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Edição 205

Tecnologia Industrial – Limpeza a seco: a busca pela qualidade da cana

Publicado

em

Alisson Henrique

A finalidade principal da limpeza a seco é a de separar as impurezas vegetais (palha) e minerais (terra) da cana colhida mecanicamente nas usinas. O conceito pode ser aplicado tanto para o processamento da cana inteira – via mesas alimentadoras – como picada, via descarga direta. Nos dois casos, as impurezas minerais removidas são devolvidas para as lavouras. Antes da mecanização da colheita, quando a cana-de-açúcar era queimada, colhida manualmente e transportada inteira para a usina, a remoção de impurezas minerais era feita por meio de lavagem com água antes do processo de moagem.

Entretanto, com a mecanização, a cana passou a ser colhida crua e picada em toletes pela própria colhedora. Deste modo, a matéria-prima chega à usina com um elevado teor de impurezas vegetais como folhas verdes, secas e minerais. Neste caso, explica Viler Janeiro, diretor de Assuntos Corporativos do CTC, a lavagem da matéria-prima, antes da extração do caldo, não é tecnicamente aconselhada, pois causaria elevada perda de açúcar. “Pensando nisso, o CTC desenvolveu o sistema de limpeza a seco de cana, que através do uso de ventilação, permite a remoção das impurezas vegetais e minerais, sendo que a vegetal, removida pelo sistema, pode ser processada (peneirada e triturada) e utilizada como combustível nas caldeiras.”

De acordo com Frederico Becker, diretor de Novos Negócios da BTZ Tecnologia, a maioria das unidades não possui sistema de limpeza de forma ativa dentro dos parques fabris. “Algumas unidades têm telas perfuradas no fundo das mesas de recepção de cana, o que retira um pouco de palha. No entanto, este processo tem como objetivo principal a retirada das impurezas minerais”, explica.

Jaime Finguerut, engenheiro químico e diretor do ITC (Instituto de Tecnologia Canavieira), acrescenta que algumas unidades ainda usam uma tecnologia não otimizada, ou seja, uma colheita que resulta em uma mistura de toletes com impurezas vegetais e minerais, levando a perdas por esmigalhamento de cana, arranquio de soqueiras, compactação do solo, vetorização de doenças e pragas, entre outros problemas.

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Os sistemas de limpeza e separação atuais baseiam-se na instalação de sopradores sobre o sistema de alimentação,
cujo fluxo é direcionado para câmaras de separação

LIMPEZA DA CANA É ESSENCIAL

“Com a implantação acelerada da colheita mecanizada da cana crua, a limpeza a seco surgiu como a única alternativa para melhorar a qualidade da matéria-prima que entra na indústria, pois a presença de mais fibra (proveniente da palha que ainda chega junto com a cana) limita a capacidade da moenda. Além disso, aumenta a necessidade de água de embebição, o que potencialmente acaba limitando a capacidade da moenda, além de diluir o caldo que depois terá de ser evaporado com aumento dos gastos de energia e redução da sobra de bagaço”, detalha.

O processo antes da moagem faz-se importante para várias áreas industriais. Na moenda, por exemplo, o excesso de palha é o responsável pela diminuição da capacidade nominal de moagem. Além disso, causa desgaste em esteiras, taliscas, martelos, desfibradores, bagaceiras, pentes de moendas e ainda colabora para uma perda de Pol, que de acordo com Becker, pode chegar a 2%.

Ainda de acordo com ele, na caldeira, a palha pode ocasionar dois problemas bem conhecidos das unidades: o desgaste da parte traseira do equipamento, devido à abrasão da área contida na palha e uma possível corrosão química por cloro, causada pelas folhas verdes.

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Finguerut explica que a limpeza a seco, nas suas diversas configurações, pretende separar por sopragem e peneiramento uma parte da palha – fibra quase sem açúcar, que vai sair na moenda embebida do adoçante, potencialmente reduzindo a eficiência da extração – e uma parte das impurezas minerais. “Essas sujeiras aumentam os custos de manutenção dos principais equipamentos da usina (moenda e caldeira), aumentam a quantidade de torta de filtro, com as perdas de açúcar correspondentes, além de exigir uma maior recirculação de caldo de filtro com perda de capacidade no sistema de tratamento de caldo, piorando em geral a qualidade do caldo – cor, turbidez.

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De acordo com Frederico Becker, da BTZ Tecnologia, a maioria das unidades não possui sistema de limpeza de forma ativa. “Algumas unidades têm telas perfuradas no fundo das mesas de recepção de cana, o que retira um pouco de palha. No entanto, este processo tem como objetivo principal a retirada das impurezas minerais”, explica

“Na fermentação acontece o maior recebimento de inócuo bacteriano, o que causa infecções e perdas. O tratamento de caldo fica prejudicado porque sem a retirada da palha, as impurezas minerais, que ocasionam maior uso de produtos químicos neste processo também não são retiradas. Os sistemas de tratamento das unidades muitas vezes não atendem o volume de impurezas, afetando, por consequência, a qualidade do açúcar, prejudicando a cor, ocasionando pontos pretos e o excesso de enxofre, o que pode acarretar na desclassificação do produto”, adiciona o diretor de Novos Negócios da BTZ Tecnologia.

EFICIÊNCIA PODE CHEGAR A 80%

Os sistemas de limpeza a seco e separação atuais baseiam-se na instalação de sopradores sobre o sistema de alimentação – mesa alimentadora ou esteira para descarga direta -, cujo fluxo é direcionado para câmaras de separação. Becker explica que a hipótese conceitual destes sistemas é que diferentes constituintes, sejam elas cana, palha ou impurezas, seguirão diferentes trajetórias no interior da câmara devido a diferentes forças de arraste aerodinâmico. Entretanto, estas trajetórias são extremamente sensíveis a um grande número de fatores intervenientes como condições atmosféricas externas – temperatura e pressão ambiente, rajadas de vento, irregularidade da alimentação, morfologia e granulometria do material sólido.

A ocorrência de chuvas, por exemplo, mesmo que fracas, cria aderência entre toletes, palha e impurezas que, devido ao pequeno tempo de residência na câmara, não podem ser separadas de forma eficiente. “Em termos históricos, esta tecnologia foi adaptada do chamado sistema cubano, cujo desempenho revelou-se insatisfatório em condições de campo ao longo da safra e, de fato, hoje as vendas se restringem a algumas poucas unidades devido ao acúmulo de problemas operacionais e ao desempenho insatisfatório. Portanto, a principal dificuldade à introdução de uma nova tecnologia nesta área é a imagem negativa que se consolidou no mercado”, observa Becker.

Ainda de acordo com ele, no momento, a eficiência garantida por empresas de engenharia e fabricantes varia entre 60% e 70%. No entanto, em dias chuvosos esse percentual pode cair chegando a menos de 40% por conta da umidade da matéria.

Janeiro, afirma que atualmente o CTC conta com o melhor sistema de limpeza a seco do mercado. “O sistema patenteado pela empresa, no qual a limpeza é feita entre transportadores de correia convencionalmente utilizados nas instalações industriais, tem proporcionado maior eficiência de separação e consequentemente maior retorno para as usinas. Nas unidades instaladas com tecnologia CTC, a eficiência de remoção de impureza vegetal pode chegar a até 70%”, relata.

Especialistas defendem que os sistemas de limpeza a seco de cana são fundamentais nas usinas para a melhoria do processo, redução de desgastes e ganhos de capacidade, além de permitirem o aumento da disponibilidade de biomassa para geração de energia elétrica. A escolha da tecnologia adequada que proporcione maior eficiência é fundamental para o retorno do investimento.

De acordo Finguerut, um sistema bem projetado é bem operado. “A cana, colhida com uma baixa umidade relativa do ar e com a velocidade adequada na colhedora deve chegar ou ultrapassar 80% de retirada de impurezas minerais e vegetais, levando a menos de 1% de perda. Quando se fala em eficiência, há o desafio da metodologia de medida que em geral ainda se baseia em análises visuais e, no caso das impurezas mineiras, no método da mufla. Estas metodologias deixam muito a desejar em termos de facilidade operacional, precisão e repetibilidade”, esclarece.

Ainda de acordo com Finguerut, a limpeza a seco apresenta sistemas com equipamentos grandes – pois movimentam sólidos de baixa densidade e misturas de ar e sólidos -, de custos relativamente altos e com eficiências, no geral, baixas, variando entre 35% e 40%, com a sobrecarga em todos os processos da usina. “Sendo assim, apenas os que tem uma colheita melhor podem ter sistemas (processos) mais eficientes”, reitera.

NOVA TECNOLOGIA

O Diretor da BTZ Tecnologia explica que a empresa tem trabalhado em um sistema de limpeza e separação. Trata-se de um desenvolvimento cujo princípio de funcionamento foi descoberto através de pesquisas realizadas no NETeF/EESC/USP na área de escoamentos industriais gás-sólido. Segundo ele, testes de transporte pneumático de palha a baixas velocidades produziram uma separação praticamente perfeita entre a palha e partículas de solo devido a diferenças significativas nas respectivas forças de sustentação aerodinâmica.

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De acordo com Finguerut, engenheiro químico e diretor do ITC, um sistema bem projetado é bem operado. “A cana, colhida com uma baixa umidade relativa do ar e com a velocidade adequada na colhedora, deve chegar ou ultrapassar 80% de retirada de impurezas minerais e vegetais, levando a menos de 1% de perda

“A palha de cana, por possuir baixa densidade e grande área, gera uma sustentação aerodinâmica significativamente maior que seu peso e, consequentemente, é capturada pelo escoamento, mesmo a baixas velocidades da fase transportadora (1 a 2 m/seg). As partículas de solo, ao contrário, por terem densidade maior e área muito menor, são transportadas pelo escoamento a velocidades bem maiores, tipicamente acima de 10 m/seg. Assim, quando o circuito piloto foi operado a velocidades intermediárias, entre 3 e 5 m/seg, por exemplo, houve separação dos constituintes com a palha escoando em transporte pneumático e as partículas de solo escoando em regime estratificado no fundo da tubulação”, detalha Becker.

O novo sistema de separação é constituído de uma linha de transporte pneumático clássica, no entanto, operada em condições específicas de velocidade da fase transportadora de modo a obter a segregação dos constituintes do particulado. “Pode-se constatar que o sistema possui grande simplicidade construtiva e não necessita de partes móveis como esteiras ou peneiras rotativas. Ademais, a colocação de uma primeira linha horizontal de alta velocidade promove a separação prévia das impurezas minerais, caracterizando o sistema proposto também como de limpeza a seco. Em seguida os constituintes de interesse (cana e palha) são separados nas linhas horizontais subsequentes de baixa velocidade o que, simultaneamente, assegura o transporte para os respectivos equipamentos de processamento industrial”, finaliza.

APROVEITAMENTO DA PALHA  

O uso da palha é sempre assunto em pauta. As usinas vivem em busca de inovações que façam com que o uso deste material seja viável. Segundo Janeiro, atualmente o uso da palha como combustível já é uma realidade, havendo duas principais rotas para o recolhimento da mesma: feito com a cana e a posterior separação na usina com o uso do sistema de limpeza a seco, e o recolhimento através de fardos, onde a palha é deixada no campo após a colheita e, posteriormente, recolhida em fardos e transportada até a usina. “O processamento da palha é normalmente realizado por sistemas de peneiramento, os quais, quando bem dimensionados, produzem material totalmente adequado para uso na cogeração”, adiciona.

Para Becker, hoje a palha colhida em campo, enfardada e trazida para as unidades, com o objetivo de substituir parte do bagaço é uma realidade bastante aplicada e viável, pois pode representar grande incremento de biomassa às cogerações existentes, principalmente naquelas unidades que vendem energia para rede. “Essa realidade de coleta de palha em campo não exclui a necessidade dos sistemas industrias de limpeza de impurezas que sejam eficientes. Vale adicionar que se faz necessário uma política setorial e de longo prazo para a bioeletricidade, buscando garantir o uso eficiente deste recurso energético renovável na matriz de energia do país”, finaliza.

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