Conecte-se conosco
 

Edição 205

Tecnologia Agrícola – Nitrogênio em cana planta e cana soca

Publicado

em

Neste primeiro artigo, o autor aponta dilemas ainda não resolvidos, destaca a evolução dos trabalhos sobre o tema e discute a busca pela correlação entre N-MO e produtividade

*José Luiz Ioriatti Dematte

As questões atuais e antigas que ainda estão pendentes em relação ao tema nitrogênio são: por que na cana planta se utiliza menos N-fertilizante em relação a extração e na cana soca ocorre respostas mais consistentes em relação ao teor de N-fertilizante aplicado? Neste particular há necessidade de um profundo entendimento da questão do N, sendo que devido à complexidade do sistema que o envolve, será observado somente as relações com a matéria orgânica do solo (MO), viva ou não. Sendo assim, é preciso entender que a MO do solo está envolvida numa série de reações aeróbicas e anaeróbicas através dos processos de Imobilização e Mineralização do N, estes influenciados por condições climáticas. Sendo assim, grande parte dos trabalhos publicados sobre a quantidade de N-fertilizante a ser aplicado no solo para cana planta ou soqueira, independente da N-MO é de valia duvidosa, pois climaticamente um ano agrícola é diferente de outro.

Juntamente a outros colaboradores, durante um trabalho realizado em 1997, fizemos o seguinte comentário em relação a questão do nitrogênio em cana planta: “Enquanto não se conhecer adequadamente as taxas de mineralização do N nos diversos ambientes, assim como a grandeza da fixação biológica e sua ação nas variedades, não se conseguirá resolver a questão da adubação nitrogenada em cana planta”. A conclusão final foi a de que: “Neste particular, trabalhos como os aqui elaborados não tem mais razão de ser”. Pois bem, passaram-se mais de 21 anos, mais de uma centena de trabalhos publicados e ainda não se tem conseguido chegar a um consenso na questão da quantidade a ser aplicada do N-fertilizante em cana planta, parcelado ou não, apesar dos esforços de pesquisadores e técnicos na tentativa de elucidar tal questão. Sabe-se atualmente que 75% a 90% do N absorvido pela cana provém do solo, independente da textura, se arenosa ou argilosa.

O principal objetivo neste levantamento seria o de verificar a evolução dos trabalhos feitos nestes últimos dez anos e as principais conclusões ou comentários, finalizando com sugestões em relação a quantidade a ser utilizada deste fundamental nutriente para a cana planta e soqueira. Para esclarecimentos anteriores a este artigo ver: Dematte, 2016, RPAnews em “Nitrogênio em Cana Planta.”

O DILEMA AINDA NÃO RESOLVIDO

/Sobre a cana planta, o trabalho de Franco e colaboradores (2011) – representados na Figura 1 – resume o percentual do nitrogênio advindo da matéria orgânica do solo (N-MO) e do N-fertilizante aplicado em cana planta, em função do tempo de aplicação do fertilizante após o plantio do mês sete (julho-agosto)) ao mês 15 (março-abril).

Em relação ao N-MO nota-se que ao longo dos meses há maior mineralização do N na faixa de 75% a 90%, justamente devido a ação climática, de outubro a abril, meses de máximo crescimento. Eventualmente, o excesso de N-fertilizante aplicado no solo suplantando ao N-MO será aproveitado pelos microrganismos do solo no processo de imobilização e posteriormente poderá ser mineralizado após a morte dos microrganismos pela soqueira seguinte, como já foi comprovado. Ou seja, na cana planta, e neste exemplo, somente 25% a 10% do N vem do fertilizante. No trabalho de Franco e Trivelin (2008), realizado em duas usinas de SP com teores de N aplicados ao solo de 0 a 120 kg/ha, não houve resposta significativa da tonelagem de cana em função destas doses. Uma explicação para tal fato estaria na época de preparo do solo onde ele é revolvido, corrigido o pH, tendo umidade e calor suficientes e necessários para a mineralização da MO.

Já na cana soca, dependendo da época, o percentual de N-MO é bem menor como verifica-se na Figura 1, sendo que a taxa de mineralização tende a aumentar nos meses chuvosos. Mas por que nas soqueiras as respostas a aplicação de N-fertilizante são mais consistentes como observado em diversos trabalhos, principalmente no de Penatti, 2017? A explicação para este caso estaria no fato de que o período de maio a setembro, na maioria das regiões ou é seca ou fria, sendo que os microrganismos tendem a diminuir as atividades, ficando extremamente difícil estimar a quantidade de N-fertilizante a ser aplicado no solo. Neste caso, e por segurança, procede-se a aplicação da quantidade de N-fertilizante em função da extração pela cana, como aliás tem sido feito em outras culturas, exceto a soja.

De qualquer maneira, este trabalho vem indicar que a taxa de mineralização da MO do solo nas soqueiras é diferente em função da época, se começo, meio ou fim de safra. Portanto, como as condições climáticas são imprevisíveis, e em consequência a mineralização da MO do solo, fica extremamente difícil se basear na quantidade de N-fertilizante a ser aplicado no solo em relação aos trabalhos publicados, pois uma ano agrícola é extremamente variável em relação ao outro devido ao clima. Por outro lado, o maior teor de N-fertilizante aplicado na soqueira seria imobilizado pelos microrganismos e posteriormente mineralizado para a soqueira seguinte, como já tem sido evidenciado por trabalhos científicos.

EVOLUÇÃO DOS TRABALHOS RELACIONADOS AO NITROGÊNIO

/Tem sido basicamente opinião de pesquisadores e técnicos do mundo canavieiro que a base de N obtida pela cana se deve a mineralização da MO do solo com um elevado potencial de contribuição de mecanismos de fixação biológica. Entretanto, o N-fertilizante é extremamente importante para a manutenção do N-MO do solo e, por conseguinte, devido a mineralização, uso do N pela cana.

Em relação aos países produtores de cana e a quantidade de N-fertilizante aplicado (Tabela 1) é possível observar uma extrema variação da Eficiência do Uso do Nitrogênio (NUE em inglês) ou balanço adequado e inadequado (Moore e Botha, 2014). Quando a relação de N-fertilizante é igual a ١,٠ indica que a quantidade aplicada é semelhante a quantidade extraída, ou seja, elevado NUE, e resultados abaixo de ١,٠, como na China, de valor ٠,١, indica que ٩٠٪ do N-fertilizante aplicado não está sendo usado pela cana. No caso do Brasil, a relação é de 0,6, indicando que 40% do N-fertlizante não está sendo aproveitado pela cana. O excesso de N-fertilizante aplicado, principalmente em cana planta, pode ocasionar redução da concentração de sucrose no colmo devido ao aumento de açucares redutores (glucose e frutose) no caldo, além da poluição em águas subterrâneas, rios, lagos etc.

De longa data sabe-se que a extração de N pela cana está na faixa de 0,90 a 1,4 kg de N/t colmo (Catani et al.,1959; Malavolta et al.,1980, Orlando Filho et al., 1983) e mais recentemente em trabalhos de tese, Franco, em 2008, e Oliveira em 2013, obtiveram valores na faixa de 1,05 a 1,2 e nas soqueiras acréscimos de 15 a 20%, não diferentes dos obtidos anteriormente.

Dentro desta linha de pensamento e levando-se em consideração as reposições de N-fertilizante no solo, haveria necessidade de doses de N compatível com a produtividade, principalmente no 1º Corte, cuja faixa no Centro-Sul canavieiro continua sendo de 90 a 130 t/ha (CTC 2018). Entretanto, isso não tem ocorrido na prática uma vez que as doses de N nas adubações de cana planta em kg/ha variam de 0 a 60. Estas baixas doses de N-fertilizante em cana planta são atribuídas aos resultados de pesquisas nos últimos 50 anos, nas mais diversas regiões canavieiras do Brasil. Apesar destes resultados, tem sido comum no setor canavieiro posições assumidas no incremento do N-fertilizante acima dos obtidos pelas pesquisas assim como o parcelamento e aplicações aéreas deste nutriente.

O aparente não empobrecimento em N no solo e a manutenção da produção de cana do primeiro corte sugere que a cultura pode obter seu N a partir de outros meios ou o próprio solo fornecer o N também por outros caminhos tais como: N mineralizado dos restos de cultura da própria cana; N mineralizado da MO do solo; N armazenado na muda; práticas agrícolas como calagem e gessagem; e Fixação Biológica do N.

Se considerarmos todas estas fontes como possíveis fornecedoras de N para cana planta, ela praticamente estaria suprida deste nutriente. No trabalho realizado em 1997, obtive produtividade de 98 a 130 t/ha em cana planta em cinco experimentos realizados em solos arenosos, aplicando doses de zero a 120 kg/ha de N, parcelados ou não. Em cada experimento, em função das doses crescentes de N não houve significância estatística na tonelagem obtida, prevalecendo a dose zero de N. Através dos cálculos feitos nestes solos na profundidade de 0-50 cm e sem levar em consideração a fixação biológica obtive a quantidade de N liberada pelo solo na faixa de 135 kg/N.

A BUSCA pela CORRELAÇÃO ENTRE N-MO E PRODUTIVIDADE

Mariano (2015) trabalhando em 21 áreas de cana planta na tentativa de obter uma metodologia adequada para especificar a quantidade de N-MO liberado pelo solo, chegou as seguintes conclusões: nenhum método foi capaz de identificar o nível crítico de N no solo, tampouco se ajustar a qualquer modelo de regressão avaliado.

/Em soqueira também tem havido, porém em menor número, tal variação, sendo que em 2012, Otto e colaboradores trabalhando em dez locais com diferentes tipos de solos no Estado de São Paulo, notaram que eles poderiam ser divididos em relação as respostas ao N em altamente, moderadamente, e não responsivo em relação a taxa de mineralização do N-MO. Observou também que a mineralização bruta da MO separou os solos quanto as respostas ao N. Estaria assim aberto uma área promissora de pesquisa onde seguramente haverá um maior conhecimento e posteriormente sendo possível separar as soqueiras em função das dose de N a serem aplicadas e não somente em função das extrações.

Posteriormente, este mesmo pesquisador e colaboradores, em 2016, trabalhando em diversos locais do Estado de São Paulo, num total de 45 soqueiras e diversos cortes de cana (Tabela 2), notou que as soqueiras poderiam ser separadas em função das respostas em relação ao N-fertilizante e não mais em relação a taxa de extração de N pela cana como tem sido utilizado. Entretanto, neste trabalho, nota-se que em 24% das socas não responsivas são áreas de elevada produtividade onde tem sido aplicado vinhaça ou que receberam torta de filtro ou outro composto orgânico, em outras palavras, houve inclusão do componente orgânico do solo e, portanto, mais N-MO.

Por outro lado, em 51% das soqueiras estudadas, note-se que na medida que sereduz a produtividade agrícola há um aumento da quantidade de N, justamente ao contrário da expectativa de produção. Nos 25% restantes, soqueiras de baixa produtividade, inferior a 70 t/ha, houve sensível aumento da produtividade, de 25 a 48 t/ha, a medida que houve aumento do teor de N-fertilizante. Entretanto, e neste trabalho, surge um grande dilema ainda a ser resolvido: sendo a mineralização da MO clima dependente, como separar as soqueiras em função da resposta ao N ao longo dos cortes? De qualquer maneira o assunto deve ter continuidade, pois estaria em busca justamente da interação N-fertilizante e N-MO. No Brasil e em outras culturas já está sendo utilizado o teor de MO do solo na indicação do teor de N.

*José Luiz Ioriatti Dematte é professor Titular e ex-chefe do Departamento de Solos e Nutrição de Plantas da Esalq/USP

Cadastre-se e receba nossa newsletter
Continue Reading
Publicidade