Edição 200
Etanol 2G: agora vai?
Alisson Henrique
Os biocombustíveis estão presentes na matriz energética brasileira há mais de 80 anos. Desde a década de 1970, o país vem sendo protagonista em pesquisa e desenvolvimento tecnológico voltado à produção de etanol de cana-de-açúcar. Nos últimos anos, porém, o etanol vem enfrentando dificuldades para ampliar sua participação como fonte de energia em escala global por questões inerentes ao próprio mercado, sobretudo, em função da queda dos preços dos combustíveis derivados do petróleo.
Com a introdução do etanol de 2ª geração (E2G), que após longo período de pesquisa e desenvolvimento finalmente parece ter atingido a escala de plantas industriais, espera-se a ampliação do consumo mundial de etanol, haja vista o maior nível de aceitação do E2G entre diversos países. De acordo com especialistas, é esperada a entrada de novos países produtores e exportadores no mercado, na medida em que qualquer país com resíduos agrícolas ou florestais consiga produzir o E2G, o que deve contribuir para a criação de um mercado global. Apesar das boas expectativas para o futuro, é preciso superar alguns gargalos relacionados a sua produção, que ainda é considerado inviável sob o ponto de vista comercial.
PRÉ-TRATAMENTO: UMA PEDRA NO SAPATO
Em todas as plantas de etanol celulósico o pré-tratamento tem sido o grande gargalo da produção. No início, o procedimento era considerado somente uma simples etapa. No entanto, as maiores produtoras desta geração do combustível têm encontrado dificuldades nessa fase de produção. O desenvolvimento da técnica de produção de etanol celulósico em escala industrial teve avanços muito significativos nos últimos anos. Uma das maiores produtoras de etanol dos EUA, a Poet, através de sua subsidiaria, a Poet- DSM, que opera uma instalação de produção de etanol celulósico em escala industrial no estado americano de Iowa, anunciou que, finalmente, conseguiu realizar o pré-tratamento da biomassa (no caso deles resíduos de milho) em escala real e funcionando 24 horas por dia.
De acordo com informações, eles pretendem licenciar a tecnologia para que interessados possam usufruir do conhecimento que, segundo a empresa, seria capaz de eliminar um enorme obstáculo na produção do E2G, pois o material convenientemente pré-tratado permite a ação eficiente das enzimas que promovem a “desconstrução” das fibras da biomassa com a liberação dos açúcares que serão fermentados.
Para Jaime Finguerut, engenheiro químico e diretor do ITC (Instituto de Tecnologia Canavieira), o grande desafio é fabricar o etanol celulósico de forma viável economicamente, ou seja, de forma competitiva em relação ao etanol feito das matérias-primas convencionais como dos açúcares solúveis da cana ou do amido de cereais, como o milho. “Estas tecnologias estão maduras, totalmente disponíveis e evoluíram muito nos últimos 40 anos.”
Hoje, caso a usina opte por aumentar a produção de etanol através da tecnologia E2G uma grande parte dos equipamentos e infraestrutura da usina atual serão usados de forma sinérgica, inclusive aumentando a eficiência no seu uso por conta da redução das “folgas”. A única adaptação, se é que podemos chama-la assim, enfatiza Finguerut, é que uma parte do potencial de cogeração que as usinas têm e que a maioria ainda não explora adequadamente será usada para fazer etanol e não só exportar eletricidade.
“O E2G é compatível com a cogeração, porém, até que o processo esteja maduro, não será possível exportar tudo o que se poderia numa usina eficiente. Precisamos considerar também que os preços da eletricidade renovável, a eólica e fotovoltaica não param de cair, portanto, em breve pode não ser tão atrativo exportar bioeletricidade a preços baixos. Todavia, mesmo com pequeno crescimento da nossa economia, o consumo de combustíveis líquidos vai aumentar muito, valorizando os biocombustíveis e um pouco mais o E2G, em vista da sua menor intensidade de carbono. A maioria das usinas já está preparada para o E2G”, revela.
Viler Janeiro, diretor de Etanol Celulósico e Assuntos Corporativos do CTC (Centro de Tecnologia Canavieira) explica que o caminho para o desenvolvimento da tecnologia tem sido mais longo e substancialmente mais dispendioso do que havia sido antecipado pelos especialistas. Além disso, a incerteza de cenário para o setor sucroenergético e a ausência de políticas públicas adequadas inibem a evolução da tecnologia e o desenvolvimento da indústria.
Ele conta que hoje o CTC tem como objetivo desenvolver e demonstrar na prática a tecnologia de etanol 2G a partir da biomassa de cana-de-açúcar. Os pesquisadores e engenheiros do instituto, em conjunto com empresas e entidades de pesquisa parceiras, tem centrado esforços no condicionamento da biomassa, na resolução de problemas de engenharia/equipamentos e na melhoria da performance das etapas de hidrolise enzimática e fermentação.
“O CTC vem trabalhando no desenvolvimento de tecnologia de etanol 2G e acreditamos que a viabilidade técnico-econômica está a caminho. Essa viabilidade depende da continuidade no desenvolvimento da tecnologia, do crescimento da demanda e da formação de um mercado que ofereça às empresas um horizonte de venda a preços compatíveis com a realidade dos seus custos em cada momento da sua curva de aprendizado. “
Com capacidade anual de 25 a 30 milhões de l dependendo da biomassa (palha ou bagaço) em sua unidade Bioflex, a GranBio, após os ajustes de processos e expansão de alguns equipamentos, revela que sua capacidade será ampliada em breve. As primeiras unidades produtoras de E2G em escala industrial da empresa ficaram prontas no fim de 2013. Desde então, todas as unidades construídas passaram por diversos desafios relativos a processos e equipamentos em todas as etapas de produção desde a entrada e limpeza da biomassa, passando pela fase de pré-tratamento, hidrólise enzimática, fermentação e destilação.
Em todas as unidades foram desenvolvidas soluções de processo e mudanças de equipamentos, alterando algumas condições de operação. “Trata-se de um processo de aprendizado esperado, se trata de uma nova tecnologia disruptiva, com os desafios de scale-up e com o uso de matéria-prima heterogênea. Nesse período, algumas unidades foram fechadas, por razões diversas, como as da Abengoa, Dupont e Beta Renewables. Outros projetos foram anunciados e as unidades em operação estão aumentando a carga processada”, adiciona Bernardo Gradin, presidente da GranBio.
Para ele, os principais fatores que inviabilizavam a produção comercial do etanol 2G já foram superados pela indústria. “O biocombustível já é economicamente viável para venda nos mercados norte-americano ou europeu. Embora já seja economicamente viável, ainda há muito espaço para melhorias no Capex industrial, custos de insumos e nos rendimentos de biomassa e industriais, de forma que a expectativa do setor é de que nos próximos três anos o custo de produção deverá cair significativamente, tornando o E2G viável inclusive para a venda no mercado doméstico.”
Ele completa dizendo que os principais desafios técnicos já foram identificados e superados. “Em nossa unidade Bioflex, em São Miguel dos Campos, AL, os principais gargalos estavam na fase de pré-tratamento e no rendimento das enzimas. Tais problemas foram solucionados com nossa própria tecnologia e com a ajuda de parceiros estratégicos. O ramp-up demorou mais do que o esperado, mas a tecnologia foi dominada e o E2G já é produzido em escala comercial pelas unidades produtoras instaladas no Brasil. O E2G já é realidade.”
VANTAGENS DO 2G
O E2G tem a pegada de carbono mais baixa entre todos os combustíveis líquidos produzidos no mundo, podendo inclusive ter pegada de carbono negativa, atuando como uma “esponja” de gases de efeito estufa, dependendo da biomassa utilizada e do processo adotado. “O E2G aumenta em até 50% a produtividade de etanol por hectare com a tecnologia atual e, caso a unidade de E2G compartilhe ativos com uma unidade de 1G convencional, o compartilhamento reduzirá a ociosidade das instalações industriais e da mão de obra, pois o complexo industrial aumentará seu período de produção dos atuais seis a oito meses para até 11 meses”, revela o presidente da GranBio.
O etanol de segunda geração, apesar das dificuldades de aumento de escala em todo o mundo, traz consigo uma vantagem que poucos sabem, que é o fato do investimento para aumentar a produção de etanol em uma usina existente usando o bagaço e a palha é bem menor do que o investimento em plantar mais cana correspondendo ao mesmo aumento de produção em volta da usina.
“A terra em volta das usinas ou é cara ou não tem características adequadas para a produção econômica de cana. Além disso, ao ponto que o raio de transporte da cultura aumenta, eleva o custo logístico e o uso de diesel. O E2G na indústria também proporciona o prolongamento da safra, pois bagaço pode ser armazenado e as instalações da usina poderão continuar a ser usadas na entressafra com redução de custos”, complementa o diretor do ITC.
Grandin ressalta que a cada ano aumenta a importação de combustíveis do ciclo Otto no País, sobrecarregando os principais portos, criando gargalos logísticos e prejudicando a balança comercial brasileira. “O E2G se coloca como uma das principais alternativas para o incremento da produção de combustíveis no País, reduzindo a emissão de gases de efeito estufa e diminuindo a dependência aos combustíveis importados e os riscos de desabastecimento. ”
RAÍZEN: CAPACIDADE MÁXIMA EM 2019/20
A planta de E2G da Raízen Energia, a Costa Pinto, localizada em Piracicaba, SP, deve atingir a capacidade máxima de produção, de 40 milhões de l, na temporada 2019/20. Uma vez atingida a capacidade total e comprovada a viabilidade do negócio, a companhia poderá pensar em mais usinas de etanol de segunda geração.
Antônio Alberto Stuchi, diretor-executivo de Tecnologia e Projetos Raízen, explica que a ideia foi fazer uma planta com uma capacidade que pudesse minimizar o Capex, que no caso foi de 42 milhões de l. “Com uma Capex de mais ou menos US$ 72 milhões, o projeto foi divido em duas fases. A primeira só produzindo C6. No primeiro ano nós perdemos o C5, ele foi para a corrente de vinhaça e na segunda fase nós fizemos a fermentação de C5 com microrganismos geneticamente modificados.”
Essa divisão, de acordo com Stuchi, se deu principalmente porque a Companhia não tinha, no início do projeto, uma definição sobre qual microrganismo seria. “Existia uma série de dúvidas, então nós resolvemos fatiar o problema para ter uma solução melhor. Tivemos um aumento de 273% de produção da planta de 2015 para 2016 e também tivemos um aumento de 611% em relação a produção. Quer dizer, só tivemos um aumento de eficiência no processo produtivo.”
No ano de 2015 a Raízen operou com 91 l de etanol por t de biomassa e no ano de 2016 a empresa chegou a 200 l por t de biomassa. “No nosso projeto original a ideia era chegar a 289 l por t, baseado em uma biomassa que tenha um grau de pureza. Não conseguimos essa biomassa na prática, a nossa entra com muito mais impureza e esse target provavelmente diminuirá para 265, 270 l se a gente descontar a pureza da biomassa.”
Ele garante que a tecnologia funciona. O problema é a eficiência de equipamentos. “Nós temos alguns equipamentos que foram desenvolvidos especialmente para este projeto, alguns equipamentos normais da indústria, que formas adquiridos e adaptados. Nós temos um coquetel de enzimas otimizado para o nosso negócio. É uma enzima talor made para a nossa matéria-prima e para o nosso processo. Nós também desenvolvemos microrganismos dedicados a fermentação de C5 e tivemos que mudar o sistema normal de fermentação que a gente usa o Brasil. Nós não recirculamos fermento. Esse é um sistema que trabalha com baixa concentração de fermento e alto tempo de retenção no reator”, explica o diretor-executivo de Tecnologias e Projetos Raízen.
Para ele, a sinergia entre o E1G e o E2G é o fator chave de sucesso para esse negócio. Tanto é que, revela ele, a empresa tem vislumbrado alguns processos e tecnologias desenvolvidos para o etanol de segunda geração que também poderiam ser usados para o aumento de eficiência do combustível de primeira geração.
RENOVABIO PODE ALAVANCAR 2G
Para os especialistas o RenovaBio veio para alavancar ainda mais o setor de combustível. “O RenovaBio premia as usinas mais eficientes, aquelas que produzem mais etanol por hectare. Caso as unidades atuais de E2G, em fase de comissionamento, possam mostrar que vale a pena o risco, teremos sim investimentos na produção, graças à melhoria da capacidade de investimento das usinas, com a nova receita da descarbonização [os Cbios] que será aplicada para abatimento de dívidas e renovação do canavial, que reduz e custo e permite investir em tecnologia”, explica Finguerut.
Janeiro aponta que o programa induz ao aumento de eficiência na produção e no uso de biocombustíveis e sem dúvida pode viabilizar investimentos e adoção de novas tecnologias. “Acreditamos que o programa é fundamental para alavancar o setor de biocombustíveis no Brasil, contribuindo significativamente para o alcance das metas firmadas pelo país no Acordo de Paris.”
“Trata-se de um programa em linha com os principais programas desta natureza no mundo. O Brasil, pelo protagonismo natural que exerce no setor de biocombustíveis está atrasado na implementação de programas como o este, correndo o risco de ficar para trás nos avanços tecnológicos do setor por falta de incentivos e estímulos corretos. No curto prazo, a produção de E2G no Brasil deve ser destinada aos mercados norte-americano ou europeu, que já contam com programas similares ao Renovabio e premiam combustíveis de baixa pegada de carbono, como o E2G. Porém, no médio prazo, com os incentivos que serão trazidos pela iniciativa e com a redução dos custos de produção do E2G, a tendência é de que parte da produção nacional de E2G seja absorvida pelo mercado doméstico”, conclui o presidente da GranBio.
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