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Recalculando a rota de plantio de cana-de-açúcar

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BP bunge

Os últimos dados divulgados pela Unica (União da Indústria de Cana-de-açúcar) apontam que desde o início do ciclo 2021/2022 até 16 de novembro, a moagem de cana-de-açúcar na região Centro-Sul acumula queda de 11,8%.

Nesse período, a quantidade de cana-de-açúcar processada pelas usinas atingiu 516,97 milhões de toneladas, ante 586,16 milhões de toneladas na mesma data do último ciclo agrícola.

Um pouco antes, durante a 2ª Semana Canavieira Canaplan 2021, o diretor e consultor, Luiz Carlos Corrêa Carvalho, comentou que o setor chegou a uma queda de 15% na produção de cana, fechando a safra 21/22 em 515 milhões de toneladas. No entanto, os preços e o câmbio, que penalizam o Brasil, acabam equilibrando a queda de produtividade, amenizando a situação dos produtores, principalmente num ano como este, com várias adversidades climáticas.

Sabemos que um bom canavial pede manejo de solo, nutrição adequada, complementação via foliar ou por uso de bioestimulantes, micronutrientes, escolha de variedades e outros cuidados. Mas mesmo com todos esses requisitos atendidos e devido à questões de clima, em algumas regiões, as soqueiras de abril e de novembro estão no mesmo nível, o que implica em problemas para a colheita.

Para o fitopatologista e consultor, Álvaro Sanguino, uma grande preocupação está nas mudas para o plantio em consequência das geadas, secas e doenças sistêmicas em determinados locais e variedades.

“Não existe mais a estrutura de formação de viveiro de mudas, equipes de hocking, controle de qualidade e outros. O que vamos plantar? Pode ser que tenhamos um plantio rústico, plantando o que tem e não o que deveria ser plantado”, admite.

Ele lembra que os canaviais têm apresentado falhas, pragas, doenças e variedades novas em condições de exigência de metodologias de controle.  “Não vejo um horizonte a curto prazo, talvez tenhamos algo melhor em 2023. Para 2022 os plantios e controles deverão ser melhorados para tentar corrigir alguma coisa”, afirma.

O consultor da Agrocamp, Júlio Campanhão, menciona que estamos na pior safra dos últimos anos. “Foram muitas adversidades como a seca intensa, por exemplo, que começou mais cedo que o normal. A safra seguinte será impactada por dois motivos: falha de brotação e atraso no desenvolvimento, sendo que algumas variedades com bom potencial decepcionaram.”

Efeito dos incêndios e condições climáticas

Não bastasse as condições climáticas adversas, o setor sucroenergético ainda enfrentou incêndios. Como diz o economista do Pecege, Haroldo Torres, o fogo nos canaviais queima, literalmente, os recursos que foram investidos pelas usinas e produtores ao reduzir o potencial de produtividade da cana-de-açúcar em função das falhas de brotação e do nascimento do mato, que exigem ações de manejo.

Isso tudo reflete, na área agrícola, em menor produtividade e longevidade do canavial, maior necessidade de replantio ou, em alguns casos, na antecipação da reforma do canavial.

Já na área industrial, o fogo também impacta na qualidade da matéria-prima, pois logo após o incêndio ocorre a entrada de micro-organismos na planta, o que leva ao apodrecimento e material ruim em termos de qualidade para a indústria.

“É nítido que o fogo é um desastre econômico para o setor. No entanto, ele aprendeu a lidar com os incêndios, principalmente em ações de prevenção como a construção de aceiros e o uso de tecnologias. Em temos de tecnologia, o que tenho visto como maior resultado são as estações meteorológicas em fazendas e áreas produtivas para monitorar chuva e água no solo”, pondera Torres.

Segundo Torres, a safra 23/24 ainda sofrerá com a seca, pois começará mais tarde em função da necessidade de um tempo maior para o desenvolvimento da planta, o que pode resultar em entressafra mais longa.

Outro ponto elencado pelo economista é o fato das usinas apostarem no uso de imagens de satélite, enviadas em tempo real e quando o foco de incêndio é detectado. Dessa forma, as equipes estão posicionadas estrategicamente e são acionadas para apagar o fogo com a maior velocidade e agilidade possíveis para mitigar os impactos.

Em relação a seca, Torres analisa que estamos passando por um processo climático cada vez mais drástico e safras cada vez mais estressadas, sendo necessário pensar no manejo para que o canavial suporte estas condições. Em épocas de seca, quando é preciso produzir com falta de água, deve-se preparar o solo e o perfil em que estão as linhas de cana de forma química, física e biológica para que seja possível manter a produtividade nesse período.

“Temos visto as usinas trabalharem cada vez mais no contexto de canavial produtivo e resistente à seca, não só com o preparo de solo, mas integrando práticas como manejo varietal, olhando para variedades mais resistentes, uso da palhada de forma adequada e outras questões”, frisa.

Ele pontua que a safra 21/22 foi fortemente impactada por eventos climáticos e a safra 23/24 ainda sofrerá com isso, pois começará mais tarde em função da necessidade de um tempo maior para o desenvolvimento da planta, o que pode resultar em entressafra mais longa. Outro ponto é a possibilidade de ter um canavial mais envelhecido na safra 22/23 justamente pelas questões relacionadas ao clima.

“Teremos uma entressafra longa com nível de produtividade ainda comprometido, porém, a estimativa inicial é de uma moagem acima daquilo que foi creditado nessa safra, entre 530 a 550 milhões de t na região Centro-Sul, um número ligeiramente superior ao que teremos na safra 21/22. Uma recuperação, mas ainda assim um canavial comprometido e impactado”, adianta.

Diante de todos esses fatores, a dica dada por Torres é que os produtores olhem para esses episódios e extraiam experiências para antecipar as ações. “O setor precisa atuar em ações de prevenção, no controle tanto para incêndios como em geadas e secas. Olhar para um ano tão adverso como 2021 e tirar lições de aprendizado, levar essa experiência para que não sejamos tão impactados. Isso fará parte de nosso planejamento”, afirma.

Ações nas lavouras

Em meio ao cenário delicado, os produtores tiveram que agir rápido para manter seus canaviais, rever manejos e planejar operações agrícolas.

Paulo Artioli, produtor agrícola e diretor da Tecnocana, conta que na região de Macatuba, no interior de São Paulo, o fator climático e o índice pluviométrico baixo afetaram bastante o seu canavial, mas graças a introdução de novas tecnologias que ajudam a prever as mudanças climáticas, foi possível focar em variedades mais resistentes, captando lugares para semi-irrigação, principalmente em canteiros de mudas.

“Temos que nos adaptar e contar com variedades, tecnologias mais avançadas e trabalhar em cima de previsões para termos sucesso na hora do plantio”, afirma Paulo Artioli, da Tecnocana.

“Temos que nos adaptar e contar com variedades, tecnologias mais avançadas e trabalhar em cima de previsões para termos sucesso na hora do plantio. Na nossa região esses impactos foram um pouco diferentes em relação aos demais, pois tivemos um ATR muito bom por termos investido nos canaviais e realizado a fertilização com nutrientes, usamos bastante compostos orgânicos. O cuidado com a parte orgânica e nutricional nos deu essa vantagem. Com isso, sentimos que o impacto foi menor devido a essas introduções. Temos que focar nesses cuidados, pois as estações estão irregulares e o custo está alto, embora o preço dos produtos esteja bom. O que dá resultado é produção e precisamos ter uma acima do esperado para termos uma boa margem de lucro”, explica Artioli.

Outro produtor que tem se destacado mesmo em condições adversas é Daine Frangiosi, que também é diretor-presidente da Canacampo (Associação de Produtores de Cana da Região de Campo Florido). No entanto, os desafios não deixam de existir em sua região de cultivo.

“Devemos focar no canavial, na soqueira, no sistema radicular, na sanidade e na qualidade, buscando o equilíbrio do canavial com uma base bem feita. Com isso, a cana consegue se recuperar mais rápido”, diz.

Na região da Canacampo, os produtores esperam uma redução de 10% na produtividade, mas quem realizou o manejo de forma mais tecnificada poderá ter uma perda menor. “Para 2022 os impactos podem ser em cana para muda e início de safra. Acredito que podemos repetir o fechamento da safra atual, sendo que os impactos da geada serão refletidos no próximo período”, analisa Frangiosi.

Com a volta das chuvas no mês de novembro, o trabalho agora é estimular o canavial através do manejo fitossanitário, biológico e químico e interação de tecnologias para manter a produtividade.

“Vamos manter o foco no canavial, investir, aproveitar os bons preços do ATR e as boas perspectivas de preço, ter capricho e utilizar conceitos de outras culturas para termos um canavial produtivo e com adequação de custos, o que é muito importante”, pondera Frangiosi.

Já o produtor Ismael Perina conta que há algum tempo está enfrentando problemas com excesso ou falta de chuvas, algo até comum na atividade de produção de cana. Ele avalia que quando a cana é afetada pela geada, pode-se ter dois problemas: a cana a ser colhida pode ter alguma degeneração com sintomas de apodrecimento ou morte das gemas, o que causa perda de qualidade, sendo necessário colher o mais rápido possível, e ainda o prejuízo para a produção de mudas.

No entanto, como a maioria dos produtores de cana-de-açúcar da região de Ribeirão Preto utilizam o sistema de meiosi, os danos não foram tão intensos. A expectativa é realizar os trabalhos de adubação, controle de pragas e doenças – cuidados necessários para evitar problemas.

“Não vejo grandes mudanças em nossas atividades por conta das secas e geadas. No final do ciclo passado tivemos um pouco de seca, o que aumentou as áreas de reformas e consequentemente um custo adicional. Já nesse ano houve uma diminuição da produção e uma melhoria de preço, o que fez a receita dos produtores aumentar, trazendo rentabilidade devido à valorização da cana”, destaca Perina.

O produtor e diretor de Relações Institucionais da Ascana (Associação dos Produtores de Cana do Médio Tietê), Luiz Carlos Dalben, salienta que quando falamos em clima, principalmente falta de chuva e geadas, há a possibilidade de mudar o planejamento e a sistemática envolvidos no manejo do canavial.

“Plantamos as canas precoces, que são colhidas no início de safra, nas áreas mais suscetíveis às geadas. Sendo assim, essas canas estão prontas ou já foram colhidas (abril, maio, junho ou julho) no período. Já em relação às chuvas ou umidade, estamos implantando um sistema de irrigação, principalmente durante o plantio”, conta ao dizer que alugou dois bitrens-tanques para irrigar os canaviais por sistema roll on e motobomba, além de mudar a época de plantio das canas com maior potencial para chuvas.

“Precisamos de uma visão sistêmica e não apenas reagir quando as condições adversas acontecem”, destaca o produtor Paulo Rodrigues do Condomínio Santa Izabel.

Paulo de Araújo Rodrigues, diretor do Condomínio Agrícola Santa Izabel, localizado em Jaboticabal, SP, e com outras unidades produtoras em Minas Gerais, diz que vem trabalhando com um conceito de construção e manutenção da produtividade de seus canaviais.

A construção, de acordo com Rodrigues, é feita com um bom preparo e correção do solo, uma boa implementação do canavial, buscando zero falhas, com variedades adequadas para cada ambiente. A manutenção começa com uma boa operação de colheita, minimizando compactação e danos à soca, uso do terceiro eixo com ajustes para minimizar o déficit hídrico crescente ao longo da safra, um bom manejo de plantas daninhas, pragas e doenças – tentando aumentar os insumos biológicos, e uma nutrição adequada ao longo do ciclo e disponibilização de nutrientes na hora certa.

“Precisamos de uma visão sistêmica e não apenas reagir quando as condições adversas acontecem”, destaca o produtor.

Para a renovação de áreas, a empresa fará uso dos sistemas de meiosi e cantosi, plantados em setembro e outubro. “Neste ano a seca havia prejudicado bastante o desenvolvimento dos viveiros. A geada terminou o serviço. Em Frutal, MG, perdemos 100% e, em Jaboticabal, 70% dos viveiros primários. Até o viveiro de MPB foi afetado pela menor taxa de brotação, atraso no desenvolvimento ou até perda de muda com o frio”, revela Rodrigues.

Para o produtor, o início da safra 2022/23 deverá atrasar porque mesmo que o verão venha com mais chuvas não haverá um recuperação plena dos canaviais. “Acredito que demore entre dois ou três anos para recuperamos”, disse.

Por Diana Nascimento

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