Alisson Henrique
O caldo de cana advindo da extração realizada na moenda apresenta-se como uma mistura complexa que contém, além dos componentes integrais da cana-de-açúcar, matérias estranhas incorporadas acidentalmente a este líquido através do corte, colheita, transporte e também das operações realizadas durante o processo de moagem. O tratamento de caldo tem por objetivo eliminar a maior parte das impurezas como a terra, o bagacilho, materiais corantes que interferem na qualidade e cor do açúcar, e resíduos insolúveis, cinzas etc.
O tratamento do caldo misto, seja para açúcar ou etanol, consiste em submetê-lo a uma série de passos que envolverão ações físicas (peneiramento, aquecimento, flasheamento) e químicas (reações promovidas pela adição de produtos químicos). No caso da fabricação de açúcar, o tratamento visa máximaeliminação de não açúcares e colóides; baixa turbidez; mínima formação de cor; máxima taxa de sedimentação; mínimo volume de lodo; mínimo conteúdo de cálcio no caldo; e pH do caldo adequado, evitando a inversão da sacarose ou a decomposição dos açúcares redutores, pois o caldo clarificado deve ser límpido e isento de matéria em suspensão.
Já no caso do etanol visa, segundo com Jorge Luiz Scaff, diretor da Reunion Engenharia, a eliminação dos materiais em suspensão; eliminação de contaminantes; e eliminação de produtos formadores de espuma. Neste caso, não há interesse em eliminar os nutrientes que são benéficos para a fermentação. “O caldo obtido através da operação de extração é um líquido complexo que contém materiais em suspensão (impurezas minerais e vegetais, compostos coloidais e insolúveis) e materiais dissolvidos (sacarose, açúcares redutores e sais minerais), contendo ainda, ar incorporado por dissolução e por oclusão nas partículas de bagacilho. Sendo assim, a qualidade da matéria-prima impacta diretamente no tratamento de caldo a ser realizado no que diz respeito principalmente as impurezas minerais e vegetais.”
Outros fatores também podem impactar a composição do caldo a ser tratado como variedade da cana e estágio de maturação, solo e adubação, clima, tipo de colheita e conteúdo de pontas e palha.
![]() Amostras de Caldo decantado para a produção de açúcar (proveta da esquerda) e produção de etanol (proveta da direita) |
FOSFATAÇÃO E OUTROS MÉTODOS
Seja para etanol ou açúcar, o principal tratamento realizado hoje pelas unidades sucroalcooleiras é a fosfatação. De acordo com Marcos Katsuda Ito, diretor da Sugar e Azucar Engenharia e Consultoria, o que diferencia esta etapa entre uma planta e outra são as exigências de maior ou menor necessidade de remoção de contaminantes presentes na matéria-prima como compostos colorgênicos, insolúveis, cinzas, dextrana, amido etc. Ou seja, depende do produto final desejado. Nas usinas que produzem açúcar de melhor qualidade, normalmente destinados ao consumo industrial, é fundamental uma boa clarificação de caldo para assegurar sua qualidade.
No processo de fosfatação do caldo se aproveita o conteúdo de fosfato presente na cana na forma de P2O5 (ortofosfato). Uma boa clarificação requer de 200 a 400 ppm dependendo do nível de contaminantes presentes, principalmente de sais e metais (Cálcio, Potássio, Sódio, Enxofre, Ferro, Alumínio, Magnésio etc) e de compostos como ácidos orgânicos, dextrana e amido. Nos casos de déficit, se complementa com fontes de P2O5 de origem mineral (iônicos). “O princípio da fosfatação é a reação iônica do P2O5 com o óxido de cálcio para a formação dos floculos de fosfato de cálcio, chamados de floculos primários, que atuam como uma ‘ponte iônica’ responsável pela atração e precipitação das impurezas presentes. Tradicionalmente se utiliza a cal virgem calcítica hidratada e diluída “in sito” para formar o leite de cal, dosificado mediante controle de pH”, explica.
Na fabricação de açúcar visa: – Máxima eliminação de não açúcares; – Máxima eliminação de colóides; – Baixa turbidez; – Mínima formação de cor; – Máxima taxa de sedimentação; – Mínimo volume de lodo; – Mínimo conteúdo de cálcio no caldo; – PH do caldo adequado, evitando a inversão da sacarose ou a decomposição dos açúcares redutores (o caldo clarificado deve ser límpido e isento de matéria em suspensão). Na fabricação de etanol visa: – Eliminação dos materiais em suspensão; – Eliminação de contaminantes; – Eliminação de produtos formadores de espuma. |
Após a formação dos floculos de fosfato de cálcio (primários) agrega-se um polímero coagulante com a finalidade de unir iônicamente estes microfloculos e formar os floculos secundários de maior tamanho e peso para propiciar sua rápida decantação. “Apesar de simples, este processo tem detalhes operacionais e de tecnologia de equipamentos e instalações que implicam diretamente na sua eficiência, traduzida na máxima remoção de contaminantes com a mínima perda de açúcares, pois estes são suscetíveis a degradação em função da temperatura, do pH e do tempo”, adiciona.
Um tratamento inadequado pode afetar também a rentabilidade do negócio, pois a menor eficiência na remoção destes contaminantes logo no início do processo acarreta no incremento dos custos de produção, principalmente nas limpezas química e/ou mecânica de evaporadores e cozedores. Além disso, ocasionam um aumento das perdas no processo pela degradação térmica e hidrolise dos açúcares, um aumento do reprocesso e maior consumo de vapor – diluição de cristais e produção de méis devido a maior necessidade de água nas centrífugas. “Para a produção do etanol, as unidades que apresentam maiores eficiências de fermentação e destilação são aquelas que possuem bons sistemas de clarificação de caldo, que propicia sua evaporação e assepsia”, salienta o diretor da Sugar e Azucar Engenharia e Consultoria.
O diretor da Reunion Engenharia, enumera uma série de métodos que as usinas podem usar para o tratamento do caldo como:
Para Scaff o interesse em trazer melhorias ao processo de tratamento do caldo sempre será muito alto, entretanto, o setor vem sofrendo com os preços baixos do açúcar, o que faz com que haja cortes para diminuição dos custos operacionais, principalmente de insumos importantes no processo |
– Peneiramento: que visa a eliminação de impurezas grosseiras (areia e bagacilhos principalmente).
– Regeneração: para aquecimento do caldo misto via fontes quentes disponíveis, que acarreta em melhorias no sistema térmico da planta industrial
– Sulfitação: que tem o objetivo de produzir o açúcar branco, via ação inibidora do enxofre na formação de cor;
– Dosagem: para o ajuste do pH do caldo para uma melhor decantação;
– Aquecimento: que acelera as reações químicas, facilita a clarificação do caldo, promove a coagulação de proteínas, possibilita a remoção do ar e dos gases dissolvidos, elimina e impede o desenvolvimento de bactérias;
– Flasheamento: que trata da eliminação do ar e dos gases dissolvidos facilitando a decantação;
– Decantação: que promove a separação dos flocos formados do caldo propriamente dito;
– E filtração do lodo, que promove a recuperação dos açúcares contido no lodo.
EFICIÊNCIA E DESAFIOS
Carlos Calmanovici, responsável pela área de Processos e Inovação da Atvos explica que hoje os processos tem alta eficiência, normalmente acima de 99,5%. De acordo com ele, para se atingir um tratamento de caldo ideal há dois grandes desafios: otimização de custos e estabilidade operacional. “O uso de aditivos de alto desempenho como polímeros aniônicos, por exemplo, permite otimizar as condições de processo e obter elevada eficiência nos decantadores e filtros de processo. Por outro lado, técnicas de automação e controle permitem maior estabilidade operacional, como é o caso da Atvos, que está implementando técnicas de controle avançado em algumas de suas unidades para assegurar processos de baixa variabilidade e alto desempenho com controle de custos”, conta.
Scaff explica que dois aspectos devem ser levados em consideração quando o assunto é eficiência. O primeiro é a qualidade do caldo, que deve ser sempre a mais próxima do ideal. O outro aspecto são as perdas de sacarose (no caso da produção de açúcar) e as perdas de açúcares totais, que devem ser as menores possíveis. “A eficiência ideal é aquela que atende aos requisitos estabelecidos para o produto final, seja açúcar ou etanol, nem mais nem menos. Este número é muito variável. Depende de cada unidade industrial e está fundamentada em alguns pilares como os processos colhidos corretamente ou não para o produto desejado e para a cana disponível. Além disso, para ter uma eficiência alta algumas perguntas devem ser respondias como: os equipamentos foram dimensionados com as variações da qualidade da cana ao longo da safra e respeitando as variações de mix desejados? Os sistemas de controle, sejam automáticos ou manuais, operam satisfatoriamente? Os parâmetros de processo foram bem estudados e estão sendo cumpridos? E, os operadores estão devidamente capacitados e conseguem atuar de forma satisfatória no ajuste diário e constante? Se as respostas forem positivas, obteremos um caldo clarificado 100% adequado.”
O diretor da Reunion Engenharia adiciona que com o advento da mecanização os processos precisam ser repensados, os equipamentos ajustados e os operadores mais atentos às mudanças na matéria-prima. “Isto exige maior conscientização e estudos específicos de melhorias como, por exemplo, redimensionar os decantadores e adequar o sistema de filtração de lodo à realidade de impurezas minerais advindas da mecanização da lavoura. A possibilidade de introdução de novos processos ou equipamentos como decanters e ultrafiltração estão disponíveis, mas ainda não atingiram competitividade econômica”, relata.
Segundo os especialistas entrevistados, hoje o maior desafio para a aplicação da tecnologia e dos conceitos reside em quatro fatores: nas más experiências anteriores devido ao uso de projetos e conceitos ‘copiados’; no desconhecimento da importância dos ‘detalhes’ e conceitos dos sistemas periféricos para o ótimo funcionamento; no desconhecimento das consequências e dos efeitos dos contaminantes sobre o processo, seja para a produção de açúcar ou etanol – o maior exemplo disto é que no Brasil, quando há um incremento de cor e cinzas no açúcar, a solução é aumentar o tempo de água de lavagem nas centrífugas (tornando-se fabricas de méis e não de açúcar); e na ausência de metodologias e rotinas de medição e avaliação do desempenho de cada etapa do processo (perdas, custos, eficiência) por comodismo, fazendo que se atue sobre as consequências e não sobre as causas.
Para Scaff o interesse em trazer melhorias no processo de tratamento do caldo sempre será muito alto, entretanto, ele acredita que o setor sucroenergético vem sofrendo com os preços baixos do açúcar no mercado internacional, o que faz com que haja cortes para diminuição dos custos operacionais, principalmente de insumos importantes no processo de tratamento de caldo de açúcar. De acordo com ele o segredo para um tratamento de caldo eficiente é parte do pressuposto de atuar sistematicamente nas quatro frentes mencionadas anteriormente. “Um diagnóstico do tratamento de caldo para produção de açúcar e etanol pode auxiliar nesta tarefa, já que consiste em delinear as etapas corretas de melhorias listando as prioridades, bem como amparar o diagnóstico por completo por meio dos quatro pilares descritos anteriormente”, finaliza.