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Análise: Acordo de 2015 sobre risco hidrológico em energia já custa bilhões ao consumidor

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Um acordo proposto pelo governo em 2015 para encerrar uma briga judicial com empresas de energia sobre o chamado “risco hidrológico” na operação de hidrelétricas não apenas deixou de resolver totalmente o embate sobre o tema como tem gerado custos enormes para os consumidores.

Algumas empresas seguem com proteção na Justiça contra custos com o que dizem ser fatores não hídricos que reduzem a produção de suas usinas. A situação fez o total não pago em um acerto de contas do mercado elétrico realizado pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) subir em 600 milhões de reais em apenas um mês, para 7 bilhões de reais.

Agora, o governo busca um novo acordo para que as elétricas desistam da disputa nos tribunais em troca de uma compensação. Uma aprovação política para o acerto, no entanto, pode ser dura, uma vez que a proposta consta de projeto de lei em tramitação no Senado que trata também da privatização de distribuidoras de energia da Eletrobras, assunto polêmico e que enfrenta resistência até no MDB, partido do presidente Temer.

Em 2015, o acordo foi semelhante, e envolveu ainda a transferência para os consumidores residenciais dos custos com o risco hidrológico —quando as hidrelétricas precisam comprar energia mais cara no mercado para compensar a produção menor, causada por fatores como baixo nível dos reservatórios.

Em troca, os geradores concordaram em realizar aportes a título de “prêmio de risco” que aliviarão tarifas, mas a grande maioria desses pagamentos deve começar apenas entre 2020 e 2025, e especialistas já avaliam que o valor talvez não seja suficiente para compensar os custos enfrentados hoje nas contas de luz.

Enquanto isso, os consumidores já pagaram 18,5 bilhões de reais até março deste ano após assumirem o risco hídrico, segundo análise do Tribunal de Contas da União (TCU) no mês passado. A corte pediu que em eventual nova negociação com os geradores o governo “considere a proporcionalidade da assunção de riscos… bem como a capacidade contributiva do consumidor”.

O ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Edvaldo Santana disse avaliar que a cobrança do TCU é correta e que o acordo já realizado não parece ter resultado em um bom negócio para os consumidores residenciais.

“Em 2015, quando os geradores aderiram ao acordo, muitos deles achavam que o `prêmio de risco´ era elevado. Mas como o risco hidrológico continuou com custo muito alto em 2016, 2017 e 2018, a conta para o consumidor é que ficou muito grande”, afirmou.

Ele explicou a situação com uma metáfora: é como se os consumidores fossem uma seguradora que vendeu o seguro de um carro, mas depois viu seu cliente ser roubado por diversas ocasiões consecutivas, tendo de pagar os prejuízos.

“Em geral, a seguradora, quando faz a regra do seguro, faz um cálculo probabilístico em que ela considera que a possibilidade de perda é pequena. E nesse caso o risco foi elevadíssimo. Se o consumidor fosse uma seguradora real, teria quebrado”, brincou.

Para o diretor de Regulação da consultoria Safira Energia, André Cruz, é difícil falar em prejuízo porque os termos de transferência de risco chegam a durar até meados de 2040, mas é fato que a conta está pesada atualmente para os consumidores.

“Acho que no longo prazo isso deve se equilibrar, mas com certeza, olhando mais agora… você tem realmente uma dificuldade para os consumidores, no curto e médio prazo, 3 a 4 anos”, disse.

Problema estrutural

A negociação entre governo, Aneel e geradores em 2015 ainda previu que eventuais excessos de geração hídrica no futuro serão utilizados para aliviar tarifas, mas para especialistas o cenário aponta para uma chance maior de que a produção hídrica siga estruturalmente abaixo do esperado nos próximos anos.

“O mundo mudou, a hidrologia mudou, o sistema elétrico mudou… pode acontecer de você ter um déficit permanente”, disse o professor de Economia da Energia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Adilson de Oliveira.

Ele defendeu que o governo precisa encontrar uma solução estrutural que evite novas brigas em torno do risco hídrico e que isso ainda não consta do acordo em negociação no Senado.

Pela proposta em discussão, os geradores terão parte das perdas acumuladas desde 2013 compensadas por uma renovação dos contratos de suas usinas. A solução não impactaria tarifas, como o acordo de 2015, mas o Tesouro teria uma frustração da receita que poderia obter com a licitação da concessão das usinas.

“É uma solução em que quem vai pagar não serão os consumidores, mas vai ser o Tesouro, que somos nós todos”, criticou Almeida.

Os especialistas atribuem o constante déficit de produção das hídricas nos últimos anos a um desequilíbrio estrutural do sistema com o natural assoreamento dos reservatórios, a entrada de novas fontes na matriz e mudanças no regime de chuvas.

Esse cenário torna difícil que as usinas hídricas consigam hoje produzir suas garantias físicas, que é o montante de energia que podem vender no mercado, resultando em déficit.

Procurada, a Aneel disse que “passados menos de três anos… não é possível avaliar o resultado entre do equilíbrio entre risco/retorno na repactuação do risco hidrológico” porque o acordo com os geradores envolve prazos médios de 25 anos para pagamento futuros dos prêmios de risco.

Segundo a agência, 2017 foi o pior ano do histórico em custos com o risco hídrico, ultrapassando 2001, quando o país enfrentou um racionamento. Em seguida aparecem 2015 e 2014.

O TCU não respondeu um pedido de comentário.

Luciano Costa

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