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Edição 190

Tecnologia Agrícola – Acáros e Broca peluda podem ser um perigo para a cana?

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Relatos sobre o aparecimento de ácaros e de broca peluda na região Centro-Sul deixaram produtores preocupados. Qual é o real perigo destas pragas para os canaviais?

Natalia Cherubin

Um dos fatores de maior impacto sobre a cultura de cana-de-açúcar são as pragas. Sphenophorus, broca, cigarrinha, migdolus são algumas das mais importantes, conhecidas e também das pragas mais pesquisadas e controladas com sucesso pelo setor sucroenergético. No entanto, outras duas espécies, consideradas até então de menor importância para a cultura, apareceram em algumas áreas da região Centro-Sul e causaram preocupação aos produtores.

Assim como discutirmos sobre o possível aparecimento de uma nova espécie de sphenophorus em cana-de-açúcar, contatamos agora especialistas para desmistificar o aparecimento do ácaros e para falar sobre o perigo real da broca peluda, hoje considerada uma praga primária para os canaviais.

No início do ano foram relatados por alguns produtores o aparecimento de ácaros em canaviais da região de Araraquara e Jaboticabal, SP. Uma fonte não identificada chegou a revelar que tinham sido levantados 3 mil ha com alta infestação de ácaros. No entanto, José Francisco Garcia, engenheiro agrônomo, doutor em Entomologia e diretor da Global Cana Soluções Entomológicas, ao visitar as áreas em que teriam sido afetadas, não constatou alta infestação ou impactos severos.

“Não houve 3 mil ha afetados. Tivemos algumas irrelevantes ocorrências da espécie Schizotetranychus saccharum – meramente didáticas – as quais não acarretaram prejuízos a cultura. Através dos relatos existentes no Brasil, até o momento, os ácaros não apresentam perigo a cana-de-açúcar”, afirma.

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Garcia afirma que de acordo com os
relatos existentes no Brasil, os ácaros
não representam perigo algum para a
cana-de-açúcar

ÁCAROS

A cultura da cana-de-açúcar é hospedeira de inúmeras espécies de ácaros em todos os países produtores, sendo as mais conhecidas as pertencentes das famílias EriophyoideaTarsonemidae e Tetranychidae. Garcia explica que foram registradas cerca de 30 espécies de ácaros da família Tetranychidae distribuídas em oito gêneros que atacam a cana-de-açúcar. “Estes ácaros alimentam-se de várias gramíneas, incluindo a cana-de-açúcar e suas populações podem se acumular em gramíneas selvagens – ervas daninhas – antes de migrarem para cana, onde formam colônias na parte inferior das folhas, geralmente ao longo da região central.”

O ácaro que foi encontrado, da espécie Schizotetranychus saccharum, ocorre esporadicamente em cana. O doutor em Entomologia e Acarologia da Esalq-USP, Gilberto José de Moraes, explica que esta espécie faz teias como todos os ácaros do grupo e causa manchas que coalescem e dão o aspecto de ataque de ferrugem. “Este ácaro vive na face inferior da folha, onde tece uma camada densa de teia, visíveis como pequenas manchas brancas coalescentes. Embaixo destas estão todas as fases de desenvolvimento do ácaro. Como todos os ácaros da família a que pertence (Tetranychidae), alimentam-se perfurando células individuais, das quais extraem o conteúdo, inclusive os cloroplastos, as estruturas celulares que dão cor verde às folhas. Em consequência, populações muito elevadas durante muito tempo podem reduzir a produtividade das plantas”, complementa.

Enrico De Beni Arrigoni, diretor e consultor da Enrico Arrigoni Soluções em Manejo Integrado de Pragas, explica que os ácaros, em geral, são raspadores e após a raspagem das células da superfície das folhas, sugam o conteúdo que extravasa. O excesso que permanece na superfície sofre oxidação e passa a apresentar tonalidades que variam do amarelado ao marrom escuro. “Ataques mais intensos podem causar o secamento das folhas mais velhas. No entanto, não se tem registro de perdas significativas em áreas com surtos de ácaros, que em poucos meses se recuperam.”

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Reação da folha da cana-de-açúcar
atacada por ácaros

Este ácaro é bastante comum em cana-de-açúcar. A novidade é que nos últimos anos, em pontos determinados, houve um grande aumento populacional. Moraes acredita que isso tenha ocorrido em função do período seco muito prolongado que ocorreu nos últimos anos. “Acreditamos que tudo deva voltar ao normal em pouco tempo, com a regularização da precipitação. No entanto, dados os elevados níveis dos últimos anos, torna-se conveniente e prioritária a condução de estudos para o acompanhamento científico da causa real, avaliando inclusive os níveis de suscetibilidade de diferentes variedades.”

De acordo com o professor José Roberto Postali Parra, da Esalq-USP, não existe nenhum trabalho feito sobre o nível de dano ou controle da praga. “Realmente é uma praga secundária e explode quando há períodos de seca anormais ou prolongados. Os ácaros podem também aumentar sua população com a aplicação indiscriminada de produtos químicos, especialmente piretróides. Passamos por um período muito seco e, provavelmente, quando vieram as chuvas os ácaros desapareceram”, adiciona.

Garcia afirma que pelo hábito alimentar e altas populações – as quais não ocorreram na região de São Paulo – esta praga poderia diminuir a fotossíntese e, consequentemente, diminuir a produtividade, fator que ainda não foi relatado e/ou constatado no Brasil. “No Brasil, ácaros não são considerados pragas primárias e/ou secundárias, mesmo sendo relatados inúmeros gêneros e espécies. A informação disparada no setor não pode ser encarada como verdade, pois não houve ataque deste grupo de praga em muitos hectares e muito menos algum surto preocupante, o qual mereceria maior atenção.”

Se houvesse necessidade de controle desta praga, o melhor método seria o controle biológico. Isto porque, segundo Moraes, existem no mercado nacional espécies de ácaros comercializados para o controle de ácaros da família Tetranychidae, e estes seriam potencialmente úteis para o controle do S. sacharum. No entanto, seria necessário conduzir alguns estudos-piloto para avaliar especificamente a eficiência como predador de S. sacharum. “Outras opções existem, mas precisam ser avaliadas pela pesquisa. Não existe produto químico registrado para uso no combate a este ácaro na cana-de-açúcar, e o uso destes deveria ser a última opção para evitar o desequilíbrio deste sistema e a ocorrência de novos problemas.”

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A broca peluda também causa dandos
à planta, ao rendimento indústrial e ao
processo de fermentação alcoólica

Arrigoni diz que se houver um caso de ocorrência de infestações, é recomendável monitorar as áreas e avaliar a evolução das populações e dos sintomas. O mais importante é que as populações de ácaros não colonizem e infestem as folhas mais novas, também chamadas de folha zero até a folha mais 3. Ao mesmo tempo, é recomendado o monitoramento de populações de ácaros predadores, que normalmente estão presentes e constituem importante fator de controle de ácaros fitófagos. As espécies de ácaros predadores são utilizadas em diversos programas bem sucedidos de controle biológico de ácaros e em função disso é preciso sempre observar a presença destes inimigos naturais e preservá-los.

“Podemos afirmar que por enquanto ácaros não são um problema para a cana-de-açúcar e as ocorrências de surtos populacionais são raras. De qualquer maneira, há necessidade de acompanhamento da evolução das populações e dos seus inimigos naturais por meio de práticas de monitoramento bem executadas”, salienta.

BROCA PELUDA

Assim como o ácaros, a espécie hyponeuma taltula, chamada de broca peluda, não é uma novidade para a cana-de-açúcar. No entanto, apesar de conviver com a cultura há décadas, sempre em baixos níveis populacionais, hoje tem sido vista com maior atenção pelos produtores de algumas regiões produtoras do Brasil, que tem tido problemas no controle desta praga.

“As populações de hyponeuma tem aumentado muito em todas as regiões e isso está provavelmente ligado à redução dos preparo de solo para plantio, aumento das áreas de cultivo mínimo ou plantio direto, sem a destruição mecânica de soqueiras velhas”, confirma Leila Luci Dinardo-Miranda, pesquisadora do IAC (Instituto Agronômico), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.

De acordo com Garcia, em virtude do aumento da área plantada com esta cultura e regiões com maior potencial climático para aumento populacional, essa praga tem ocasionado prejuízos no stand da cultura, consequentemente afetando a produtividade. “Ela é uma praga de touceira, ataca perfilhos novos e colmos já adultos na região abaixo do nível do solo, não tendo o hábito de abrir galerias pelo colmo.”

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Ciclo da Broca Peluda

Segundo Arrigoni, caso os danos na base ocorram no início do desenvolvimento das plantas, poderá ocorrer morte de brotos e perfilhos, não sendo este o ataque mais comum. Quando o ataque na base ocorre em canas já desenvolvidas, não ocorre a morte dos colmos, mas a redução no desenvolvimento e a penetração de agentes patogênicos que podem causar apodrecimento na base dos colmos e até o secamento completo dos mesmos.

Segundo Parra, não se conhece sua biologia, mas sabe-se que a praga pode matar as plantas de cana. “Os ovos são colocados individualmente na base das plantas ou no palhiço sobre o solo. As lagartas penetram no colmo pela base, matando a planta. Podem causar ‘coração morto’ em canas novas também. A lagarta pode ser confundida com a broca-da-cana, mas tem setas mais longas na parte dorsal do corpo, daí lagarta-peluda. A pupação se dá no solo em casulos construídos de seda e restos vegetais. Os adultos apresentam dimorfismo sexual. Assim como a broca, a hyponeuma a causa danos à planta, ao rendimento industrial e ao processo de fermentação alcoólica.”

É recomendado que se faça o levantamento após a colheita, quando a frente de corte libera a referida zona. Garcia diz que deve-se levantar 4 pontos de 0,5 m de comprimento por ha em 30% de cada talhão. Uma vez que 30% dos talhões apresentarem o Nível de Controle (NC) de uma lagarta por metro, recomenda-se o controle químico desta lagarta, o qual apresenta resultados positivos. “Esse NC é utilizado para tomada de decisão sobre o controle da mesma. Na prática, não existem estudos que comprovem qual o real dano que uma lagarta de H. taltula pode ocasionar a cultura.”

CONTROLE

Para o controle de H. taltula em cana-de-açúcar deve-se desenleirar a palha da linha da cana, ou seja, retirar a palha da linha e acondicionar a mesma na entrelinha. Esse manejo é a principal ferramenta para expor os ovos depositados na base da soqueira a dessecação, diminuindo naturalmente a praga.

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De acordo com Leila, as populações
de Hyponeuma têm aumentado muito
em todas as regiões e isso está
provavelmente ligado à redução do
preparo de solo para plantio, aumento
das áreas de cultivo mínimo ou plantio
direto sem a destruição mecânica de
soqueiras velhas

“Se o índice de lagartas por metro atingir o NC, ou após a avaliação de Pragas de Hábito Subterrâneo, houver alto índice de coração morto, realiza-se o controle químico com o cortador de soqueiras 70/30, onde 70% da calda é injetada na linha e 30% da calda sobre a touceira, matando a lagarta quando injetado o produto e inibindo a penetração de lagartas quando 30% é direcionado sobre as touceiras. O controle químico para esta praga é recomendado e atinge níveis aceitáveis de controle”, detalha Garcia.

Parra afirma que existem registros de um trabalho com Actara para o controle do inseto, porém ainda nenhuma solução biológica. Arrigoni acredita que há poucos trabalhos desenvolvidos ou em desenvolvimento com esta praga e que, apesar de haver tentativas empíricas de definição de níveis de controle e de métodos de monitoramento, não existe trabalho científico focado nestes aspectos.

Arrigoni diz que o controle químico é difícil e nem sempre muito eficiente em função dos métodos de aplicação e pela dificuldade de definição do momento ideal de aplicação. Ele ainda afirma que mesmo que não exista o método completo e ideal de controle, é provável que adoção do controle químico aprimorado seja um componente fundamental no manejo desta praga.

Não se conhece a ação de parasitóides com ação eficiente no controle da praga, então, o que pode ser sugerido pelos especialistas é que haja predação nas fases de ovo e larvas neonatas, dificultando a ação dos integrantes deste grupo à medida que as larvas penetram e se abrigam nas bases dos colmos. Segundo Arrigoni, é provável que a redução parcial das populações da praga possam ser obtidas com a participação de agentes microbianos de controle como fungos e nematoides entomopatogênicos.

“O primeiro passo sempre se relaciona à necessidade de conhecer o problema em suas áreas de cultivo. A seguir, monitorar e quantificar os níveis populacionais presentes em cada local. Adotar a melhor prática recomendada pelas empresas fornecedoras de insumos de controle químico ou microbiano. De qualquer forma, serão necessários ainda alguns anos de aprendizado para podermos indicar a solução ideal e definitiva para este problema”, conclui.

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