Apesar do custo mais elevado, as camisas perfuradas contribuem na diminuição da umidade do bagaço e no aumento da extração e da capacidade de moagem
Natália Cherubin
A tecnologia de camisa Lotus ou também chamada de camisa perfurada em rolo de moenda, foi usada pela primeira vez na década de 80 e foi desenvolvida para substituir o rolo convencional. Na época, a novidade despertou muito interesse, mas não foi aceita pela indústria porque as camisas perfuradas sofriam constantemente por entupimento, já que a forma construtiva dos orifícios era incompatível com o setor de preparo de cana, que usava desfibradores.
Por anos este sistema vem sendo usado em unidades que não utilizam desfibrador, como é o caso de empresas em países como Argentina, Peru, Equador, Venezuela, República Dominicana, Caribe, Panamá, Guatemala, México, Colômbia e Estados Unidos. De acordo com Marcos Vinícios Tontini, especialista em Gestão Industrial, foi na Colômbia que ocorreu alteração do projeto original, tendo o sistema de drenagem ajustado para operação com preparo de cana existente no mercado nacional mais atual, abrindo as portas para essa tecnologia.
Na prática, a tecnologia nada mais é do que furos feitos no fundo dos frisos da camisa, ao longo de todo o perímetro do rolo de moenda, por onde o caldo é drenado. “Com a camisa perfurada, a embebição e, por consequência, a extração da planta aumentam, com resultados expressivos, que variam de acordo com a capacidade de cada moenda. Outra vantagem da camisa perfurada é que ela diminui a umidade do bagaço da cana, uma vez que o resíduo não tem contato com o caldo extraído”, explica Tontini.
O bagaço mais seco traz melhora na eficiência do processo de queima para a geração de energia, levando à maior taxa de cogeração. Há também ganhos significativos na operação da usina. Com a drenagem do caldo sendo feita pelo próprio rolo, as usinas não precisam mais instalar sistemas de aspiração externa, o que reduz gastos com manutenção e atualização.
A Biosev testou a tecnologia em 2015, na unidade Rio Brilhante, no Mato Grosso do Sul. E depois de analisar os resultados, observou que houve uma diminuição da umidade no bagaço em 1,41%, se comparado aquele processado em moendas tradicionais. O que propiciou uma economia de aproximadamente 10 mil t de biomassa, ou seja, um aumento de 3 mil MWh na geração de energia, resultando em receita extra de R$ 700 mil.
Em relação ao aumento da extração, chegou-se a 97,21%, sendo que, com o método tradicional, apresentava eficiência de 96,99%, um aumento de 0,22% que pode parecer pequeno, mas, considerando uma moagem total de 4 milhões de t, representa um aumento de R$ 1,2 milhão em retorno financeiro.
CUSTO-BENEFÍCIO
Nos últimos anos, tem-se aplicado muito os sistemas de drenar o caldo que sai da compressão da cana ou bagaço, entre os rolos da moenda, em auxílio ao sistema normal de drenar somente pelos vãos formados pelos frisos das camisas. Segundo Dimas Cavalcanti, diretor da Moex, os critérios de projeto que vão de cálculos de furos/m², furos/polegada, comprimento da camisa até os cálculos das velocidades do caldo dentro dos furos, são muito variados. “Então, baratear ao máximo a aplicação, já que é um produto caro, é a grande tarefa da engenharia, além do projeto em si.”
Uma camisa perfurada para drenagem de caldo custa de 1,5 a 3 vezes o valor de uma camisa convencional. Essa taxa varia de fabricante para fabricante, tamanho da moenda, quantidade de furos transversais (boquilhas ou insertos), material das boquilhas, quantidade de galerias etc. Então, de acordo com Cavalcanti, é a relação custo-benefício que interessa. Afinal, mais que o valor do produto o que interessa à usina é o ganho que ele proporciona e se esse ganho compensa, com sobras expressivas, o maior custo que representa o produto. “As respostas tem sido positivas na maioria das aplicações”, destaca Cavalcanti.
1) Camisa perfurada no último terno:
O uso de camisas perfuradas no último terno tem trazido redução da umidade do bagaço e com isso maior eficiência as caldeiras. “É um dos maiores objetivos dessa aplicação. Esse aumento de eficiência pode representar ganhos extras na produção de eletricidade, ou seja, mais lucro com a mesma quantidade de cana moída”, afirma Cavalcanti.
Com a redução da umidade do bagaço há um aumento de extração. Então, ganha-se duplamente. Nessa aplicação, tem-se obtido reduções de dois pontos na umidade ou mais (tabela 1).
Considerando-se uma safra de 3 milhões de t de cana, 125 kg açúcar por t de cana, a R$ 55/ saco, a unidade teria um retorno financeiro de R$ 602.755. “No caso exemplificado na tabela 1, a usina não aumentou a taxa de embebição (250%), mas temos casos onde aproveitou-se a maior drenagem para manter a umidade com maior volume de embebição. Temos casos de se chegar a 300% de Embebição%Fibra. Esses valores poderiam ser contestados, pois sabemos que a eficiência da embebição na moenda é muito baixa (chegamos a 30% no caso acima), mas por outro lado temos as impurezas (principalmente as minerais) prejudicando muito as extrações a partir da moagem de cana integral”, adiciona Cavalcanti.
2) Camisa perfurada no primeiro terno:
O uso da camisa perfurada no primeiro terno traz aumento da capacidade de moagem sem aumentar a moenda. Os ganhos, de acordo com Cavalcanti, são de 8% a 12% para as mesmas condições de cana e de parâmetros de projeto de regulagem da moenda, ou seja, mantendo-se a mesma qualidade da cana e as mesmas aberturas do primeiro terno, consegue-se moer entre 8 e 10% a mais.
“Além disso, conseguimos também um expressivo ganho de extração do primeiro terno. Devido à melhor drenagem do caldo, a moenda escorrega menos, há menos reabsorção do caldo e consegue-se moer mais com a mesma rotação ou a mesma taxa, com menor rotação. O volume de caldo que sai nesse terno aumenta e como aqui não há o efeito da eficiência da embebição, pois a mistura da água com o açúcar é o da natureza, o que sai é açúcar mesmo”, explica.
Esse efeito é semelhante ao uso de desfibrador com índices de preparo elevado, onde um aumento de 85% de I.P. para 92% proporciona aumento de 76% para 80% na extração do primeiro terno. Com as camisas perfuradas no primeiro terno, os índices de extração subiram de 76% a 78% e, dependendo do caso, para 80% a 84%.
Esse aumento, de 4% a 8% no primeiro terno, corresponde a ganhar no final da bateria de moendas, de 0,4 a 0,8 pontos (Tabela 2).
O retorno financeiro, considerando-se uma safra de 3 milhões de t de cana, os mesmos 125 kg Açúcar por t de cana e R$ 55/saco, seria de R$ 2.278.293,87.
3) Camisa perfurada no primeiro e no último terno:
A composição das duas soluções trará um ganho maior ainda. De acordo com Cavalcanti, existem casos em que se ganhou, desde a fase com todas as camisas convencionais até o uso de duas camisas perfuradas (1° e 6°), acima de 1,56 pontos e mais um pouco ainda com o uso de três camisas perfuradas (1º, 5º e 6º).
“Antes de comentarmos os resultados esperados nesses aumentos de colocação de rolos com camisas perfuradas, devemos acrescentar um uso interessante: quando temos bateria mista (ternos grandes misturados com ternos menores) os ternos pequenos limitam a moagem, caso os maiores estejam com capacidade ociosa. É possível obter um ganho individual nesses ternos menores, de até 20%, dependendo da posição do terno na bateria e da diferença das capacidades nominais de das bitolas envolvidas. Temos caso de moenda 45”x78” moendo 1000 TCH, com cana de 12% de fibra”, relata Cavalcanti.
Ainda de acordo com ele, nos casos até agora conhecidos pela empresa, não foi observado ganho direto com o uso de mais de 2 camisas (1º e último). “Talvez o uso de uma 3ª camisa como penúltimo terno possa ser interessante para aumentar a embebição e diminuir a umidade do bagaço”, acrescenta.
POR QUE NÃO COLOCAR ROLOS PERFURADOS EM TODOS OS TERNOS?
Cavalcanti responde que a menos que seja por motivos de capacidade de moagem individual de determinados ternos, não haverá retorno de investimento e, em determinados casos, pode ocorrer até uma redução na extração. “Como é sabido pelos especialistas, a eficiência da embebição na moenda é baixa (não chega a 50%). Se pegarmos o bagaço embebido antes de cair no Donelly, poderemos constatar facilmente isso (existem estudos de laboratório mostrando). Há casos que não passam de 30%.”
O efeito de transbordamento do caldo sobre o rolo superior é o segredo da boa extração. O caldo que sobe, vindo da entrada da moenda é que vai homogeneizar a embebição na camada de bagaço que quer entrar na moenda. Núcleos encharcados de embebição no bagaço, ao serem espremidos, deslocam o líquido para áreas mais secas do bagaço, onde tem mais açúcar. Assim, o bagaço é lavado e a eficiência da embebição sobe para a casa dos 60% a 70% (Figura 1).
Dessa forma, segundo Cavalcanti, o uso de camisa perfurada onde se deseja maior eficiência da embebição, irá impedir o efeito. Com o ganho de capacidade de pega do rolo e também com o ganho na umidade do bagaço, pode-se até crescer o volume de embebição a valores extremamente altos (350 a 400% Fibra), mas isso irá comprometer o balanço térmico da usina.
“A aplicação poderá até ter certa lógica em casos de excesso de impurezas que impeçam a aplicação da embebição. Nesse caso, se houver taxas de 150%, por exemplo, e por conta disso pudermos subir acima de 250%, obviamente teremos ganhos. Mas será uma aplicação para tirar a operação de uma aberração para colocá-la em uma situação normal. Espero estar equivocado e podermos ter moendas com altos índices de moagem concomitantes com extrações na casa dos 98%”, complementa Cavalcanti.
Em conclusão, de acordo com ele, as camisas perfuradas servem para:
1) Diminuir a umidade de bagaço;
2) Aumentar a extração;
3) Aumentar a capacidade de moagem.
“Com essa solução, estamos podendo voltar a alguns valores que obtínhamos quando a cana era limpa. O que perdemos com a qualidade da cana, estamos recuperando com uma certa sobra. Sinal de que ainda temos o que ganhar, ao limpar a cana com eficiência”, conclui.
Segundo Tontini, existem aspectos que precisam ser melhorados, como o custo da tecnologia, que é três vezes maior em comparação ao do sistema tradicional. Além disso, sua vida útil é de dois anos, contra até cinco safras das moendas convencionais. No entanto, mesmo com essas diferenças, que são grandes, o investimento ainda é viável e vantajoso. “Os avanços de qualidade e de produtividade somados aos resultados financeiros justificam o investimento. A busca por inovações tecnológicas que combinem redução de custos com aumento de produtividade é um imperativo para o setor. Não há mais espaço para medo e insegurança. O caminho natural é o investimento em soluções inovadoras”, finaliza.