar contendo micronutriente em cana planta e soca na Usina Catanduva (Tabela 2) e na Usina Santa Adélia, ambas sem resultados significativos.

Após 2005 e devido as modificações das operações da área agrícola, principalmente com os blocos de colheita, o corte mecanizado e a contenção de despesas, grande parte das usinas eliminaram as parcelas controladas dos experimentos e com isso perdeu-se, em muito, a qualidade das informações. Atualmente, tem-se utilizado da biometria para avaliação dos experimentos com todas as implicações relacionadas ao sistema. Ao mesmo tempo, uma série de novos produtos tem sido oferecidos ao mercado para aplicação foliar, contendo complexo de micro associado ou não ao PK, produtos hormonais, ácidos húmicos, aminoácidos, formas liquidas de N com ou sem acompanhantes de outros nutrientes, capeados ou não com ácidos húmicos, entre outros.

Com as informações de biometria tem-se obtido aumento de produtividade na faixa de 4 a 8 t/ha e, eventualmente, valores mais elevados. Dependendo do produto o custo final tem ficado na faixa de 2 a 3 t de cana, o que faz com que os usuários arrisquem mais nas aplicações. Muitos das empresas dos produtos utilizam de análises foliares para elaboração das informações do que aplicar, porém com resultados analíticos duvidosos, colocando em descredito os fornecedores. Dentro deste contexto um fato tem chamado a atenção: no passado as variações de produtividade em aplicação foliares raramente davam resultados e atualmente praticamente tudo que se aplica tem dado resultado. Como explicar? Eventualmente e, em determinadas situações, como uma cana menos nutrida, a aplicação aérea é positiva e deve ser mantida.

Além disso, é preciso levar em consideração que em cana crua 25% a 35% dos micro nutrientes estão na palha e não voltam, pelo menos em poucos anos, ao sistema e, portanto, aplicações aéreas de micros tem dado resultado. Porém, uma vez que o solo esteja adequadamente recuperado quimicamente, inclusive com micro em doses apreciáveis, tanto para cana planta ou soqueira não se justifica a aplicação aérea.

Em um ambiente complexo quanto ao solo, onde fatores químicos, físicos e biológicos interagem continuamente influenciando as demais condições do solo, como temperatura, umidade, reação etc, pode-se perceber que a comunidade bacteriana é regida fortemente por tais fatores, afetando a composição microbiana do solo. Neste contexto há influência tanto das bactérias fixadoras de N como a mineralização pura e simples. O ciclo interno de N no solo é o controlador da disponibilidade de N para a nutrição das plantas, independentemente de sua origem.

POUCOS ESTUDOS

Apesar de sua grande importância, a mineralização do N tem poucos estudos a respeito dos processos microbianos de mineralização, transformação do N no solo, principalmente no Brasil, sendo que a maior parte dos esforços de pesquisa tem sido voltada para o estudo da fixação biológica de N2. De acordo com Victoria, 1992, o procedimento mais aconselhável no caso do estudo da mineralização do N do solo seria o de focar, conjuntamente, apesar das dificuldades, nos processos de amonificação e nitrificação. Em resumo, os principais pontos relacionados ao tema:

1)Enquanto não houver evolução dos experimentos e maior compreensão da ação da MO na liberação do N, a quantidade a ser aplicada do N-fertilizante em cana planta e soqueira está resumido na Tabela 3;

2) O fracionamento do N não se justifica, assim como a lixiviação, a não ser em casos específicos. Sobre a aplicação aérea de outros produtos somente se justificaria se o solo estiver aquém da necessidade da cultura. O saldo do N aplicado via fertilizante e não aproveitado pela cultura no plantio seria aproveitado na soqueira posterior;

3) A fixação biológica, devido as bactérias diazotróficas, apesar de ocorrer no solo, não tem apresentado o desempenho necessário na fixação do N٢ para suprir as demandas da cultura, seja na cana planta ou na soqueira. Resposta positiva a inoculação de bactérias tem indicado ser ela dependente da variedade de cana, o que dificulta em muito as aplicações em larga escala. A inoculação de bactérias fixadoras de N em cana não tem dado a segurança necessária aos usuários, ficando ainda este conhecimento, por enquanto, confinado na área de pesquisa.

José Luiz Ioriatti Demattê é professor titular e ex-chefe do Departamento de Solos e Nutrição de Plantas da Esalq/USP

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