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Edição 196

Tecnologia Industrial – Boas práticas levam a excelência

Publicado

em

Natália Cherubin

Não são os operadores, não são os insumos químicos, nem a estrutura física como dornas, equipamentos ou qualquer outra tecnologia envolvida. Quem de fato produz o etanol é a levedura. Desta forma, ter no processo uma cepa de levedura eficiente e dar a ela as melhores condições possíveis é a melhor forma de se obter sucesso na fermentação.

A produção do etanol nas usinas sucroenergéticas ocorre dentro de dornas que contém a mistura do melaço, caldo de cana e as leveduras, responsáveis pela fermentação. O resultado desse processo, após aproximadamente oito horas, é o mosto fermentado que será encaminhado para destilaria para a produção de etanol. Em linhas gerais, as leveduras são microrganismos unicelulares responsáveis pelo processo de fermentação para a produção de bebidas, alimentos e de combustíveis.

Uma levedura de qualidade para a produção de etanol é aquela que suporta as pressões do processo de modo a se manter, durante todo o processo fermentativo e durante toda a safra, com boa produtividadeSegundo Anderson Ferreira da Cunha, professor e pesquisador do Laboratório de Bioquímica e Genética Aplicada, do Departamento de Genética e Evolução (DGE) da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), as leveduras utilizadas no processo de produção de etanol nas usinas sucroenergéticas são da mesma espécie (saccharomyces cerevisiae) que as normalmente utilizadas na fabricação de vinhos e cervejas. No entanto, no processo de produção de etanol, a fermentação – processo bioquímico de transformação do açúcar em álcool – ocorre a temperaturas maiores e em ambientes menos assépticos do que o das bebidas, favorecendo o aparecimento de contaminações tanto por leveduras quanto por bactérias selvagens (que estão na natureza). Dessa forma, uma levedura de qualidade para a produção de etanol seria aquela que suportasse essas pressões de modo a se manter durante todo o processo fermentativo e durante toda a safra com boa produtividade.

“Durante anos, pesquisas foram realizadas para a identificação de linhagens com as características citadas acima. Através do acompanhamento de diversas usinas, principalmente no Estado de SP, foram identificadas quatro linhagens que permaneciam mais tempo no processo”, adiciona.

Essas linhagens foram identificadas como CAT-1 (isolada da Usina Catanduva), PE-2 (isolada na Usina da Pedra), BG-1 (isolada na Usina de Barra Grande) e SA-1 (isolada na Usina Santa Adélia). Em testes realizados na época de sua identificação, essas linhagens se estabeleceram em diferentes dornas de diferentes usinas, aumentando a produtividade destas unidades.

Eduardo Bihre, engenheiro de alimentos e gerente de Negócios da LNF, afirma que hoje as cepas mais selecionadas para o uso em produção de etanol nas usinas são a PE-2, a CAT-1, a Fermel, a FT858L, a BG-1 e a SA-1, leveduras responsáveis por quase 75% da produção de etanol de cana no Brasil. “A escolha destas cepas se deve ao fato de conhecermos suas características e sabermos que são as cepas que mais conseguem se adaptar e persistir no processo fermentativo com reciclo de massa.”

Cunha afirma que especialmente a PE-2 e a CAT-1 foram as que se saíram melhor, sendo a primeira predominante em aproximadamente 30% de todas as destilarias do Brasil e responsável por quase 10% de todo o etanol produzido no mundo. No entanto, com a proibição da queima da cana (prática comum na época do isolamento dessas linhagens), com o desenvolvimento de novas variedades de cana e também com o mercado tendendo mais à produção de açúcar, o substrato para estas leveduras se modificou e nos últimos anos estas linhagens vem sumindo das dornas e voltando a ser substituídas por outras naturais. “Isso sugere uma emergência na identificação de novas linhagens adaptadas ao processo”, afirma o pesquisador da UFSCar.

BOAS PRÁTICAS

No processo com reciclo de massa não é qualquer levedura que consegue ficar presente na fermentação. Quanto mais tempo uma cepa selecionada permanece no processo, maiores são os ganhos de rendimento e na economia de insumos. É muito comum cepas selvagens (as que se quer evitar na fermentação) apresentarem características indesejáveis como espumar demais, não consumir todo açúcar redutor, cepas floculantes etc.

Sendo assim, de acordo com Bihre, atualmente muitas usinas estão optando por fazer pequenas injeções de leveduras selecionadas ao longo da safra. “Muitas vezes, em momentos críticos, como volta de paradas por chuva ou manutenção ou quando sabemos que teremos a entrada de matéria-prima de baixa qualidade, cana brocada, por exemplo, ou descontrole de temperatura da fermentação. Nesses momentos críticos, em que a nossa cepa do processo está em condições perigosas, fazer uma injeção de levedura selecionada nova aumenta as chances de alongar a predominância e permanência das cepas.”

Ele adiciona que a quantidade de levedura varia muito conforme o tamanho e a velocidade na qual o cliente deseja produzir etanol. “Em termos técnicos, uma partida o mais rápido possível beneficia a levedura que colocamos no processo. O custo é pequeno se comparado a outros insumos de processo como antiespumantes, dispersantes ou antibióticos para controle das bactérias. A equipe da LNF apresenta uma proposta de partida personalizada para cada cliente.”

Cunha diz que é importante entender que cada dorna de fermentação e também cada usina é um universo diferente, onde as condições ambientais variam de forma bastante importante. Assim, uma levedura que se adapta a uma usina, pode não ter o mesmo desempenho em uma outra usina, as vezes vizinha. Isto ocorre por diversos fatores tais como a constituição do mosto (mistura de caldo de cana e melaço da produção de açúcar), as condições de assepsia e ambientais da usina, as variações de temperatura, entre outras.

“Além disso, ao longo da safra, o que temos observado é que diferentes linhagens de leveduras atuam dependendo da época do ano. Dessa forma, se cada usina pudesse isolar a levedura adequada a seu processo ao longo de toda a safra, poderia produzir estas linhagens e inoculá-las no tanque no momento adequado”, observa.

Esta antecipação aos fenômenos da natureza poderia contribuir no aumento da produção da usina e economizaria em perdas que ocorrem quando uma levedura de baixa produtividade coloniza o tanque. “Cada levedura deveria ser estudada individualmente, avaliando as condições de cada usina. Dessa forma o manejo, assim como a levedura, deve ser personalizado”, acrescenta Cunha.

PESQUISA: LEVEDURAS MAIS RESISTENTES

O Laboratório de Bioquímica e Genética Aplicada (LBGA) da UFSCar vem realizando, desde 2009, pesquisas que envolvem a identificação de leveduras para transformar o açúcar em etanol de forma mais eficiente.  A pesquisa “Isolamento: caracterização molecular e estudo da expressão gênica em linhagens de Saccharanyces cerevisiae resistentes à alta temperatura e à alta concentração de etanol”, tem como foco isolar leveduras que cresçam a temperaturas elevadas (40ºC) e que sejam resistentes a altas concentrações de etanol (maior que 10% de concentração final), mantendo a eficiência fermentativa frente às leveduras usadas tradicionalmente no mercado.

“Durante a produção do etanol, é normal que diferentes linhagens de leveduras colonizem a dorna e acabem se sobressaindo frente às leveduras iniciais e permanecendo por mais tempo durante o processo. A ideia da pesquisa é se antecipar à essa alteração normal da natureza e inocular as leveduras mais resistentes para evitar muitas oscilações ao longo da safra”, afirma o Cunha.

Segundo ele, a presença de diversas populações de leveduras dentro da dorna podem atrapalhar o processo de produção. “Em alguns casos, é necessário até parar o processo, descartar a matéria-prima em uso e fazer a limpeza de toda a tubulação da dorna.”

As pesquisas do LBGA já levantaram cerca de 220 diferentes linhagens de leveduras, dentre as quais destacam-se algumas que são mais eficientes que as tradicionalmente utilizadas. No entanto, essas linhagens conseguem atuar em uma temperatura de aproximadamente 30ºC e, apesar de mais eficientes, correm o mesmo risco de serem substituídas por leveduras mais adaptadas à dorna durante o processo, causando as oscilações na produção.

Os estudos atuais têm buscado encontrar leveduras que consigam crescer em temperaturas mais altas. “Obter uma fermentação a 40ºC é uma forma de ‘esterilizar’ o processo de produção uma vez que poucas leveduras e bactérias contaminantes crescem nessa temperatura”, diz Cunha. Além disso, conseguir leveduras que resistam a altas temperaturas também diminui a necessidade dos trocadores de calor, que são equipamentos caros que utilizam muita água para manter a temperatura mais baixa dentro da dorna, o que significa uma redução no custo do processo.

Em relação à resistência ao etanol, o pesquisador explica que as leveduras normalmente resistem ao etanol, mas quando a concentração do produto chega em torno de 9 a 10%, o etanol passa a ser tóxico para as leveduras que podem morrer e, assim, perderem a função que elas têm de transformar o açúcar em álcool. Segundo Cunha, nessa situação é necessário equalizar o açúcar colocado no início do processo e convertê-lo, ao máximo, a 10% de etanol para evitar a morte das leveduras.

“Se acharmos leveduras mais resistentes ao álcool, será possível aumentar a quantidade de açúcar já no começo do processo e, portanto, produzir mais etanol no mesmo tempo de produção. O rendimento total vai aumentar, vamos ter mais açúcar e será possível produzir mais etanol no mesmo tempo”, esclarece o pesquisador, reforçando o objetivo de buscar leveduras mais resistentes.

O LBGA mantém, desde 2010, uma parceria com a Usina São Luiz, instalada na cidade de Ourinhos, SP. Os estudos têm buscado isolar leveduras mais adequadas às condições ambientais, às matérias-primas e à própria safra da região da usina, com o objetivo de aumentar a produção do etanol.

“Já conseguimos isolar uma linhagem que permaneceu quase a metade da safra. Agora estamos em processo de implementação da levedura personalizada na unidade e esperamos resultados promissores. Temos acompanhado o processo em algumas unidades de produção de etanol e tem tido um ótimo desempenho na identificação de leveduras presentes ao longo da safra. Além disso, temos identificado linhagens com um bom desempenho fermentativo e com tolerâncias maiores aos estresses encontrados durante o processo (como temperaturas elevadas, altas concentrações osmóticas e de etanol, alta viabilidade e resistência a contaminação). Esperamos que com a utilização de leveduras com características próprias e adequadas a produção de cada usina, poderemos contribuir para a melhora do processo produtivo”, conclui.

LEVEDURAS MAIS USADAS

As cepas mais selecionadas para o uso em produção de etanol nas usinas são a PE-2, a CAT-1, a Fermel, a FT858L, a BG-1 e a SA-1, leveduras responsáveis por quase 75% da produção de etanol de cana no Brasil.

Especialmente a PE-2 e a CAT-1 foram as que se saíram melhor, sendo a primeira predominante em aproximadamente 30% de todas as destilarias do Brasil e responsável por quase 10% de todo o etanol produzido no mundo.

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